ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Luiz Guilherme Carneiro Velloso, Maria de Lourdes Duprat, Ricardo Martins, Luiz Scoppetta |
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Descritores: Hipnose, Claustrofobia, Imagem por ressonância magnética |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Os equipamentos de ressonância magnética (RM) atuais exigem do paciente a permanência em imobilidade, em ambiente confinado, por períodos prolongados. É comum a ocorrência de claustrofobia, por vezes impossibilitando a realização do procedimento. Nesta situação, comumente, recorre-se à sedação com medicamentos, que implica uma logística à parte - assistência por anestesiologista, necessidade de jejum, avaliação pré-anestésica em idosos ou portadores de comorbidades, monitoração não invasiva durante o exame -, buscando minimizar o risco de depressão respiratória e de outros efeitos indesejados das substâncias administradas. A hipnose é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina "como valiosa prática médica, subsidiária de diagnóstico ou de tratamento (...) Trata-se de um estado de estreitamento de consciência provocado artificialmente, parecido com o sono, mas que dele se distingue fisiologicamente pelo aparecimento de uma série de fenômenos espontâneos ou decorrentes de estímulos verbais ou de outra natureza. (...) A hipnose é, então, uma forma de diagnose e terapia que (...) pode ser executada por médicos, odontólogos e psicólogos, em suas estritas áreas de atuação."(1). Com a hipnose, mesmo em pacientes moderadamente suscetíveis à técnica, é possível induzir um estado de relaxamento profundo, com alterações fisiológicas similares às do sono natural. O reflexo de tosse não é abolido, não há depressão respiratória nem alteração pressórica ou de ritmo cardíaco(2). Além disso, o paciente hipnotizado pode permanecer colaborativo, realizando movimentos simples ou ficando em apneia voluntária, se necessário. Dessa forma, a possibilidade de realização de RM em pacientes claustrofóbicos ou ansiosos com hipnose apresenta evidente redução do risco representado pelo procedimento anestésico, além da economia dos materiais necessários a este último. Diversos trabalhos, pequenos e não controlados, propõem a hipnose como adjuvante para a realização de procedimentos radiológicos invasivos(3), endoscopia digestiva(4), e mesmo colonoscopia(5). O uso desta técnica para controle de quadro ansioso ou fóbico relacionado à RM não foi relatado na literatura. Objetivo Estudar o uso de hipnose como alternativa à sedação farmacológica para a realização de exames de RM em portadores de claustrofobia e ansiedade.
MATERIAIS E MÉTODOS No período de março a setembro de 2008, foram selecionados para o estudo 20 pacientes adultos, sem déficit cognitivo, nos quais a sedação para RM foi indicada por seu médico assistente, em função de quadro fóbico ou ansioso impossibilitando a realização do exame em pelo menos uma tentativa prévia. Os pacientes foram identificados a partir das agendas de exames de RM. Os casos já agendados para exame "com sedação" foram contatados, propondo-se a realização do exame com a técnica alternativa, sem uso de medicamentos. Aos interessados, foi explicada a técnica de hipnose a ser utilizada para realização da RM. Após assinatura de termo de consentimento informado, foi induzida hipnose pela técnica clássica de Braid, buscando-se conduzir os pacientes até o estágio sonambúlico, ou estágio 5 da escala de Stanford. Nesse estágio, os pacientes foram colocados em atividade ideossensória, com indução de sensações visuais e cinestésicas vívidas e agradáveis (caminhar numa paisagem relaxante, segura e acolhedora), associadas a sensação de paz, tranquilidade e segurança. Após implante de sinal hipnógeno, os pacientes foram de-hipnotizados, para avaliação da profundidade e eficácia do transe induzido. A seguir, foi novamente induzida hipnose, desta vez mediante uso do sinal hipnógeno. Neste segundo procedimento (técnica de dupla indução), os pacientes foram apresentados às diferentes etapas do exame de RM, que foram ressignificadas e associadas à sensação de relaxamento obtida na atividade ideossensória anterior. O exame de RM foi agendado para uma data posterior, com a presença dos pesquisadores. Para a realização do exame, o paciente foi hipnotizado com uso de sinal hipnógeno em uma sala de preparo, conduzido em cadeira de rodas até o aparelho de RM, e de-hipnotizado ao final do procedimento.
RESULTADOS Dos pacientes selecionados para o estudo, 2/20 (10,0%) não foram suscetíveis à hipnose. Dos pacientes suscetíveis à hipnose, 4/18 (22,2%) chegaram aos estágios 3 ou 4, e 14/18 (77,8%) atingiram o estágio 5 da escala de suscetibilidade hipnótica de Stanford (SHSS). O tempo médio necessário para indução do transe foi de 1 a 20 minutos (média de 5,3 minutos), e o período sob hipnose na primeira etapa foi de 10 a 50 minutos (média de 25,3 minutos.) Dos 18 pacientes suscetíveis à hipnose, 2 (11,1%) ficaram com receio de ter crise de fobia e não compareceram ao setor de RM para a realização do exame. Dos 16 restantes, em 15 (93,8%) foi induzido transe por meio de sinal hipnógeno e realizada RM sem nenhuma intercorrência, com duração de 20 minutos (coluna cervical) a 90 minutos (RM cardíaca) (média de 34,7 minutos por procedimento). Em um caso (6,2%), o paciente entrou em crise de ansiedade e hiperventilação ao passar diante da sala de RM e não se deixou hipnotizar, embora fosse altamente suscetível à técnica. Os resultados e a composição da amostra estão resumidos na Tabela 1.
DISCUSSÃO Claustrofobia é uma ocorrência bastante comum nos pacientes submetidos a RM, com incidência relatada em torno de 2%(6) a 15%(7) dos exames realizados. Este quadro parece ocorrer predominantemente em pacientes do sexo feminino e em determinados tipos de exames, como a RM de crânio, em função da posição do paciente no scanner. Nesta eventualidade, torna-se necessária sedação medicamentosa ou até mesmo anestesia geral para completar o procedimento. Desde o tempo dos antigos egípcios encontram-se relatos escritos da utilização da hipnose com finalidade terapêutica. Antes do advento da anestesia, a hipnose era utilizada para aliviar a dor em procedimentos de vários portes, inclusive amputações de membros. Neste aspecto, são clássicos os relatos de James Esdaile, cirurgião do exército britânico na Índia colonial, em seu livro publicado em 1850(8). Nos dias atuais, embora muito pouco utilizada, a hipnose ainda é indicada como terapia complementar em diversas afecções clínicas e para facilitar a recuperação física e psicológica após cirurgias(9). Alguns estudos sugerem que a hipnose pode reduzir o desconforto e sofrimento em crianças submetidas a procedimentos invasivos, como a uretrocistografia miccional(10). Uma metanálise de 26 artigos publicados sobre o assunto dá conta de que, recebendo hipnose, 82% dos pacientes submetidos a procedimentos médicos tiveram menos desconforto emocional do que os controles. Nesses estudos, a hipnose foi utilizada para reduzir o desconforto de pós-operatório, puerpério, quimioterapia e radioterapia, procedimentos radiológicos invasivos, punção lombar, etc.(11). Não encontramos, na literatura, referência ao uso da hipnose para controle da claustrofobia em pacientes submetidos a RM. A hipnose é um estado alterado do nível de consciência induzido por técnicas que envolvem estimulação repetitiva e monótona, habitualmente verbal. O paciente hipnotizado encontra-se em um estado crepuscular - permanece consciente e senhor de sua vontade por estar em vigília, mas ao mesmo tempo está profundamente relaxado e experimenta sensações oníricas, como no sono normal. Associada ou não a técnicas de psicoterapia, em especial a cognitivo-comportamental, a hipnose pode ser uma ferramenta muito útil para o controle da ansiedade e de transtornos fóbicos, entre numerosas outras aplicações. Como a hipnose é um estado fisiologicamente similar ao sono, não apresenta risco de agravo à saúde. A suscetibilidade à hipnose (que alguns autores preferem descrever como habilidade hipnótica do paciente) é uma característica individual e estável ao longo da vida; cerca de 10% da população são resistentes ao procedimento(2), independente da técnica e habilidade do hipnotizador. Na amostra do presente estudo, a suscetibilidade à hipnose foi similar à observada na população em geral, embora se tratasse de um grupo de portadores de claustrofobia ou ansiedade intensa. A primeira indução do estado hipnótico foi feita em tempo curto, permitindo a implantação de sinal hipnógeno, que leva de imediato o paciente a um transe profundo, desde que ele permita. Algumas características do estado hipnótico(2), ou transe, são particularmente favoráveis ao seu uso para o controle da claustrofobia na RM: 1. Atividade ideossensória - É possível induzir, no paciente, a visualização nítida de paisagens agradáveis, com sensações associadas de olfato, tato e paladar bastante realistas. É possível fazer o hipnotizado sentir-se vividamente em uma praia - molhando os pés na beira do mar, sentindo o sol, o vento e o cheiro do mar, ouvindo o som das ondas, das aves e das folhas dos coqueiros. Estas imagens oníricas podem ser associadas a relaxamento e tranquilidade e estar presentes durante o exame sob hipnose. 2. Atividade ideomotora - O paciente pode ser sugestionado a permanecer completamente imóvel durante todo o procedimento, sem sentir desconforto. 3. Distorção da percepção do tempo - O paciente pode terminar o exame com a percepção, sugerida pelo hipnotizador, de que a duração foi de poucos minutos. Pode-se induzir, também, amnésia total ou parcial em alguns pacientes mais sensíveis à hipnose. 4. Analgesia - Reduz bastante o desconforto de pequenos procedimentos, como a punção venosa. Pacientes com dores agravadas pelo decúbito também podem se beneficiar da analgesia hipnótica. No grupo estudado, estas características do estado de transe hipnótico foram utilizadas de modo a obter o maior conforto do paciente claustrofóbico durante o exame de RM. Desse modo, durante o transe preparatório, a evocação de cenas e sons reconfortantes foi associada a diferentes etapas do exame. Dessa forma, por exemplo, foi sugerido ao paciente que se o barulho das ondas do mar ou de uma cachoeira pode ser extremamente relaxante, o som intenso do aparelho de RM poderá também deixá-lo relaxado e tranquilo. E de fato, durante o exame em hipnotizados, observamos diminuição de frequência cardíaca coincidindo com os momentos em que o aparelho emite ruído intenso. Da mesma maneira, foi sugerido ao paciente que os movimentos da maca da RM seriam muito relaxantes, como os movimentos de uma rede ou cadeira de balanço. Além disso, como mais de três quartos dos pacientes suscetíveis desta amostra atingiram o estágio 5 da escala de Stanford, ou estágio sonambúlico, em que é possível a visualização muito realista de imagens, esses pacientes foram sugestionados a visualizar paisagens agradáveis durante o exame. Todos os pacientes receberam repetidamente mensagens de que sua respiração permanecia tranquila e desimpedida, e que a temperatura ambiente era amena e confortável. A todos foi dada a sugestão de que, embora pudessem se movimentar livremente, sentiam-se tão seguros e confortáveis de olhos fechados e em completa imobilidade, que não sentiam a menor vontade de se movimentar ou abrir os olhos durante todo o tempo do exame. Na fase de de-hipnotização, ao término do procedimento, foram repetidas sugestões de bem-estar e vigor físico, e que o tempo sob hipnose seria percebido como muito breve, apenas de poucos minutos. Após o despertar, os pacientes foram encorajados e cumprimentados por terem conseguido realizar o exame com seus próprios recursos, sem necessidade de medicações sedativas. Todos foram liberados do setor de imagem imediatamente após a realização do exame, sem dificuldade motora ou sonolência significativa.
CONCLUSÃO Na amostra estudada, de 20 indivíduos que não conseguiram realizar exame de RM devido a ansiedade ou claustrofobia, 90% foram hipnotizáveis pelo método clássico de Braid. Dos pacientes suscetíveis à técnica levados à sala de RM, 93,8% realizaram o exame sob hipnose, sem intercorrências e sem necessidade de medicamentos para sedação. Portanto, a hipnose mostrou ser uma alternativa eficaz e segura à sedação medicamentosa, para possibilitar a realização de RM em pacientes fóbicos e ansiosos. Por suas características, pode ser opção preferencial em pessoas com comorbidades que impliquem maior risco para a sedação, ou em exames que requeiram a colaboração do paciente, como a RM de coração.
REFERÊNCIAS 1. Conselho Federal de Medicina. Parecer CFM nº 42/1999. [acessado em 8 de agosto de 2008]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/pareceres/cfm/1999/42_1999.htm [ ] 2. Kroger WS. Clinical and experimental hypnosis. 2nd ed. Philadelphia: JB Lippincot; 2008. [ ] 3. Lang EV, Rosen MP. Cost analysis of adjunct hypnosis with sedation during outpatient interventional radiologic procedures. Radiology. 2002;222:375-82. [ ] 4. Conlong P, Rees W. The use of hypnosis in gastroscopy: a comparison with intravenous sedation. Postgrad Med J. 1999;75:223-5. [ ] 5. Cadranel JF, Benhamou Y, Zylberberg P, et al. Hypnotic relaxation: a new sedative tool for colonoscopy? J Clin Gastroenterol. 1994;18:127-9. [ ] 6. Murphy KJ, Brunberg JA. Adult claustrophobia, anxiety and sedation in MRI. Magn Reson Imaging. 1997;15:51-4. [ ] 7. Eshed I, Althoff CE, Hamm B, et al. Claustrophobia and premature termination of magnetic resonance imaging examinations. J Magn Reson Imaging. 2007;26:401-4. [ ] 8. Esdaile J. Mesmerism in India and its practical application in surgery and medicine. Hartford: S. Andrus and Sons; 1850. [ ] 9. Stewart JH. Hypnosis in contemporary medicine. Mayo Clin Proc. 2005;80:511-24. [ ] 10. Butler LD, Symons BK, Henderson SL, et al. Hypnosis reduces distress and duration of an invasive medical procedure for children. Pediatrics. 2005;115:e77-85. [ ] 11. Schnur JB, Kafer I, Marcus C, et al. Hypnosis to manage distress related to medical procedures: a meta-analysis. Contemp Hypn. 2008;25:114-28. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 5/10/2009.
* Trabalho realizado no Hospital e Maternidade São Camilo Pompeia, São Paulo, SP, Brasil. |