ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Cláudio Márcio Amaral de Oliveira Lima, Elisa Pompeu Dias Coutinho, Érica Barreiros Ribeiro, Marisa Nassar Aidar Domingues, Flávia Pegado Junqueira, Antonio Carlos Coutinho Junior |
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Descritores: Imagem por ressonância magnética, Endometriose, Infertilidade, Trato geniturinário, Bexiga, Uretra |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Embora a maioria das lesões expansivas da bexiga sejam neoplasias epiteliais, existe uma variedade de doenças não neoplásicas que pode cursar como espessamento parietal focal ou difuso da bexiga, simulando malignidade, como a endometriose(1). Endometriose é definida como a presença de tecido endometrial funcionante fora da cavidade endometrial e do miométrio(2-4). É doença comum, de causas multifatoriais, que acomete 7% a 10% da população geral. O envolvimento geniturinário responde por 1% a 3% dos casos, acometendo mais comumente mulheres entre 25 e 40 anos de idade(5). A endometriose profunda é uma entidade específica, histologicamente definida quando o foco ectópico invade o peritônio em mais de 5 mm de profundidade, em geral envolvendo os ligamentos uterossacros, o intestino, o septo retovaginal e o trato urinário(6). O diagnóstico clínico é difícil e baseia-se na história, exame físico, laparoscopia e biópsia das lesões suspeitas(6,7). A ressonância magnética (RM) é um método não invasivo que permite avaliação multiplanar, com alta resolução espacial e capacidade de caracterização tecidual, sem radiação ionizante ou uso de meio de contraste iodado. A RM possui acurácia elevada para o diagnóstico das lesões da bexiga, sendo mais sensível do que a ultrassonografia transvaginal para demonstrar o envolvimento da muscular e delinear a relação da lesão com as estruturas adjacentes, quando do planejamento cirúrgico(8). O objetivo deste trabalho é apresentar, sob a forma de ensaio iconográfico, os principais achados à RM do envolvimento do trato urinário baixo por endometriose profunda.
PROTOCOLOS DE RM A obtenção de imagens de RM adequadas para a avaliação de pacientes com suspeita de endometriose do trato urinário baixo deve seguir protocolos específicos. Em nosso serviço, o exame é realizado no período menstrual, pela maior possibilidade de identificação de focos hemorrágicos, facilitando assim a caracterização tecidual dessas lesões. A bexiga deve estar sob média repleção, uma vez que vazia ou acentuadamente distendida dificulta a adequada identificação de pequenas lesões. Utilizam-se, ainda, imediatamente anterior ao exame, antiespasmódico venoso (butilbrometo de escopolamina) e, mais recentemente, a introdução de gel aquoso vaginal (50 ml) e solução salina retal (250 ml), a para facilitar a identificação de outros focos de endometriose profunda, em especial na região retrocervical, ligamentos uterossacros e parede retal, em possível associação. A introdução de gel aquoso vaginal e solução salina retal não ocasiona desconforto considerável, do ponto de vista álgico e/ou social, apesar do período menstrual. Não foi solicitado às pacientes nenhum preparo intestinal. As sequências utilizadas são pesadas em T1 no plano axial (TR: 589; TE: 10; FOV: 240; espessura: 3 mm; intervalo: 10%; matriz: 256 × 256), pesadas em T1 com supressão de gordura nos planos sagital e axial (TR: 706; TE: 14; FOV: 250; espessura: 5 mm; intervalo: 45%; matriz: 230 × 256) e pesadas em T2 nos planos sagital, coronal e axial (TR: 3.610; TE: 108; FOV: 240; espessura: 3,5 mm; intervalo: 10%; matriz: 384 × 326). Após a administração venosa de gadolínio é feita sequência pesada em T1 com supressão de gordura nos planos sagital e axial. O meio de contraste pode ser útil no estudo das lesões da parede abdominal, por realçar as superfícies peritoneais/serosas circunjacentes aos focos de endometriose profunda(8), muito provavelmente devido ao intenso processo inflamatório associado à endometriose. Nos casos de acometimento ureteral podem ser utilizadas técnicas de urorressonância, para melhor caracterização anatômica da uretero-hidronefrose, em razão do maior campo de visão e do efeito urográfico.
ACHADOS DE RM O envolvimento do espaço vesicouterino revela-se pelas formações nodulares com baixo sinal nas sequências pesadas em T2, geralmente aderidas à superfície uterina anterior, formando um ângulo obtuso com a parede da bexiga(4,5) (Figura 1).
A endometriose vesical pode ser de natureza intrínseca, envolvendo primariamente a musculatura (detrusor), ou extrínseca, quando as lesões do espaço vesicouterino com comprometimento das superfícies serosas/peritoneais invadem a parede da bexiga. A parede vesical pode apresentar espessamento difuso ou focal predominantemente hipointenso na sequência pesada em T2, relacionado ao componente fibrótico, substituindo o sinal próprio da musculatura (detrusor). Eventualmente, podem ser observadas, de permeio a estas áreas, focos hiperintensos em T2, que correspondem a glândulas endometriais ectasiadas, com conteúdo hemático ou não(5,6) (Figura 2). É incomum a invasão da mucosa em casos de endometriose vesical, e o exame de RM pode demonstrar alterações mesmo em casos de pacientes assintomáticas e com cistoscopia normal(9). A RM tem grande importância no diagnóstico da endometriose vesical (sensibilidade de 88%, especificidade de 98,9%, valor preditivo positivo de 88%, valor preditivo negativo de 98,9% e acurácia de 97,9%), principalmente por permitir a identificação das lesões submucosas, inclusive com cistoscopia normal e associações com outros focos subperitoneais e/ou de permeio a aderências extensas(2). Em acordo com a literatura, no presente trabalho identificou-se sinal de ressonância variável e grande frequência de focos hemorrágicos de permeio a essas lesões, provavelmente pela realização do exame no período menstrual, e ainda acentuada predileção pela parede posterior e o dômus da bexiga. O envolvimento ureteral pela endometriose, assim como no envolvimento vesical, pode ser de natureza intrínseca ou extrínseca, sendo esta última quatro vezes mais frequente. Na doença intrínseca, o tecido endometrial ectópico infiltra diretamente a muscular, a lâmina própria ou o lúmen ureteral e provavelmente origina-se por disseminação venosa ou linfática. No envolvimento extrínseco, o tecido endometrial invade apenas a adventícia ureteral ou o tecido conectivo adjacente e tem provável origem a partir do envolvimento ovariano, ligamento largo ou uterossacro. A presença de tecido fibrótico/cicatricial sem o envolvimento endometriótico verdadeiro do ureter também pode ser classificada como envolvimento extrínseco(5,6). A endometriose comumente envolve o ureter pélvico (Figura 3). A maioria das mulheres acometidas encontra-se no período pré-menopausa(5,6). A obstrução ureteral (Figura 4) pode ser lenta e progressiva, eventualmente implicando falência renal(10). O acometimento intrínseco do ure ter é raro, sendo a fibrose periureteral, as sociada ou não a focos de sangramento, o achado mais frequente. O envolvimento uretral é raro, usualmente com lesão periuretral que simula divertículos (Figura 5), com conteúdo hemático ou não(10). Muitas vezes, focos de endometriose profunda são observados simultaneamente em sítios distintos, entre eles a região retrocervical, os ligamentos uterossacros, os septos retovaginais e vesicovaginal e outras vísceras ocas(4-6) (Figura 6). O padrão ouro para o tratamento é a ressecção completa dessas lesões. É muito importante a avaliação pré-operatória, sendo esta, em geral, limitada em relação aos dados clínicos e ultrassonográficos(6,7). A RM tem grande importância no diagnóstico da endometriose do trato urinário baixo, com elevada sensibilidade, especificidade, acurácia e valor preditivo positivo, principalmente por permitir a identificação das lesões subperitoneais e/ou de permeio a aderências extensas, e ainda demonstrar e avaliar a extensão das lesões subperitoneais e/ou viscerais, não visíveis à laparoscopia e/ou cistoscopia. Agradecimentos Ao Dr. Romeu Côrtes Domingues, pelo estímulo e por tornar possível este e outros estudos científicos, e ao Dr. Emerson L. Gasparetto, pela ajuda.
REFERÊNCIAS 1. Wong-You-Cheong JJ, Woodward PJ, Manning MA, et al. From the archives of the AFIP: Inflammatory and nonneoplastic bladder masses: radio-logic-pathologic correlation. Radiographics. 2006;26:1847-68. [ ] 2. Bazot M, Darai E, Hourani R, et al. Deep pelvic endometriosis: MR imaging for diagnosis and prediction of extension of disease. Radiology. 2004;232:379-89. [ ] 3. Generao SE, Keene KD, Das S. Endoscopic diagnosis and management of ureteral endometriosis. J Endourol. 2005;19:1177-9. [ ] 4. Coutinho Jr AC, Lima CMAO, Coutinho EPD, et al. Ressonância magnética na endometriose pélvica profunda: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2008;41:129-34. [ ] 5. Deval B, Danoy X, Buy JN, et al. Bladder endometriosis. Apropos of 4 cases and review of the literature. Gynecol Obstet Fertil. 2000;28:385-90. [ ] 6. Comiter CV. Endometriosis of the urinary tract. Urol Clin North Am. 2002;29:625-35. [ ] 7. Woodward PJ, Sohaey R, Mezzetti TP Jr. Endometriosis: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2001;21:193-216. [ ] 8. Ghattamaneni S, Weston MJ, Spencer JA. Imaging in endometriosis. Imaging. 2007;19:345-68. [ ] 9. Del Frate C, Girometti R, Pittino M, et al. Deep retroperitoneal pelvic endometriosis: MR imaging appearance with laparoscopic correlation. Radiographics. 2006;26:1705-18. [ ] 10. Prasad SR, Menias CO, Narra VR, et al. Cross-sectional imaging of the female urethra: technique and results. Radiographics. 2005;25:749-61. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 14/2/2009.
* Trabalho realizado nas Clínicas de Diagnóstico Por Imagem (CDPI) e Multi-Imagem, Rio de Janeiro, RJ, e no Centro de Diagnóstico por Imagem Fátima Digittal, Nova Iguaçu, RJ, Brasil. |