Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 42 nº 3 - Maio / Jun.  of 2009

ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 193 to 197



Ressonância magnética na endometriose do trato urinário baixo: ensaio iconográfico

Autho(rs): Cláudio Márcio Amaral de Oliveira Lima, Elisa Pompeu Dias Coutinho, Érica Barreiros Ribeiro, Marisa Nassar Aidar Domingues, Flávia Pegado Junqueira, Antonio Carlos Coutinho Junior

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Texto em Português English Text

Descritores: Imagem por ressonância magnética, Endometriose, Infertilidade, Trato geniturinário, Bexiga, Uretra

Keywords: Magnetic resonance imaging, Endometriosis, Infertility, Genitourinary tract, Bladder, Urethra

Resumo:
Endometriose é definida como a presença de tecido endometrial funcionante fora da cavidade endometrial e do miométrio. É uma doença comum, de causas multifatoriais, porém o envolvimento do trato urinário baixo é raro. A ressonância magnética tem elevada sensibilidade, especificidade e acurácia no diagnóstico da endometriose do trato geniturinário baixo, principalmente por permitir a identificação das lesões de permeio a aderências e a avaliação da extensão das lesões subperitoneais. Neste estudo são ilustrados, sob a forma de ensaio iconográfico, os principais achados à ressonância magnética do envolvimento por endometriose do trato urinário baixo.

Abstract:
Endometriosis is defined as the presence of functional endometrial tissue outside the endometrial cavity and myometrium. Although this is a frequent disease with multifactorial causes, involvement of the lower urinary tract is rare. Magnetic resonance imaging is highly sensitive, specific and accurate in the diagnosis of endometriosis in the lower urinary tract, especially for allowing the identification of lesions obscured by adhesions or with subperitoneal extension. The present iconographic essay presents the main magnetic resonance imaging findings of the lower urinary tract involvement by endometriosis.

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

Embora a maioria das lesões expansivas da bexiga sejam neoplasias epiteliais, existe uma variedade de doenças não neoplásicas que pode cursar como espessamento parietal focal ou difuso da bexiga, simulando malignidade, como a endometriose(1).

Endometriose é definida como a presença de tecido endometrial funcionante fora da cavidade endometrial e do miométrio(2-4). É doença comum, de causas multifatoriais, que acomete 7% a 10% da população geral. O envolvimento geniturinário responde por 1% a 3% dos casos, acometendo mais comumente mulheres entre 25 e 40 anos de idade(5). A endometriose profunda é uma entidade específica, histologicamente definida quando o foco ectópico invade o peritônio em mais de 5 mm de profundidade, em geral envolvendo os ligamentos uterossacros, o intestino, o septo retovaginal e o trato urinário(6).

O diagnóstico clínico é difícil e baseia-se na história, exame físico, laparoscopia e biópsia das lesões suspeitas(6,7). A ressonância magnética (RM) é um método não invasivo que permite avaliação multiplanar, com alta resolução espacial e capacidade de caracterização tecidual, sem radiação ionizante ou uso de meio de contraste iodado. A RM possui acurácia elevada para o diagnóstico das lesões da bexiga, sendo mais sensível do que a ultrassonografia transvaginal para demonstrar o envolvimento da muscular e delinear a relação da lesão com as estruturas adjacentes, quando do planejamento cirúrgico(8).

O objetivo deste trabalho é apresentar, sob a forma de ensaio iconográfico, os principais achados à RM do envolvimento do trato urinário baixo por endometriose profunda.

 

PROTOCOLOS DE RM

A obtenção de imagens de RM adequadas para a avaliação de pacientes com suspeita de endometriose do trato urinário baixo deve seguir protocolos específicos.

Em nosso serviço, o exame é realizado no período menstrual, pela maior possibilidade de identificação de focos hemorrágicos, facilitando assim a caracterização tecidual dessas lesões. A bexiga deve estar sob média repleção, uma vez que vazia ou acentuadamente distendida dificulta a adequada identificação de pequenas lesões. Utilizam-se, ainda, imediatamente anterior ao exame, antiespasmódico venoso (butilbrometo de escopolamina) e, mais recentemente, a introdução de gel aquoso vaginal (50 ml) e solução salina retal (250 ml), a para facilitar a identificação de outros focos de endometriose profunda, em especial na região retrocervical, ligamentos uterossacros e parede retal, em possível associação. A introdução de gel aquoso vaginal e solução salina retal não ocasiona desconforto considerável, do ponto de vista álgico e/ou social, apesar do período menstrual. Não foi solicitado às pacientes nenhum preparo intestinal.

As sequências utilizadas são pesadas em T1 no plano axial (TR: 589; TE: 10; FOV: 240; espessura: 3 mm; intervalo: 10%; matriz: 256 × 256), pesadas em T1 com supressão de gordura nos planos sagital e axial (TR: 706; TE: 14; FOV: 250; espessura: 5 mm; intervalo: 45%; matriz: 230 × 256) e pesadas em T2 nos planos sagital, coronal e axial (TR: 3.610; TE: 108; FOV: 240; espessura: 3,5 mm; intervalo: 10%; matriz: 384 × 326). Após a administração venosa de gadolínio é feita sequência pesada em T1 com supressão de gordura nos planos sagital e axial. O meio de contraste pode ser útil no estudo das lesões da parede abdominal, por realçar as superfícies peritoneais/serosas circunjacentes aos focos de endometriose profunda(8), muito provavelmente devido ao intenso processo inflamatório associado à endometriose. Nos casos de acometimento ureteral podem ser utilizadas técnicas de urorressonância, para melhor caracterização anatômica da uretero-hidronefrose, em razão do maior campo de visão e do efeito urográfico.

 

ACHADOS DE RM

O envolvimento do espaço vesicouterino revela-se pelas formações nodulares com baixo sinal nas sequências pesadas em T2, geralmente aderidas à superfície uterina anterior, formando um ângulo obtuso com a parede da bexiga(4,5) (Figura 1).

 

 

A endometriose vesical pode ser de natureza intrínseca, envolvendo primariamente a musculatura (detrusor), ou extrínseca, quando as lesões do espaço vesicouterino com comprometimento das superfícies serosas/peritoneais invadem a parede da bexiga. A parede vesical pode apresentar espessamento difuso ou focal predominantemente hipointenso na sequência pesada em T2, relacionado ao componente fibrótico, substituindo o sinal próprio da musculatura (detrusor). Eventualmente, podem ser observadas, de permeio a estas áreas, focos hiperintensos em T2, que correspondem a glândulas endometriais ectasiadas, com conteúdo hemático ou não(5,6) (Figura 2). É incomum a invasão da mucosa em casos de endometriose vesical, e o exame de RM pode demonstrar alterações mesmo em casos de pacientes assintomáticas e com cistoscopia normal(9).

A RM tem grande importância no diagnóstico da endometriose vesical (sensibilidade de 88%, especificidade de 98,9%, valor preditivo positivo de 88%, valor preditivo negativo de 98,9% e acurácia de 97,9%), principalmente por permitir a identificação das lesões submucosas, inclusive com cistoscopia normal e associações com outros focos subperitoneais e/ou de permeio a aderências extensas(2). Em acordo com a literatura, no presente trabalho identificou-se sinal de ressonância variável e grande frequência de focos hemorrágicos de permeio a essas lesões, provavelmente pela realização do exame no período menstrual, e ainda acentuada predileção pela parede posterior e o dômus da bexiga.

O envolvimento ureteral pela endometriose, assim como no envolvimento vesical, pode ser de natureza intrínseca ou extrínseca, sendo esta última quatro vezes mais frequente. Na doença intrínseca, o tecido endometrial ectópico infiltra diretamente a muscular, a lâmina própria ou o lúmen ureteral e provavelmente origina-se por disseminação venosa ou linfática. No envolvimento extrínseco, o tecido endometrial invade apenas a adventícia ureteral ou o tecido conectivo adjacente e tem provável origem a partir do envolvimento ovariano, ligamento largo ou uterossacro. A presença de tecido fibrótico/cicatricial sem o envolvimento endometriótico verdadeiro do ureter também pode ser classificada como envolvimento extrínseco(5,6).

A endometriose comumente envolve o ureter pélvico (Figura 3). A maioria das mulheres acometidas encontra-se no período pré-menopausa(5,6). A obstrução ureteral (Figura 4) pode ser lenta e progressiva, eventualmente implicando falência renal(10). O acometimento intrínseco do ure ter é raro, sendo a fibrose periureteral, as sociada ou não a focos de sangramento, o achado mais frequente.

O envolvimento uretral é raro, usualmente com lesão periuretral que simula divertículos (Figura 5), com conteúdo hemático ou não(10). Muitas vezes, focos de endometriose profunda são observados simultaneamente em sítios distintos, entre eles a região retrocervical, os ligamentos uterossacros, os septos retovaginais e vesicovaginal e outras vísceras ocas(4-6) (Figura 6).

O padrão ouro para o tratamento é a ressecção completa dessas lesões. É muito importante a avaliação pré-operatória, sendo esta, em geral, limitada em relação aos dados clínicos e ultrassonográficos(6,7).

A RM tem grande importância no diagnóstico da endometriose do trato urinário baixo, com elevada sensibilidade, especificidade, acurácia e valor preditivo positivo, principalmente por permitir a identificação das lesões subperitoneais e/ou de permeio a aderências extensas, e ainda demonstrar e avaliar a extensão das lesões subperitoneais e/ou viscerais, não visíveis à laparoscopia e/ou cistoscopia.

Agradecimentos

Ao Dr. Romeu Côrtes Domingues, pelo estímulo e por tornar possível este e outros estudos científicos, e ao Dr. Emerson L. Gasparetto, pela ajuda.

 

REFERÊNCIAS

1. Wong-You-Cheong JJ, Woodward PJ, Manning MA, et al. From the archives of the AFIP: Inflammatory and nonneoplastic bladder masses: radio-logic-pathologic correlation. Radiographics. 2006;26:1847-68.         [  ]

2. Bazot M, Darai E, Hourani R, et al. Deep pelvic endometriosis: MR imaging for diagnosis and prediction of extension of disease. Radiology. 2004;232:379-89.         [  ]

3. Generao SE, Keene KD, Das S. Endoscopic diagnosis and management of ureteral endometriosis. J Endourol. 2005;19:1177-9.         [  ]

4. Coutinho Jr AC, Lima CMAO, Coutinho EPD, et al. Ressonância magnética na endometriose pélvica profunda: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2008;41:129-34.         [  ]

5. Deval B, Danoy X, Buy JN, et al. Bladder endometriosis. Apropos of 4 cases and review of the literature. Gynecol Obstet Fertil. 2000;28:385-90.         [  ]

6. Comiter CV. Endometriosis of the urinary tract. Urol Clin North Am. 2002;29:625-35.         [  ]

7. Woodward PJ, Sohaey R, Mezzetti TP Jr. Endometriosis: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2001;21:193-216.         [  ]

8. Ghattamaneni S, Weston MJ, Spencer JA. Imaging in endometriosis. Imaging. 2007;19:345-68.         [  ]

9. Del Frate C, Girometti R, Pittino M, et al. Deep retroperitoneal pelvic endometriosis: MR imaging appearance with laparoscopic correlation. Radiographics. 2006;26:1705-18.         [  ]

10. Prasad SR, Menias CO, Narra VR, et al. Cross-sectional imaging of the female urethra: technique and results. Radiographics. 2005;25:749-61.         [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Dr. Cláudio Márcio Amaral de Oliveira Lima
Rua Silva Rabelo, 154/503, Ed. Barcelona, Méier
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 20735-080
E-mail: cmaol@br.inter.net / cmaolima@gmail.com

Recebido para publicação em 14/2/2009.
Aceito, após revisão, em 4/5/2009.

 

 

* Trabalho realizado nas Clínicas de Diagnóstico Por Imagem (CDPI) e Multi-Imagem, Rio de Janeiro, RJ, e no Centro de Diagnóstico por Imagem Fátima Digittal, Nova Iguaçu, RJ, Brasil.


 
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