Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 41 nº 3 - Maio / Jun.  of 2008

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 173 to 176



Angioplastia infra-inguinal em pacientes com isquemia crítica grau III, categoria 5 de Rutherford

Autho(rs): Abdo Farret Neto, Eduardo Baptista Faria, Alessander Laurentino

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Texto em Português English Text

Descritores: Angioplastia com balão, Angioplastia transluminal percutânea, Artéria poplítea, Artérias da perna, Salvamento de membro, Extremidade inferior

Keywords: Balloon angioplasty, Percutaneous transluminal angioplasty, Popliteal artery, Leg arteries, Limb salvage, Lower extremity

Resumo:
OBJETIVO: Analisar a eficiência da angioplastia primária infra-inguinal como método de salvamento de membros em pacientes portadores de lesões tróficas por isquemia crítica. MATERIAIS E MÉTODOS: Foram analisados 36 pacientes submetidos a angioplastias primárias sem stent. Todos os pacientes apresentavam isquemia crítica com lesão trófica - grau III, categoria 5 de Rutherford -, sendo 17 lesões na artéria femoral superficial, 16 na artéria poplítea e 51 em artérias da perna, totalizando 84 angioplastias. Foram analisadas também as prevalências em relação a sexo, membro afetado, idade e principais comorbidades, sendo tecidas considerações técnicas sobre os procedimentos, assim como os materiais utilizados. RESULTADOS: Considerou-se sucesso quando a lesão trófica que motivou a angioplastia cicatrizou, ou o nível de amputação limitou-se a artelhos ou ao antepé, sem ter havido necessidade de procedimento cirúrgico de reconstituição do fluxo sanguíneo (bypass), independentemente de tempo, drogas associadas e números de desbridamentos realizados. CONCLUSÃO: As angioplastias no segmento femoropoplíteo e infrapoplíteo são procedimentos de elevado sucesso técnico, baixa morbidade e mortalidade, constituindo-se procedimento eficaz em pacientes com isquemia crítica de membro inferior.

Abstract:
OBJECTIVE: To evaluate the efficacy of infra-inguinal, primary angioplasty as a method of limb salvage in patients with trophic lesions secondary to critical ischemia. MATERIALS AND METHODS: Thirty-six patients submitted to primary percutaneous transluminal angioplasty without stenting were evaluated. All of them presented critical limb ischemia with trophic lesion (Rutherford grade III, category 5). Eighty-four angioplasties were performed for 17 lesions in superficial femoral artery, 16 lesions in popliteal artery, and 51 lesions in below-knee arteries. Additionally, prevalence in relation to sex, age, limb involved and main comorbidities have been discussed, with technical considerations regarding procedures and materials utilized. RESULTS: Clinical success has been defined as complete healing of the trophic lesion or amputation level limited to toes or forefoot, not requiring bypass surgery, independently from time, drugs utilized and number of debridement procedures performed. CONCLUSION: Femoropopliteal and belowknee angioplasties present high technical success, low mortality and low complications rates and are highly effective in the treatment of patients with critical lower limb ischemia.

 

 

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento na tecnologia de fabricação de materiais utilizados em técnicas endovasculares tem proporcionado a realização de angioplastias em segmentos arteriais cada vez mais distais(1). A angioplastia transluminal percutânea (ATP) tem provado sua utilidade no tratamento da doença aterosclerótica no segmento ilíaco, apresentando resultados em curto e em longo prazo comparáveis ao tratamento cirúrgico(2). A ATP é considerada procedimento terapêutico aceitável para o tratamento de lesões no segmento femoropoplíteo, e no segmento infrapoplíteo há crescente volume de dados na literatura(3). Séries recentes mostram que a ATP, com ou sem implante de stent neste segmento, apresentam boas taxas de salvamento de membros, porém, controvérsias sobre as indicações, seleção dos pacientes e resultados em longo prazo ainda persistem(4,5).

Dentro deste quadro indefinido, o objetivo principal deste artigo foi trazer dados quanto à eficácia da ATP neste segmento controverso. Para tal, optamos pelo parâmetro exclusivamente clínico de acompanhamento da perviedade das angioplastias e dos resultados. Tal parâmetro foi alcançar a cura da lesão trófica, sem amputação maior, por meio da correção exclusivamente endovascular da doença vascular de base, acompanhando a evolução clínica de 36 pacientes portadores de isquemias críticas de membros inferiores submetidos a 84 angioplastias infra-inguinais sem implante de stent.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética das instituições envolvidas.

Foram estudados 36 pacientes submetidos a angioplastia no setor infra-inguinal, no período de 1/4/2004 a 3/8/2005. Todos os pacientes apresentavam isquemia crítica de membro inferior, grau III, categoria 5 de Rutherford(6). Vinte pacientes eram do sexo masculino e 16 eram do sexo feminino, com média de idade de 65,17 anos (variando entre 43 e 83 anos). Os principais fatores de risco associados foram diabetes (61%) e hipertensão arterial (22%).

O objetivo técnico a ser alcançado era a obtenção de pelo menos uma artéria pérvia até o pé, no caso das artérias tibiais, ou até o tornozelo, com colaterais para o pé, no caso da artéria fibular, o que garantiria bom aporte sanguíneo para viabilizar a cicatrização.

Os pacientes foram previamente tratados com antiagregante — AAS 100 mg/dia. Todos tinham angiografia diagnóstica prévia. Após o procedimento, permaneceram em uso de AAS 100 mg/dia, contínuo, e clopidogrel 75 mg/dia por quatro semanas.

Quando as lesões situavam-se abaixo do terço médio da artéria femoral superficial, a via de escolha foi a anterógrada, com introdutor 4F, sem cateter terapêutico. Nos casos de lesões associadas nas artérias ilíaca, femoral comum, femoral profunda e segmento proximal da femoral superficial, a via contralateral foi a escolhida, utilizando-se introdutor contralateral 6F (Balkin).

Foram utilizados fios-guia 0,035" para se obter o acesso arterial, e fio-guia 0,014" Galeo M (Biotronik GmbH&Co. KG; Berlin, Alemanha) para ultrapassar as lesões e dar sustentação para angioplastias.

Após o implante do introdutor, solução de heparina 5.000 UI/500 ml de soro fisiológico era instalada nesta via, 40 gotas/min, enquanto durasse o procedimento.

Os cateteres-balão utilizados foram o Gazelle® Monoraill (Boston Scientific Ireland Ltd.; Galway, Irlanda) para diâmetros maiores ou iguais a 4 mm com menos de 2 cm de extensão, Pheron® para as lesões mais extensas com mais de 4 mm de diâmetro, e Pleon® para diâmetros menores que 4 mm, ambos da Biotronik (Biotronik GmbH&Co. KG; Berlin, Alemanha). Note-se que não foram utilizados balões longos nessas séries.

A escolha dos balões foi feita para adequar-se ao diâmetro do vaso a ser tratado, sem oversizing, e baseada em medidas calibradas realizadas durante o procedimento. A passagem da lesão foi feita somente com guia 0,014" e sob road-mapping, em aparelho de angiografia digital Philips Integris® V5000 (Philips Medical Systems; Best, Holanda).

Quando as angioplastias eram de artérias da perna, injetava-se, pelo introdutor, 5 ml (5 mg) de solução de uma ampola de mononitrato de isossorbida 10 mg (Monocordil® - Baldacci® S.A.; São Paulo, Brasil) previamente diluída em 9 ml de soro fisiológico.

Imediatamente após cada angioplastia, era feita angiografia de controle para comprovar a eficácia do procedimento e a necessidade ou não de reinsuflação do balão.

Quando ocorria dissecação, uma insuflação, com tempo mais prolongado, era realizada. Nos casos de suspeita de estenose residual superior a 30%, era realizada a medida da estenose pelo software de medidas do aparelho de angiografia digital. O balão era então hiperinsuflado até próximo ao limite de sua ruptura, ou era utilizado balão de maior diâmetro. Após o resultado satisfatório da angioplastia, uma angiografia final era realizada para demonstrar boa perfusão distal com ausência de embolizações (Figura 1). O introdutor era retirado ao término do procedimento, uma vez que não era utilizada heparinização plena.

 

 

Não houve padronização quanto ao manejo dos curativos das lesões, uma vez que os pacientes provinham e retornavam de diversas instituições de saúde e de diferentes cidades; todavia, os princípios de boa higienização das feridas, com retirada de tecidos necrosados, foram seguidos.

O seguimento foi realizado por meio de exame físico com acompanhamento clínico da evolução da lesão. Quando a evolução cicatricial não era satisfatória, os pacientes eram reencaminhados ao nosso serviço.

Foi considerado sucesso o procedimento que possibilitou a cicatrização da lesão trófica sem amputação maior. O insucesso foi determinado pela não-cicatrização, necessidade de revascularizações cirúrgicas ou amputação maior.

 

RESULTADOS

Foram tratadas 84 lesões em 36 pacientes. A distribuição das lesões foi de 17 na artéria femoral superficial (20,2%), 16 na artéria poplítea (19%) e 51 em artérias da perna (60,8%) (Gráfico 1).

 

 

Apenas oito pacientes apresentavam lesões restritas ao segmento femoropoplíteo, poupando as artérias da perna. Em 18 pacientes as lesões eram em artérias da perna, não existindo alterações no segmento femoropoplíteo. Vinte e seis pacientes (72,2%) apresentavam mais de uma lesão, independentemente do segmento acometido, e 12 pacientes (33,3%) apresentavam mais de duas lesões. Das 84 lesões tratadas, nove (10,7%) eram oclusões, sendo possível a recanalização com sucesso em oito casos (Figura 2). A maioria destas lesões possuía extensão de até 3 cm, tabuladas na classificação TASC II(7), conforme mostra a Tabela 1.

 

 

 

 

Ao término dos procedimentos não houve estenose residual acima de 30%, medidas em software apropriado do aparelho de imagem digital, ou dissecação aguda limitante do fluxo, não sendo, portanto, necessário o implante de stent em nenhum caso. Não houve, durante os procedimentos, rupturas arteriais, oclusões arteriais agudas e óbitos.

Dos 36 pacientes estudados, perdeu-se o seguimento de sete deles, tendo sido analisada a evolução clínica e, portanto, a eficácia das angioplastias em 29 pacientes. Desses 29 pacientes, 24 (82,76%) conseguiram atingir o objetivo final do estudo, ou seja, tiveram a lesão trófica cicatrizada sem necessidade de amputação maior. Desses 24 pacientes, quatro foram submetidos a amputações menores, um a desbridamento cirúrgico e os 19 restantes, a curativos ambulatoriais. Dos cinco pacientes que não atingiram os objetivos finais do estudo (17,24%), quatro (13,79%) foram submetidos a amputação da perna e um (3,45%), a amputação ao nível da coxa. A amputação ao nível da coxa, em decorrência de gangrena de Fournier, ocorreu quatro meses após o procedimento e evoluiu para óbito. Antes da amputação, entretanto, o paciente mantinha pulso pedioso palpável.

 

DISCUSSÃO

Houve presença muito acentuada de pacientes diabéticos neste estudo. Tal fato poderá, em longo prazo, determinar perviedade menor das angioplastias, visto que o diabetes é fator associado a pior prognóstico(8).

Devido à predominância de diabetes, o maior número de lesões foi em artérias da perna, sendo muito freqüente, nesses pacientes, a multiplicidade de lesões (Tabela 1). Apesar de alguns estudos mostrarem taxa de salvamento de membro maior em pacientes nos quais foi implantado stent(9), em nossos pacientes não foi necessário o implante, pois não houve casos de estenose residual imediata maior que 30% e dissecação com limitação do fluxo. Creditamos estes fatos ao cuidado na escolha dos balões de baixo perfil e sem oversizing, ao utilizarmos somente guias 0,014" para cruzar as lesões, ao cuidado de desinsuflar o balão vagarosamente, para não correr o risco de implodir a área angioplastada, e de realizar angioplastia prolongada quando havia dissecação ou recoil.

Apesar da perda de seguimento ter sido de 19,44%, o número de pacientes que atingiram o objetivo final — a cicatrização da lesão trófica com ou sem amputação menor — foi bastante expressivo (Gráfico 2).

 

 

Sabemos que os procedimentos de restauração de fluxo arterial, quer por via tradicional ou por endovascular, têm duração limitada, porém o objetivo da cura da lesão deve ser realizado pela via de menor morbidade. Assim como na cirurgia convencional (bypass), o sucesso clínico é o item final mais importante a ser observado, pois o real objetivo da terapia é a melhora ou cura dos sintomas, o que é corroborado por inúmeros autores(10,11).

Acreditamos que o seguimento ideal de pacientes submetidos a angioplastia no setor femoropoplíteo e infrapoplíteo necessite da realização de exames de eco-Doppler a intervalos programados, porém nossos pacientes são todos oriundos do Sistema Único de Saúde (SUS), não havendo nos hospitais de referência exame de eco-Doppler disponível, tampouco os pacientes possuem condição financeira de custear tais exames. Contudo, norteando-se o estudo pela evolução clínica das lesões, abre-se espaço para que o acompanhamento possa ser feito pelo não-especialista nas mais remotas cidades do interior do País.

Assim, considerando-se como objetivo final a cicatrização das lesões tróficas, as angioplastias no segmento femoropoplíteo e infrapoplíteo mostraram ser procedimentos de elevado sucesso técnico, de baixa morbidade e mortalidade, constituindo-se procedimento muito eficaz na cura de pacientes com isquemia crítica de membro inferior.

 

REFERÊNCIAS

1. Klonaris C, Katsargyris A, Giannopoulos A, et al. Advances in endovascular treatment of femoropopliteal arterial occlusive disease. Perspect Vasc Surg Endovasc Ther. 2006;18:329-41.         [  ]

2. Kudo T, Chandra FA, Ahn SS. Long-term outcomes and predictors of iliac angioplasty with selective stenting. J Vasc Surg. 2005;42:466-75.         [  ]

3. Rastogi S, Stavropoulos SW. Infrapopliteal angioplasty. Tech Vasc Interv Radiol. 2004;7:33-9.         [  ]

4. Gray BH, Laird JR, Ansel GM, et al. Complex endovascular treatment for critical limb ischemia in poor surgical candidates: a pilot study. J Endovasc Ther. 2002;9:599-604.         [  ]

5. Feiring AJ, Wesolowski AA, Lade S. Primary stent-supported angioplasty for treatment of below-knee critical limb ischemia and severe claudication: early and one-year outcomes. J Am Coll Cardiol. 2004;44:2307-14.         [  ]

6. Rutherford RB, Becker GJ. Standards for evaluating and reporting the results of surgical and percutaneous therapy for peripheral arterial disease. Radiology. 1991;181:277-81.         [  ]

7. Norgren L, Hiatt WR, Dormandy JA, et al. Inter-Society Consensus on Peripheral Arterial Disease (TASC II). Eur J Vasc Endovasc Surg. 2007;33 Suppl 1:S1-70.         [  ]

8. Faglia E, Dalla Paola L, Clerici G, et al. Peripheral angioplasty as the first-choice revascularization procedure in diabetic patients with critical limb ischemia: prospective study of 993 consecutive patients hospitalized and followed between 1999 and 2003. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2005;29:620-7.         [  ]

9. Gray BH, Laird JR, Ansel GM, et al. Complex endovascular treatment for critical limb ischemia in poor surgical candidates: a pilot study. J Endovasc Ther. 2002;9:599-604.         [  ]

10. Matsagas MI, Rivera MA, Tran T, et al. Clinical outcome following infra-inguinal percutaneous transluminal angioplasty for critical limb ischemia. Cardiovasc Intervent Radiol. 2003;26: 251-5.         [  ]

11. Hoffmann U, Schulte KL, Heidrich SH, et al. Complete ulcer healing as primary endpoint in studies on critical limb ischemia? A critical reappraisal. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2007;33:311-6.         [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Dr. Abdo Farret Neto
Hospital do Coração de Natal
Rua Auris Coelho, 235, Lagoa Nova
Natal, RN, Brasil, 59075-050
E-mail: farret@digizap.com.br

Recebido para publicação em 11/7/2007. Aceito, após revisão, em 12/9/2007.

 

 

* Trabalho realizado no Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e no Hospital do Coração de Natal, Natal, RN, Brasil.


 
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