RELATO DE CASO
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Autho(rs): Daniel Nobrega da Costa, Publio Cesar Cavalcante Viana, Rosângela Pereira Maciel, Eloisa Maria Mello Santiago Gebrim, Manoel de Souza Rocha |
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Descritores: Sarcoma de Kaposi, Síndrome da imunodeficiência adquirida, Doença hepática, Câncer, Tomografia computadorizada, Imagem por ressonância magnética |
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Resumo:
RELATO DO CASO Paciente masculino, de 47 anos de idade, com diagnóstico prévio de síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), procurou atendimento hospitalar por episódios recorrentes e progressivos de melena nos últimos dois meses. O exame físico revelou nódulos e placas violáceas disseminadas pela pele, localizadas predominantemente nos membros inferiores. Baseado nesse contexto clínico característico, sugeriuse o diagnóstico de sarcoma de Kaposi (SK) relacionado à AIDS, que foi posteriormente confirmado por biópsia de pele. O paciente realizou endoscopia digestiva alta e colonoscopia para investigar a melena, tendo sido detectados comprometimentos esofágico e gástrico. Foram solicitadas tomografia computadorizada (TC) de tórax e abdome e ressonância magnética (RM) do abdome para descartar comprometimento visceral. A TC de abdome evidenciou acentuada esteatose hepática e proeminência dos espaços periportais (Figura 1A), com realce periportal exuberante (Figura 1B). A RM do abdome demonstrou claramente a presença de tecido circundando os ramos portais (setas na Figura 2) e o comprometimento disseminado do parênquima hepático sob a forma nodular.
DISCUSSÃO O SK é uma neoplasia mesenquimal de baixo grau descrita inicialmente por Moritz em 1872. Geralmente compromete os vasos sanguíneos e linfáticos, mais comumente na pele, mas sendo também encontrado em diversos órgãos. Pode ser classificado em uma de quatro formas com manifestações clínicas distintas: 1) forma clássica (esporádica ou mediterrânea); 2) endêmica (africana); 3) iatrogênica (em pacientes transplantados); 4) relacionada à AIDS. Antes do surgimento da AIDS e do aumento no número de transplantes de órgãos, o SK era doença muito rara. Embora não seja completamente compreendido, o SK relacionado à AIDS e aos transplantes de órgãos está claramente associado com a imunossupressão, e a infecção pelo herpes vírus humano tipo 8 (human herpes vírus 8 HHV8) e outros fatores têm sido implicados no desenvolvimento da doença. O modo de transmissão do HHV8 também não é bem conhecido, mas estudos epidemiológicos apontam a relação homossexual como uma via de transmissão importante a ser considerada(1). A doença geralmente acomete indivíduos com baixa contagem de linfócitos CD4 (< 150200 células/mm³). Os locais mais atingidos pelo comprometimento visceral no SK relacionado à AIDS são linfonodos (72% dos casos), pulmão (51%), trato gastrintestinal (48%), fígado (34%) e baço (27%)(2). O SK relacionado à AIDS é a neoplasia hepática mais comum em pacientes com AIDS. O envolvimento cutâneo está presente na maioria dos casos e consiste em um dado útil na abordagem diagnóstica quando outras condições hepáticas devem ser consideradas no diferencial. É importante lembrar que o SK nesses pacientes não exige tratamento específico, e isoladamente não altera a evolução clínica(1). Do ponto de vista macroscópico, notamse múltiplos nódulos marromarroxeados espongiformes difusamente espalhados pelo tecido conjuntivo periportal(2). A ultrasonografia revela múltiplas faixas e nódulos hiperecogênicos adjacentes aos ramos portais, além da textura heterogênea do parênquima hepático(2,3). A TC mostra múltiplos pequenos nódulos difusamente distribuídos pelo fígado ou predominantemente localizados adjacentes aos ramos periportais, e proeminência e realce dos planos periportais e hilares secundários à presença do tecido neoplásico(3,4). Quando a manifestação hepática do SK for predominantemente nodular, devemse incluir no diagnóstico diferencial doença metastática, microabscessos fúngicos e múltiplos hemangiomas(3,4). O exuberante realce periportal hepático identificado na TC e RM também pode ser encontrado na esquistossomose, em pacientes com infiltração periportal metastática e no colangiocarcinoma infiltrativo difuso(4). Embora o comprometimento hepático pelo SK relacionado à AIDS seja raramente diagnosticado ou sintomático, pouco freqüentemente contribuindo para a morbimortalidade nesses pacientes, é importante reconhecer e distinguir essa condição de outras doenças hepáticas. Levandose em consideração que biópsias percutâneas em pacientes com a doença podem resultar em hemorragias maciças e hemoperitônio, o radiologista deve se familiarizar com o diagnóstico para ajudar a evitar essa complicação.
REFERÊNCIAS 1.Tappero JW, Conant MA, Wolfe SF, et al. Kaposi's sarcoma. Epidemiology, pathogenesis, histology, clinical spectrum, staging criteria and therapy. J Am Acad Dermatol. 1993;28:37195. [ ] 2.Restrepo CS, Martinez S, Lemos JA, et al. Imaging manifestations of Kaposi sarcoma. Radiographics. 2006;26:116985. [ ] 3.Luburich P, Bru C, Ayuso MC, et al. Hepatic Kaposi sarcoma in AIDS: US and CT findings. Radiology. 1990;175:1724. [ ] 4.Hammerman AM, Kotner LM Jr, Doyle TB. Periportal contrast enhancement on CT scans of the liver. AJR Am J Roentgenol. 1991;156:3135. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 22/11/2006. Aceito, após revisão, em 31/1/2007.
* Trabalho realizado no Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HCFMUSP), São Paulo, SP, Brasil. |