ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Celia Regina Winck Mahl, Renata Licks, Vania Regina Camargo Fontanella |
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Descritores: Osteoporose, Radiografia panorâmica, Fatores de risco |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A osteoporose é uma doença sistêmica progressiva caracterizada por diminuição da massa óssea que resulta em deterioração da microarquitetura do osso, ocasionando fragilidade e, conseqüentemente, aumentando o risco de fraturas(1). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)(2), um terço das mulheres brancas acima dos 65 anos de idade é portadora de osteoporose. No Brasil(3), estima-se que aproximadamente um milhão de mulheres poderão ficar inválidas e pelo menos 200 mil irão morrer vítimas da osteoporose nos próximos anos se a doença não for combatida. Assim, a osteoporose passa a ser vista como um problema de saúde pública, responsável por gasto anual considerável(4,5). Visto que para detectar com precisão a perda de massa óssea a biópsia seria o método mais preciso, a densitometria óssea é consensualmente aceita como o exame padrão-ouro para o diagnóstico de osteoporose(2); todavia, a avaliação sistemática da população por este método não é recomendada. Os pacientes são referidos para o exame com base na história clínica positiva para risco, fratura após a menopausa, história familiar ou uso de medicamentos(6). Vários questionários têm sido desenvolvidos e testados como ferramentas para identificar pacientes com baixa massa óssea, os quais apresentam sensibilidade de aproximadamente 80% e especificidade próxima a 50%(7). Considerando que os pacientes odontológicos são freqüentemente encaminhados para a realização de radiografia panorâmica método amplamente disponível e de baixo custo, capaz de expressar as alterações morfológicas da mandíbula decorrentes da idade , vários índices, técnicas de análise e processamento de imagens têm sido pesquisados no intuito de verificar a aplicabilidade desta radiografia na identificação de perda de massa óssea(8). Contudo, os resultados desses estudos têm sido contraditórios. O presente estudo tem por objetivo comparar as medidas da cortical mandibular obtidas em radiografias panorâmicas de mulheres na pós-menopausa com os dados da densitometria óssea, para verificar se essas medidas identificam os casos de osteopenia/osteoporose.
MATERIAIS E MÉTODOS Este estudo observacional e transversal foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (protocolo 2005-236H). A amostra foi constituída de mulheres com mais de 40 anos, que no ano de 2006 foram encaminhadas para a realização de radiografia panorâmica para tratamento odontológico, as quais tinham densitometria óssea realizada em período não-superior a três meses da panorâmica, e que concordaram em participar do estudo e preencheram os seguintes critérios de inclusão: pós-menopausa, não estar usando terapia de reposição hormonal ou de cálcio, não ter sofrido histerectomia ou ooforectomia e não apresentar doenças metabólicas relacionadas à osteoporose. Além disso, foram excluídas da amostra mulheres em que se constatou presença de lesão óssea, fratura, deformidade ou cirurgia prévia na mandíbula. As radiografias foram obtidas em aparelho Ortophos (Siemens; Frankfurt, Alemanha), com quilovoltagem variando de 65 kV a 80 kV e corrente elétrica fixa em 16 mA. Foram utilizados filmes Kodak T-Mat (Kodak; São Paulo, SP), processados em máquina Dent X 9000 (Dent X Co.; Elmsford, EUA). Foram excluídas da amostra as radiografias que não se apresentassem com boa qualidade, considerando-se posicionamento do paciente, densidade, contraste e detalhe, de acordo com critérios previamente estabelecidos(9). A cada radiografia foi atribuído um número de identificação, de modo que os observadores, ambos especialistas em radiologia odontológica, com experiência de 17 e 2 anos, respectivamente, não tivessem conhecimento dos resultados da densitometria óssea quando da avaliação das radiografias panorâmicas. Os traçados das estruturas de interesse foram realizados sobre transparências fixadas nas radiografias, com o uso de molduras em cartolina preta e sobre negatoscópio, com canetas Pigma Micron 01 (Sakura Corporation; Osaka, Japão) com ponta que gera linha de 0,25 mm de espessura. As medidas foram realizadas bilateralmente, com paquímetro eletrônico digital de resolução 0,01 mm (Starrett; Jedburg, Escócia), sobre a transparência, pelo mesmo observador (radiologista odontológico). Este procedimento foi repetido em todos os casos da amostra, com intervalo de duas semanas entre uma leitura e outra. Um segundo observador obteve as mesmas medidas em apenas um dos lados da imagem e em um único momento. As radiografias foram mensuradas (Figura 1) de forma a se obter os seguintes índices radiomorfométricos:
As mesmas radiografias também foram classificadas de acordo com o índice cortical mandibular (ICM)(14), que considera qualitativamente a margem endosteal da cortical mandibular, classificando-a como C1 (normal) quando esta é lisa e afilada, C2 (osteopenia) quando apresenta defeitos semilunares e C3 (osteoporose) quando é porosa e a espessura da cortical se encontra reduzida. Os dados foram organizados em planilha e, de acordo com cada índice, as pacientes foram classificadas(10-13) para posterior comparação com os resultados da densitometria óssea, com base nos critérios da OMS(2), sendo o t-score para osteopenia entre -1 e -2,5 desvios-padrão, e para osteoporose, -2,5 desvios-padrão abaixo do pico de massa óssea. Nos casos em que houve discrepâncias nos resultados da densitometria (coluna e fêmur), o resultado mais grave foi adotado. Para avaliar a reprodutibilidade intra e interexaminadores, foram utilizados os testes de Wilcoxon e t-Student (α = 1%), sendo o primeiro para os escores resultantes do ICM e o segundo para os demais índices. Os mesmos testes foram empregados para avaliar a concordância dos resultados obtidos para os lados esquerdo e direito. Para calcular os valores de sensibilidade, especificidade, preditivos positivo e negativo dos índices utilizados para detecção de perda de massa óssea, as pacientes foram classificadas em normais ou com perda de massa óssea, de acordo com os resultados da densitometria. Finalmente, para comparar os resultados dos índices avaliados ao padrão-ouro, considerando-se os três grupos (normal, osteopenia e osteoporose), foi utilizada a análise de variância (α = 1%) complementada pelo teste de Tukey.
RESULTADOS Com base nos resultados da densitometria óssea, as 49 pacientes incluídas na amostra foram assim classificadas: 19 normais e 30 com perda óssea, sendo 24 com osteopenia e seis com osteoporose, com idades variando de 41 a 59 anos (média de 49,9 anos), peso entre 59 kg e 75 kg (média de 65,7 kg) e altura de 1,57 m a 1,74 m (média de 1,63 m). Os valores dos índices resultantes das duas mensurações realizadas pelo mesmo observador em momentos distintos foram comparados por meio do teste t-Student para amostras pareadas, não tendo sido encontradas diferenças significantes entre as duas medições realizadas, exceto para IA no lado esquerdo (p = 0,01). Esta diferença pode ser considerada clinicamente irrelevante, pois foi da ordem de 0,09 mm. O teste não-paramétrico de Wilcoxon demonstrou que não existe diferença significante entre as duas classificações realizadas pelo ICM. Os mesmos testes estatísticos não evidenciaram diferenças significantes entre as medidas e escores atribuídos pelos dois examinadores. A maior concordância entre os diagnósticos utilizando os lados esquerdo e direito da radiografia panorâmica foi encontrada para o IG e a menor para o IM (Tabela 1). O teste t-Student para amostras pareadas demonstra que não existe diferença significante (α = 1%) entre as medidas realizadas para ambos os lados. O teste não-paramétrico de Wilcoxon não revelou diferença significante entre classificações atribuídas pelo ICM para ambos os lados.
A partir da média entre as duas avaliações realizadas pelo primeiro observador e utilizando o diagnóstico mais grave (lado esquerdo ou direito) de cada um dos índices, as pacientes foram classificadas como normais ou com perda de massa óssea (osteopenia e osteoporose). Estes diagnósticos foram comparados aos da densitometria óssea e calculados os valores de sensibilidade, especificidade e preditivos positivo e negativo dos índices utilizados para detecção de perda de massa óssea (Tabela 2).
Considerando-se três grupos (normal, osteopenia e osteoporose), a análise de variância (Tabela 3), complementada pelo teste de Tukey, demonstrou que para todos os índices ocorreram diferenças significantes entre os grupos. Observou-se que para os índices IPM e IM todas as médias diferiram entre si. Já para os índices IA e IG, verificou-se que o grupo normal apresentou média superior aos outros grupos (osteopenia e osteoporose), as quais não diferiram entre si.
DISCUSSÃO Existem evidências de que a forma e a espessura da cortical mandibular em radiografias panorâmicas podem ser usadas como ferramentas para detectar baixa densidade óssea mineral, não com a finalidade de diagnóstico, e sim para identificar o risco e encaminhar adequadamente a paciente para investigação por densitometria(15), permitindo interceptar o progresso da doença(16). Além disso, o desempenho de dentistas clínicos gerais em identificar erosão cortical mandibular detectada em radiografias panorâmicas de mulheres pós-menopausa resulta em acerto de 73% na identificação de baixa densidade mineral óssea(17). Nesse sentido, os resultados ora encontrados são promissores. A análise da reprodutibilidade de medidas repetidas somente resultou em diferença estatística para o IA no lado esquerdo, contudo, esta diferença é menor que 0,1 mm, podendo estar associada ao método manual de medição. Também os escores aplicados ao ICM foram reprodutíveis, apesar de se basearem em inspeção visual e estarem teoricamente mais sujeitos a erro. Tanto medidas quando escores foram também reprodutíveis em relação aos lados e ao observador. Dessa forma, abre-se a possibilidade de que também o cirurgião-dentista possa identificar pacientes de risco para perda de massa óssea quando estes buscam tratamento odontológico(18). Contudo, para que sejam válidos, os índices propostos precisam ser, além de reprodutíveis, sensíveis e específicos quando comparados aos resultados da densitometria óssea(19). No presente estudo, o IPM apresentou a maior sensibilidade, mas sua especificidade foi a menor de todos os índices avaliados, quase a metade do índice mais específico (IM). O ICM foi o que apresentou os piores resultados, concordando com os achados de Knezovi-Zlatari et al.(20) e Devlin et al.(21). Analisando a Tabela 3, recomenda-se que estes índices sejam utilizados em conjunto, pois são de simples aplicação. Como limitações deste estudo, salientamos que os exames de densitometria não foram realizados todos no mesmo equipamento e que a condição dental das pacientes da amostra não foi uma variável analisada. Cabe também ressaltar que mesmo as pacientes com idade inferior a 50 anos foram classificadas pelo t-score, não sendo empregado o z-score pelo fato de que todas se encontravam em período pós-menopausa. O uso da nova classificação que emprega o z-score, de acordo com Sampaio Netto et al.(22), induz à falta de preocupação com aquelas pacientes consideradas, de acordo com os critérios da OMS, como apresentando baixos valores de densidade mineral óssea. Estudos que comparem todos esses índices em uma mesma amostra são escassos. Comparando IPM, IM, IA, IG e ICM, medidos bilateralmente em radiografias panorâmicas de 94 mulheres, divididas em três grupos (normal, osteopenia e osteoporose), Kim et al.(23) concluíram que a espessura e forma da cortical refletem altamente a condição sistêmica de perda de massa óssea. Tais resultados estão de acordo com os do presente estudo. Todos os índices avaliados foram capazes de discriminar entre as pacientes com massa óssea normal e baixa. Apenas dois deles (IPM e IM) diferenciaram a condição de osteopenia e osteoporose, o que também foi observado por Devlin e Horner(24). Recentemente, Devlin et al.(21) recomendaram que se utilizassem valores de IM inferiores a 3 mm como critérios de encaminhamento de pacientes para exame por densitometria óssea. No presente estudo, pacientes com osteoporose se enquadraram neste critério. Contudo, as pacientes com osteopenia alcançaram valores maiores de IM, com média de 3,53 mm. A indicação de exame especializado para pacientes nesta categoria permitiria a abordagem precoce desta condição sistêmica, que pode ser prevenida e tratada precocemente. Assim, é importante que o cirurgião-dentista esteja atento para a possibilidade de obtenção desses índices e esteja apto a avaliar seus resultados, de maneira a interagir com os demais profissionais da saúde na avaliação do risco para osteoporose.
CONCLUSÕES Nas condições do estudo realizado pode-se concluir que: - Os índices avaliados foram reprodutíveis (variação menor que 0,1 mm) e não variaram em função do observador ou do lado em que a medida foi obtida; - os índices IPM e IM foram os que apresentaram maiores valores de sensibilidade para detectar perda de massa óssea, porém, a especificidade do IPM foi baixa; - todos os índices avaliados foram capazes de identificar baixa massa óssea, contudo, apenas o IPM e o IM permitiram diferenciar pacientes com osteopenia ou osteoporose.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 20/3/2007. Aceito, após revisão, em 5/9/2007.
* Trabalho realizado na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Canoas, RS, Brasil. |