Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 42 nº 3 - Maio / Jun.  of 2009

QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?
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Page(s) XI to XII



Qual o seu diagnóstico?

Autho(rs): Renato Tavares Daher, Renato da Silva Faria, Rubia Kelly Mendes Moreira, Ricardo Tavares Daher

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Paciente de sete anos de idade, sexo feminino, branca, apresentando, há quatro meses, dor e aumento de volume na região glútea à direita, além de limitação à rotação da articulação coxofemoral do mesmo lado. A paciente apresentava, ainda, hálux valgo bilateral e história de tumor na região cervical posterior, sem trauma prévio, com limitação de movimentos há cinco anos.

Descrição das imagens

Figura 1. Radiografia dos pés, incidência ântero-posterior, evidenciando hálux valgo bilateral e encurtamento dos primeiros pododáctilos.

 

 

Figura 2. Tomografia computadorizada multidetectores, corte axial e reformatações coronal e sagital, demonstrando calcificação no glúteo máximo à direita.

Diagnóstico: Fibrodisplasia ossificante progressiva.

 

COMENTÁRIOS

Fibrodisplasia ossificante progressiva é uma entidade de herança autossômica dominante, com expressão variável(1) e envolvimento primário do tecido conjuntivo(2). Caracteriza-se por alterações congênitas dos primeiros pododáctilos e calcificações heterotópicas progressivas(3) que causam deformidades e imobilização permanente do paciente. É uma condição rara, cuja fisiopatogenia consiste em uma lenta e progressiva proliferação fibroblástica, com subsequente ossificação e calcificação do tecido conjuntivo(2).

Também conhecida por miosite ossificante progressiva ou doença de Münchmeyer(1), foi descrita por Guy Patin em uma paciente à qual ele denominou "a mulher que virou madeira"(4).

Com prevalência de 0,61 caso por milhão de habitantes(5) e cerca de 700 casos conhecidos no mundo, até 2008(6), esta enfermidade afeta todos os grupos étnicos, com predileção pelo sexo masculino na proporção de 4:1(5). Acomete preferencialmente crianças e adultos jovens, com idade média de início aos 3,6 anos(7).

Está associada a alterações ósseas congênitas, sendo a deformidade em valgo e o encurtamento bilateral dos primeiros pododáctilos achados importantes para a suspeição diagnóstica (relatado em 79% a 100% dos pacientes)(3,7). Malformações da mão também podem estar associadas, tais como encurtamento do primeiro metacarpal e braquimesofalangismo com clinodactilia do dedo mínimo(7), alterações não evidenciadas em nossa paciente.

Sua história natural caracteriza-se por remissões e exacerbações precipitadas por leves traumatismos (imunizações, infiltrações anestésicas, traumas)(2,4,7) e infecções pelo vírus da influenza(8). Os pacientes normalmente apresentam aumento de partes moles localizado, acompanhado de dor e febrícula. As massas de tecidos moles coalescem, fibrosam e calcificam, formando pontes ósseas em semanas(2).

Normalmente, a osteogênese heterotópica se inicia simultaneamente em mais de uma região anatômica e acomete músculos, fáscias, ligamentos, tendões e cápsulas articulares(2). Musculaturas lisa e cardíaca não são acometidas(9).

É uma enfermidade incapacitante, com progressão craniocaudal e de axial para apendicular. Afeta, principalmente, coluna vertebral, ombros, quadril e articulações periféricas(4).

Os principais achados radiográficos são aumento de partes moles, ossificações ectópicas, hálux valgo, microdactilia, clinodactilia, monofalange, escoliose e subluxações(10). A cintilografia óssea revela áreas de calcificação ectópica antes que sua detecção radiográfica seja possível, podendo ser empregada para determinar a extensão da doença. A aplicação da tomografia computadorizada e da ressonância magnética não está bem estabelecida, mas estes parecem ser métodos promissores no estadiamento da doença, assim como na detecção de novos focos inaparentes aos exames radiográficos(2).

A histopatologia desta enfermidade varia com o tempo de evolução das lesões e só existem alterações nas áreas afetadas. Este comportamento focal e evolutivo justifica a normalidade da biópsia obtida no paciente, numa fase inicial e numa área não acometida. Nas lesões precoces há, geralmente, infiltrado linfocitário, macrófagos e fibroblastos, evoluindo mais tarde para áreas de tecido conjuntivo com ossificação central, nas quais se distinguem osteoblastos, osteócitos e osteoclastos(7).

O diagnóstico deve ser feito no período neonatal, com base nos critérios clínicos e de imagem, pois condutas invasivas (ressecções cirúrgicas, biópsias) aceleram a evolução da doença(4). Os diagnósticos diferenciais são limitados, uma vez que o fenótipo, a história clínica e os achados radiográficos praticamente definem o quadro de fibrodisplasia ossificante progressiva. Entretanto, outras causas de ossificação ectópica merecem ser lembradas, tais como osteodistrofia hereditária de Albright, calcificação heterotópica pseudomaligna, heterodisplasia óssea progressiva e osteossarcoma(3,7).

Não existem tratamentos eficazes até o momento. A conduta é conservadora e baseada no princípio do primum non nocere, evitando toda e qualquer condição potencialmente desencadeadora de ossificação ectópica(7). O prognóstico é reservado e geralmente a morte ocorre por insuficiência respiratória e cor pulmonale, em consequência a restrição torácica(4).

 

REFERÊNCIAS

1. Palhares DB, Leme LM. Miosite ossificante progressiva: uma perspectiva no controle da doença. J Pediatr. 2001;77:431-4.         [  ]

2. Kransdorf MJ, Meis JM. From the archives of the AFIP. Extraskeletal osseous and cartilaginous tumors of the extremities. Radiographics. 1993; 13:853-84.         [  ]

3. Kaplan FS, Xu M, Glaser DL, et al. Early diagnosis of fibrodysplasia ossificans progressiva. Pediatrics. 2008;121:1295-300.         [  ]

4. Sferco A, Naser C, Robledo H, et al. Fibrodisplasia osificante progresiva: pautas para su reconocimiento. Arch Argent Pediatr. 2001;99:249-52.         [  ]

5. Connor JM, Skirton H, Lunt PW. A three generation family with fibrodysplasia ossificans progressiva. J Med Genet. 1993;30:687-9.         [  ]

6. Kaplan FS, Pignolo RJ, Shore EM, et al. The seventeenth annual report of the fibrodysplasia ossificans progressiva (FOP) collaborative project. FOP Connection. 2008;21:1-18.         [  ]

7. Araújo Jr CR, Carvalho TN, Costa MAB, et al. Fibrodisplasia ossificante progressiva: relato de caso e achados radiográficos. Radiol Bras. 2005; 38:69-73.         [  ]

8. Scarlett RF, Rocke DM, Kantanie S, et al. Influenza-like viral illnesses and flare-ups of fibrodysplasia ossificans progressiva. Clin Orthop Relat Res. 2004;(423):275-9.         [  ]

9. Ramírez AR, Cock PR. Fibrodisplasia osificante progresiva: reporte de un caso. Rev Colomb Ortop Traumatol. 2002;16:27-30.         [  ]

10. Norman A. Escoliose e anomalias com acometimento geral do esqueleto. In: Greenspan A, editor. Radiologia ortopédica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1996. p. 920-4.         [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Dr. Renato Tavares Daher
Rua 109, nº 331, ap. 301, Edifício Guarany, Setor Sul
Goiânia, GO, Brasil, 74085-090
E-mail: renatotdaher@uol.com.br

 

 

Trabalho realizado no Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (CRER), Goiânia, GO, Brasil.


 
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