ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Vaneska de Carvalho Melhado, Beatriz Regina Alvares, Orlando José de Almeida |
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Descritores: Câncer de mama, Mamografia, BI-RADS, Diagnóstico histológico |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A mamografia é o método mais específico e sensível para o diagnóstico do câncer de mama em sua forma mais precoce(1). O rastreamento mamográfico anual em mulheres acima de 40 anos identifica 100 a 200 casos novos de lesões suspeitas em cada 20.000 mamografias, que se apresentam como lesões não-palpáveis e que necessitam de estudo histológico, sendo uma das opções a sua localização pré-operatória(2). Assim, apesar do bom desempenho da mamografia na identificação da neoplasia mamária em estágio inicial, apenas 15% a 30% das lesões não-palpáveis submetidas à biopsia cirúrgica são malignas(3). Isso provocou a elaboração de propostas para classificar os achados mamográficos, visando melhorar o desempenho do método e reduzir a freqüência de biópsias com diagnóstico benigno(4). O Colégio Americano de Radiologia (ACR American College of Radiology) desenvolveu a classificação Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS) para padronizar a terminologia do relatório mamográfico, os achados radiológicos e as recomendações a serem tomadas. Na quarta edição do BI-RADS, de novembro de 2003, foram propostas sete categorias para os achados mamográficos: negativos para malignidade (1), benignos (2), provavelmente benignos (3), suspeitos para malignidade (4), altamente suspeitos para malignidade (5), com malignidade comprovada (6) e que necessitam de avaliação adicional (0). A categoria 4 foi subdividida em A, B e C(5,6). Este estudo teve como objetivos avaliar o sistema BI-RADS (quarta edição) como fator preditivo de suspeição para malignidade em lesões não-palpáveis da mama correlacionando os achados radiológicos e histológicos, e verificar quais os achados mais relevantes para o câncer de mama em cada categoria (3, 4A, 4B, 4C e 5).
MATERIAIS E MÉTODOS Realizou-se a análise mamográfica de 169 lesões não-palpáveis de pacientes biopsiadas no período de setembro de 2003 a abril de 2004. Esta avaliação foi feita por médicos radiologistas com experiência em diagnóstico mamográfico, sendo os achados classificados de acordo com o sistema BI-RADS e avaliadas as categorias 3, 4A, 4B, 4C e 5. As mamografias avaliadas no estudo foram realizadas em mamógrafo Mammomat 3000 Nova (Siemens), nas incidências crânio-caudal e médio-lateral oblíqua, além de incidências complementares como magnificação e compressão focal. As pacientes foram submetidas à marcação pré-cirúrgica através de estereotaxia por mamografia em 90,53% (153) dos casos, ou por ultra-sonografia em 9,46% (16). O tecido mamário obtido nas biópsias cirúrgicas foi processado para cortes em blocos de parafina e coloração pela hematoxilina-eosina e os diagnósticos foram elaborados por médicos patologistas com experiência em patologia mamária. O estudo foi do tipo analítico descritivo, para avaliar a concordância entre a classificação BI-RADS atualizada e os diagnósticos histológicos em lesões mamárias não-palpáveis, através do cálculo do valor preditivo positivo (VPP). Procurou-se também correlacionar quais os achados radiológicos mais importantes relacionados à neoplasia maligna em cada categoria.
RESULTADOS Entre as pacientes incluídas no estudo, 36,1% tinham menos de 50 anos, 36,7% tinham entre 50 e 59 anos e 27,2%, 60 anos ou mais de idade. Do total de 169 casos analisados, a distribuição percentual dos diagnósticos mamográficos entre as categorias do BI-RADS foi de 17,2% (29) para a categoria 3, 68,6% (116) para a categoria 4 e 14,2% (24) para a categoria 5. Avaliando somente a categoria 4, as suas subcategorias tiveram distribuição percentual de 25% (29/116) para a subcategoria A, 53% (62/116) para a subcategoria B e 22% (25/116) para a subcategoria C. Houve 42 casos (24,8%) de câncer mamário, sendo um na categoria 3, três na categoria 4A, sete na categoria 4B, nove na categoria 4C e 22 na categoria 5. Os VPP foram, portanto, de 3,4% (1/29) para BI-RADS 3, 10,3% (3/29) para BI-RADS 4A, 11,3% (7/62) para BI-RADS 4B, 36% (9/25) para BI-RADS 4C e 91,7% (22/24) para BI-RADS 5 (Tabela 1).
Entre as lesões classificadas como BI-RADS 3, houve apenas um caso de câncer mamário, cujo aspecto radiológico foi de assimetria focal. Nas demais categorias, os achados mamográficos mais relacionados ao câncer mamário foram: para a categoria 4A, microcalcificações puntiformes com distribuição segmentar, em 66,7% (2/3) dos casos; para a categoria 4B, microcalcificações puntiformes, amorfas e heterogêneas, em 57,1% (4/7) dos casos; para a categoria 4C, distorção arquitetural com espículas, em 66,7% (6/9) dos casos; para as lesões classificadas como BI-RADS 5, microcalcificações pleomórficas e ramificadas estavam presentes em 72,7% (16/22) dos casos de câncer. No geral, os achados radiológicos mais relacionados à doença maligna foram as microcalcificações, presentes em 61,5% do total (Tabela 2).
A neoplasia mamária maligna mais freqüente foi o carcinoma ductal in situ em 59,5% (25/42), seguido por carcinoma ductal invasivo em 33,3% (14/42), carcinoma lobular in situ em 4,8% (2/42) e carcinoma lobular invasivo em um caso. O diagnóstico de hiperplasia ductal atípica ocorreu em 7,1% (12/169) do total de casos, todos eles na categoria 4. Em 66,7% (8/12) do total, os achados foram as microcalcificações, e em 33,3% (4/12), a distorção arquitetural. Os dois casos BI-RADS 4A apresentaram-se como grupamentos de microcalcificações redondas, lineares e puntiformes, tendendo a coalescer. Já a categoria 4B teve quatro casos de microcalcificações puntiformes, amorfas e heterogêneas, e um caso de grupamento de microcalcificações com distribuição linear. Na categoria 4C, foram um caso de grupamento de microcalcificações pleomórficas com distribuição linear e quatro casos de distorção arquitetural.
DISCUSSÃO A classificação BI-RADS representou a primeira tentativa de padronização dos achados mamográficos em termos descritivos, constituindo-se num importante instrumento para auxiliar tanto na suspeita de malignidade quanto na conduta a ser tomada(5,79). Estudos que correlacionaram os achados mamográficos e histológicos em lesões mamárias não-palpáveis, utilizando a classificação BI-RADS, encontraram VPP para câncer de mama entre 12,3% e 47,8%(4,7,8,1012). No presente estudo, 24,8% do total das lesões mamárias não-palpáveis biopsiadas tiveram o diagnóstico histológico de doença maligna. O percentual de achados mamográficos provavelmente benignos submetidos à biópsia foi elevado (17,2%), acima dos valores de outros estudos, que variaram entre 2% e 11%(4,7,8,10). Como 96,5% das lesões classificadas na categoria 3 foram benignas, isto contribuiu para a redução do VPP na avaliação global das categorias deste estudo. Ao analisarmos o VPP exclusivo da categoria 3, o valor foi de 3,4%, dentro da média de outros artigos(4,7,8,11). O número elevado de biópsias cirúrgicas em lesões provavelmente benignas pode ser justificado pela dificuldade de acompanhamento mamográfico semestral em muitas pacientes oriundas de outros municípios e estados. Ao correlacionar os achados radiológicos e histológicos nas lesões mamárias da categoria 4, o VPP em nosso estudo foi de 16,4%, enquanto outros autores encontraram VPP entre 4% e 45%(4,7,8,1012). No presente estudo, houve 12 casos de lesões mamárias classificadas como BI-RADS 4 com o diagnóstico de hiperplasia ductal atípica que não foram incluídas no cálculo do VPP. Segundo Heywang-Köbrunner et al., a "hiperplasia ductal atípica representa carcinoma ductal in situ incompleto ou lesão borderline, cujo risco de malignização em comparação com a população normal encontra-se aumentado em quatro a cinco vezes"(13). Se os casos de hiperplasia ductal atípica, considerada uma lesão de risco, fossem incluídos no cálculo do VPP da categoria 4, observaríamos uma elevação para 26,7%. Ao analisar os achados nas subcategorias 4A, 4B e 4C encontramos, respectivamente, VPP de 10,3%, 11,3% e 36%. Ao incluirmos as hiperplasias ductais atípicas nesta categoria, os valores mudariam para 17,2%, 19,4% e 56%. Estes achados demonstraram, portanto, uma sensibilidade crescente da classificação BI-RADS 4A, 4B e 4C para detectar as lesões suspeitas de câncer mamário e aquelas consideradas de risco para malignidade. Não foram encontrados, na literatura, trabalhos mais recentes sobre os VPP das subcategorias 4A, 4B e 4C, não sendo possível, portanto, estabelecer correlação com os valores obtidos neste estudo(912). Em relação à categoria 5, foi constatado VPP de 91,7% para malignidade, estando de acordo com dados da literatura(4,7,8,10,11). Nas lesões classificadas como BI-RADS 5, observaram-se um caso de adenose esclerosante e outro de cicatriz radiada, situações nas quais não é possível fazer o diagnóstico diferencial através da mamografia, sendo uma indicação obrigatória de biópsia excisional(6,14).
CONCLUSÃO O presente estudo demonstrou que a classificação BI-RADS permite predizer com segurança que existe alta suspeição para malignidade em lesões classificadas na categoria 5 e diminuta suspeição naquelas classificados como categoria 3. Quanto à categoria 4, foi constatada elevação progressiva dos VPP nas subcategorias A, B e C, mostrando que esta subdivisão contribui de forma mais detalhada e precisa na indicação de lesões suspeitas para malignidade.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 7/10/2005.
* Trabalho realizado no Setor de Radiologia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. |