RELATO DE CASO
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Autho(rs): Fernando Fernandez Hexsel, Letícia Frigo Canazaro, Mariana Capoani, Paula Musa Aguiar, Eiji Suwa, Antonio Carlos Maciel |
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Descritores: Doença de Erdheim-Chester, Radiografia, Tomografia computadorizada |
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Resumo: VChefe do Serviço de Radiologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Médico Radiologista do Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil >
INTRODUÇÃO A doença de Erdheim-Chester é uma rara histiocitose de células não-Langerhans, primeiramente descrita por Jakob Erdheim e William Chester em 1930(1). A etiologia desta doença é desconhecida. Histologicamente, ela é caracterizada por infiltração difusa de histiócitos de aspecto "espumoso" nos tecidos acometidos, o que provoca uma reação xantomatosa ou xantogranulomatosa local(2). A doença possui manifestações sistêmicas, comumente atingindo ossos, sistema nervoso central, olhos, pulmões, mediastino, rins e retroperitônio, sendo o prognóstico dependente da extensão do envolvimento visceral(3,4). Apresentamos dois casos com quadro clínico e achados típicos da doença e discutimos os aspectos clínicos, radiológicos e propedêuticos.
RELATO DOS CASOS Caso 1 - Paciente do sexo feminino, branca, 43 anos de idade, foi internada para investigação de massa abdominal, anemia, leucocitose, plaquetocitose e dores nos membros inferiores. A radiografia do tórax demonstrou aumento do volume cardíaco e espessamento das fissuras horizontal e oblíqua do pulmão direito. As radiografias de membros inferiores evidenciaram esclerose simétrica predominando nas diáfises tibiais. A tomografia computadorizada de tórax e abdome mostrou espessamento de septos interlobulares nos ápices pulmonares, lesões com densidade de partes moles junto à aorta torácica descendente e lesão infiltrativa que envolvia significativa extensão da aorta abdominal e os vasos ilíacos internos, englobando os vasos renais e comprometendo ambos os seios renais, com consequente moderada hidronefrose, e continuando-se como extensa massa expansiva no mesentério, englobando completamente os vasos dessa região. Durante a internação a paciente relatou diminuição da acuidade visual, e após esta queixa foi realizada tomografia computadorizada das órbitas, que evidenciou lesões tumescentes preenchendo subtotalmente a gordura intraconal, bilateralmente. Foi realizada biópsia de lesão tumescente retrobulbar à direita, que demonstrou xantogranuloma. Posterior exame imuno-histoquímico evidenciou positividade para CD68 (PG-M1) e CD1a (MTB1 negativo), condizente com o diagnóstico de doença de Erdheim-Chester. Foi iniciado tratamento com corticosteroides e a paciente encontra-se em acompanhamento ambulatorial. Caso 2 - Paciente do sexo feminino, branca, 37 anos de idade, procurou atendimento hospitalar com queixas de poliúria, polidipsia e dor nos membros inferiores. As radiografias dos membros superiores e inferiores evidenciaram osteosclerose medular e áreas de hiperostose cortical de disposição simétrica. Posteriormente, a paciente apresentou exoftalmia e diminuição da acuidade visual, ocasião em que foi realizada tomografia computadorizada de ambas as órbitas, na qual se identificaram massas obliterando os planos da gordura intraconal envolvendo os nervos ópticos e deslocando os globos oculares, anteriormente. Foi feita biópsia da massa conjuntival, que mostrou acúmulo de histiócitos espumosos e infiltrado linfocitário, cujo exame imuno-histoquímico evidenciou negatividade para proteína S-100. A tomografia computadorizada de tórax demonstrou dissecção da aorta com trombose e ulceração, derrame ou espessamento pleural bilateral, calcificação de gânglios linfáticos no hilo pulmonar, calcificação subdiafragmática e/ou no lobo direito do fígado e grande aumento de ambas as adrenais. Iniciou-se tratamento com corticosteroides e radioterapia das lesões orbitárias, seguido de quimioterapia. Atualmente, a paciente encontra-se em acompanhamento ambulatorial.
DISCUSSÃO A doença de Erdheim-Chester ocorre mais frequentemente após os 40 anos de idade, com leve predomínio no sexo masculino. A patogenia da doença ainda não foi esclarecida, mas parece haver um tropismo de histiócitos por tecido conectivo perivascular e adiposo, com padrão infiltrativo e fibrose local(5). Dor óssea acompanhada de progressiva fraqueza, especialmente nos membros inferiores, é o sintoma mais comum da doença de Erdheim-Chester. Associado a isso, o paciente apresenta, comumente, febre, perda de peso, exoftalmia, dispneia e sinais de comprometimento neurológico, como diabetes insipidus(4,6). O diagnóstico baseia-se em achados radiológicos e patológicos. O envolvimento ósseo, presente em ambos os casos relatados, consiste em esclerose simétrica dos ossos tubulares longos, predominando nas metáfises e diáfises dos membros inferiores. É a anormalidade radiológica mais frequentemente reportada na literatura (60% dos casos)(4-8)(Figura 1). Quanto aos achados pulmonares, tanto a radiografia quanto a tomografia computadorizada mostram espessamento de fissuras e de septos interlobulares, além de derrame pleural, nódulos centrolobulares, opacidades reticulares no interstício, e na tomografia veem-se atenuações multifocais com padrão de vidro fosco(4,8). A doença de Erdheim-Chester tem um tropismo para o tecido conectivo, adiposo e perivascular. Este envolvimento pode se estender por toda a aorta, invadir o retroperitônio e o mediastino, levando a complicações graves como insuficiência cardíaca, tamponamento e insuficiência renal. O envolvimento do fígado, pâncreas e mesentério é extremamente raro(5). O comprometimento ocular, encontrado tanto no caso 1 como no caso 2, pode ser uni ou bilateral e aparece nos exames de imagem como massas intraorbitárias ou tumores retrobulbares (Figura 2).
O acometimento retroperitoneal é visto, na tomografia, pela presença de massas envolvendo partes moles, como o músculo psoas, encarcerando a gordura perirrenal, o que explicaria o quadro clínico de insuficiência renal e hipertensão arterial, consequências do desenvolvimento da hidronefrose(3,4). O envolvimento renal/perirrenal é reconhecido em 29% dos pacientes em uma série de 59 casos, e na tomografia computadorizada é demonstrado por infiltração homogênea com pouca captação pelo meio de contraste perirrenal(4). A aparência de "rim cabeludo" ou "rim em casca de cebola", relatada em nossas pacientes, deve-se à infiltração simétrica e bilateral do espaço posterior e perirrenal, altamente sugestiva do diagnóstico. A extensão para o seio renal pode levar à obstrução do trato urinário (Figura 3).
Não há consenso sobre o tratamento da doença de Erdheim-Chester, mas a literatura mostra resultados promissores com o uso de corticosteroides, drogas imunossupressoras, como a ciclofosfamida, quimioterapia e radioterapia. O prognóstico depende da extensão do comprometimento visceral no momento do diagnóstico(3,4)
REFERÊNCIAS 1. Wright R, Hermann R, Parisi J. Neurological manifestations of Erdheim-Chester disease. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1999;66:72-5. [ ] 2. Haroche J, Amoura Z, Dion E, et al. Cardiovascular involvement, an overlooked feature of Erdheim-Chester disease: report of 6 new cases and a literature review. Medicine (Baltimore). 2004;83:371-92. [ ] 3. Haroche J, Amoura Z, Wechsler B, et al. Erdheim- Chester disease. Presse Med. 2007;36(Pt 11): 1663-8. [ ] 4. Veyssier-Belot C, Cacoub P, Caparros-Lefebvre D, et al. Erdheim-Chester disease. Clinical and radiologic characteristics of 59 cases. Medicine (Baltimore). 1996;75:157-69. [ ] 5. Dion E, Graef C, Haroche J, et al. Imaging of thoracoabdominal involvement in Erdheim-Chester disease. AJR Am J Roentgenol. 2004; 183:1253-60. [ ] 6. Boissel N, Wechsler B, Leblond V. Treatment of refractory Erdheim-Chester disease with double autologous hematopoietic stem-cell transplantation. Ann Intern Med. 2001;135:844-5. [ ] 7. Gil Marculeta R, Domínguez Echávarri PD, Cano Rafart D, et al. Radiologic diagnosis of Erdheim- Chester disease. A case report. Radiologia. 2006; 48:317-20. [ ] 8. Wittenberg KH, Swensen SJ, Myers JL. Pulmonary involvement with Erdheim-Chester disease: radiographic and CT findings. AJR Am J Roentgenol. 2000;174:1327-31. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 19/10/2007.
* Trabalho realizado no Serviço de Radiologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil. |