Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 41 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2008

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 87 to 91



Correlação clínica e ultra-sonográfica na esclerodermia localizada cutânea

Autho(rs): Marcio Bouer, Maria Cristina Chammas, Maria Cristina Lorenzo Messina, Ilka Regina Souza de Oliveira, Giovanni Guido Cerri

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Descritores: Esclerodermia localizada, Ultra-sonografia, Derme

Keywords: Localized scleroderma, Ultrasonography, Dermis

Resumo:
OBJETIVO: Apresentar os aspectos ultra-sonográficos da esclerodermia localizada e relacioná-los com os aspectos clínicos. MATERIAIS E MÉTODOS: Foram analisadas 23 lesões de esclerodermia localizada em 21 pacientes. Foi utilizado equipamento Logiq 700 com transdutor linear de 6-14 MHz. Foram avaliados, pelo dermatologista, o estágio da doença (inflamatório ou atrófico), e pelo radiologista, a espessura e a ecogenicidade da derme nas regiões afetadas e sãs adjacentes. Foi feito acompanhamento de sete casos após tratamento. RESULTADOS: Todas as lesões apresentaram perda do padrão ultra-sonográfico normal da derme. Os casos de lesão clinicamente atrófica (52,2%; 12/23) corresponderam a redução da espessura e aumento da ecogenicidade da derme e os casos de lesão clinicamente inflamatória (47,8%; 11/23) corresponderam a aumento da espessura e redução da ecogenicidade da derme. Controles pós-tratamento mostraram alterações na espessura da derme. CONCLUSÃO: Os achados ultra-sonográficos nos permitem associar o aumento da espessura e a redução da ecogenicidade da derme com a fase inflamatória da doença, e a redução da espessura e o aumento da ecogenicidade da derme com a fase atrófica da doença. Notamos também que é possível quantificar a espessura da derme e usar essa informação no controle pós-tratamento associada à avaliação clínica.

Abstract:
OBJECTIVE: To describe ultrasonographic findings of localized cutaneous scleroderma and correlating them with clinical findings. MATERIALS AND METHODS: Twenty-three lesions of localized cutaneous scleroderma in 21 patients were evaluated with a Logiq 700 equipment coupled with a 6-14 MHz linear transducer. The disease stage (athrophic or inflammatory) was evaluated by a dermatologist, and the ultrasonographic findings (skin thickness and echogenicity) for both the affected and adjacent healthy regions were evaluated by a radiologist. Seven of the cases underwent post-treatment follow-up. RESULTS: All the affected regions presented loss of the normal ultrasonographic pattern of the dermis. Cases with clinically atrophic lesions (52.2%; 12/23) corresponded to reduction in the thickness and increase in the echogenicity of the dermis, and clinically inflammatory lesions (47.8%; 11/23) corresponded to decrease in echogenicity and increase in the thickness of the dermis. Post-treatment follow-up demonstrated alterations in the dermis thickness. CONCLUSION: The ultrasonographic findings allow the correlation between increase in the thickness/decrease in echogenicity of the dermis with the inflammatory phase of the disease, and decrease of the thickness/increase in echogenicity of the dermis with the atrophic phase. Also, it could be observed that it is possible to quantify the thickness of the dermis, utilizing this information associated with the clinical evaluation in the post-treatment follow-up.

VProfessor Titular do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

A esclerodermia é uma doença de etiologia desconhecida que acomete o tecido conjuntivo e é caracterizada por alterações escleróticas da pele e de alguns outros órgãos. Na pele, o que se observa, histologicamente, é uma alteração da síntese do colágeno com aumento de seu depósito, infiltrado inflamatório perivascular predominante de linfócitos e danos vasculares(1).

O primeiro estudo de esclerodermia à ultra–sonografia foi realizado em 1984, utilizando–se um transdutor de 15 MHz em modo–A. Em lesões focais a espessura da pele estava aumentada e nas lesões pigmentadas ela estava diminuída(2). Em 1986 e, posteriormente, em 1993, transdutores de 10 MHz, 20 MHz e 25 MHz foram utilizados em modo–B, mostrando aumento da espessura da pele nas regiões afetadas e mudanças após o tratamento(3–5). Em 1995, usando–se transdutor de 30 MHz, foi observado aumento da espessura da pele em regiões afetadas e mesmo discreto aumento em regiões clinicamente não–afetadas(6). Em 1998, com o uso de transdutor de alta freqüência de 20 MHz (em modo–B), foi demonstrado, na avaliação de lesões após tratamento, que havia diferentes aspectos dependendo do estágio da doença(7).

O objetivo deste trabalho foi demonstrar os aspectos ultra–sonográficos da esclerodermia focal e compará–los com os aspectos clínicos.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram analisadas 23 lesões de esclerodermia focal em 21 pacientes (18 mulheres e 3 homens, idades entre 8 e 58 anos, média de idade de 24,1 anos) no período de maio de 2001 a maio de 2003. Utilizou–se equipamento Logiq 700 (GE Medical Systems; Milwaukee, WI, USA) com transdutor linear multifreqüencial de 6–14 MHz. As lesões estavam localizadas no tronco (15 lesões) e nos membros (8 lesões).

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e foram obtidos termos de consentimento de todos os pacientes participantes.

O exame foi realizado por um radiologista experiente, especializado em ultra–som de pequenas partes, utilizando uma camada espessa de gel interposta entre o transdutor e a pele e aplicando pressão mínima na região avaliada para não deformar a superfície da pele analisada.

Os parâmetros analisados ao modo–B foram: a) a espessura da derme – medida da linha hiperecogênica anterior localizada entre a camada de gel e a superfície da derme e a linha hiperecogênica posterior localizada entre a derme profunda e o tecido subcutâneo (Figura 1); b) a ecogenicidade da derme – normalmente caracterizada por uma camada superficial hipoecogênica e uma camada profunda hiperecogênica (Figura 1).

 

 

Todos os pacientes foram analisados na região da lesão e em uma região normal próxima a esta área. Sete casos foram acompanhados após tratamento e os mesmos parâmetros foram analisados.

O diagnóstico clínico foi feito por uma dermatologista experiente e todos os casos tiveram confirmação por meio de estudo anatomopatológico.

 

RESULTADOS

Na análise da espessura, as lesões clinicamente atróficas (Figura 2), que corresponderam a 52,2% (12/23) do total, apresentaram redução da espessura da derme (Figura 4) quando comparadas às regiões clinicamente normais (Figura 3). A espessura média observada nas regiões alteradas foi de 1,29 mm, enquanto nas regiões normais foi de 2,23 mm. Já as lesões clinicamente inflamatórias, que corresponderam a 47,8% (11/23) dos casos (Figura 5), apresentaram aumento da espessura da derme (Figura 7) quando comparadas às regiões clinicamente normais (Figura 6). A espessura média nas regiões alteradas foi de 2,90 mm, enquanto nas regiões normais foi de 1,90 mm (Tabela 1).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quanto à ecogenicidade, nas lesões atróficas a derme apresentou aumento da ecogenicidade (Figura 4), enquanto nas lesões inflamatórias mostrou redução na ecogenicidade (Figura 7). Todas as regiões afetadas apresentaram perda do padrão normal ultra–sonográfico da derme, que consiste em hipoecogenicidade superficial e hiperecogenicidade profunda (Figuras 3 e 6).

Os sete pacientes acompanhados após o tratamento apresentaram mudanças na espessura da derme. Desses casos, três eram lesões inflamatórias e tiveram redução da espessura da derme, em média, de 2,90 mm para 2,30 mm (Figura 8), e quatro eram lesões atróficas e apresentaram aumento da espessura da derme, em média, de 1,10 mm para 1,40 mm (Tabela 2).

 

 

 

 

Quanto aos exames anatomopatológicos, todos confirmaram o diagnóstico clínico de esclerodermia, tanto na fase inflamatória, com predomínio de infiltrado celular, quanto na fase atrófica, com predomínio de depósito de tecido conjuntivo e fibrose.

 

DISCUSSÃO

A utilização da ultra–sonografia com transdutores de alta freqüência no estudo de afecções dermatológicas tem sido incrementada com o avanço tecnológico e a necessidade de se encontrar um método de imagem confiável e não–invasivo que auxilie o dermatologista na visão do que ocorre sob a pele acometida, tanto por tumores como por outras doenças menos agressivas. Os primeiros a utilizarem a ultra–sonografia relacionada à dermatologia foram Alexander e Miller, em 1979, para medida da espessura da pele(8). A partir daí, muitos outros trabalhos das mais variadas afecções dermatológicas foram apresentados, utilizando tanto os aparelhos e transdutores disponíveis como alguns idealizados especialmente para esta finalidade.

A pele normal é constituída de três camadas: a) epiderme, com espessura de 0,06–0,6 mm, com dois tipos de células, os queratinócitos e os melanócitos; b) derme, com espessura de 1–4 mm, constituída de rica rede de vasos sanguíneos e linfáticos, tecido conectivo, nervos, glândulas, fibroblastos, histiócitos e mastócitos, e dividindo–se em derme papilar, mais superficial e fina e com tecido conectivo frouxo, e derme reticular, mais profunda e com tecido conectivo denso; c) tecido subcutâneo, com espessura variável, constituído predominantemente de células adiposas.

A imagem que teremos de uma pele normal será, a partir da superfície, a seguinte:

–A camada de gel, que aparecerá anecogênica e com alguns pontos hiperecogênicos de permeio, característicos do seu componente interno.

–Uma fina linha ecogênica, que corresponde à interface entre o gel e a pele (epiderme). A epiderme, por causa da sua finíssima espessura em pessoas normais, não é definida ao ultra–som, exceto na planta do pé e na região hipotênar, onde a sua espessura é maior, e mesmo assim, só com transdutores de 20 MHz ou de maior freqüência pode–se ver uma fina camada hipoecogênica.

–Camada hiperecogênica, que corresponde à derme, na qual se pode, com o uso de transdutores de 13 MHz ou mais, diferenciar as camadas superficial e profunda, a primeira, levemente hipoecogênica e heterogênea, e a segunda, mais hiperecogênica e homogênea. Atravessando essa camada de forma oblíqua, é possível observar linhas hipoecogênicas que correspondem a folículos pilosos. A ecogenicidade da derme é variável com a idade, encontrando–se hipoecogênica em neonatos, discreto aumento da ecogenicidade com alguns meses de vida e acentuado aumento com a idade adulta. Nos idosos, devido principalmente da exposição à luz solar, observa–se o aparecimento de uma camada mais hipoecogênica na derme superficial. A derme se divide em papilar, mais superficial e fina, e reticular, mais profunda e espessa, sendo esta última mais acometida na esclerodermia.

–Camada hipoecogênica (tecido adiposo) com estrias hiperecogênicas de permeio (septos fibrosos), que corresponde ao tecido subcutâneo, de espessura variável. Sua delimitação com a derme é em geral bem definida, porém não–linear.

–Camada hiperecogênica, que corresponde à fáscia muscular(9).

A fisiopatologia da esclerodermia é complexa e consiste de três principais fatores: dano vascular, infiltrado celular mononuclear e acentuado depósito de tecido conjuntivo recém–sintetizado, notadamente colágeno. Parece que os três fatores ocorrem simultaneamente, com predomínio inicial de infiltrado celular, com aumento da espessura da derme correspondendo à fase inflamatória, e predomínio final de depósito de tecido conjuntivo e fibrose, com redução da espessura da derme correspondendo à fase atrófica(1).

O que observamos à ultra–sonografia é compatível com os achados histológicos: as lesões clinicamente atróficas apresentaram redução da espessura da derme e as lesões clinicamente inflamatórias mostraram aumento da espessura da derme. Nos trabalhos de Serup(2), Akesson et al.(3), Myers et al.(4) e Ihn et al.(6) foi observado apenas aumento da espessura da pele nas regiões afetadas pela esclerodermia, provavelmente por terem sido analisados casos com predomínio da fase inflamatória.

As lesões atróficas mostraram aumento da ecogenicidade da derme, enquanto as inflamatórias apresentaram redução da ecogenicidade. Vimos também que nas áreas de acometimento havia perda da diferenciação entre as camadas superficial e profunda da derme, fatos não–descritos em outros trabalhos e que podem ser explicados pelo envolvimento difuso da derme reticular, no caso de predomínio edematoso pela presença de infiltrado celular e processo inflamatório, e no caso atrófico pela fibrose e concentração maior de colágeno.

Durante o tratamento observamos mudança de espessura da derme, com lesões inflamatórias apresentando redução e lesões atróficas apresentando aumento, sem porém retornar a diferenciação das camadas superficial e profunda da derme. Outros autores(3,4,7,10,11) concluíram que a ultra–sonografia era útil no acompanhamento tardio após o tratamento.

Concluindo, os achados ultra–sonográficos nos permitem associar o aumento da espessura e redução da ecogenicidade da derme com a fase inflamatória da doença, em que há predomínio do edema e de processo inflamatório, e associar a redução da espessura e aumento da ecogenicidade da derme com a fase atrófica da doença, em que ocorre perda da elasticidade da pele e compactação das células da derme. Observamos, também, que é possível quantificar a espessura da derme e usar essa informação na avaliação pós–tratamento, indicando melhora ou não, associada à avaliação clínica.

O desenvolvimento de transdutores com maior freqüência e aparelhos com melhor resolução poderão melhorar a avaliação da espessura pós–tratamento e também a detecção de áreas alteradas em regiões clinicamente normais.

 

REFERÊNCIAS 

1. Sapadin AN, Esser AC, Fleischmajer R. Immunopathogenesis of scleroderma – evolving concepts. Mt Sinai J Med. 2001;68:233–42.         [  ]

2. Serup J. Localized scleroderma (morphoea): thickness of sclerotic plaques as measured by 15 MHz pulsed ultrasound. Acta Derm Venereol. 1984;64: 214–9.         [  ]

3. Akesson A, Forsberg L, Hederstrom E, et al. Ultrasound examination of skin thickness in patients with progressive systemic sclerosis (scleroderma). Acta Radiol Diagn. 1986;27:91–4.         [  ]

4. Myers SL, Cohen JS, Sheets PW, et al. B–mode ultrasound evaluation of skin thickness in progressive systemic sclerosis. J Rheumatol. 1986; 13:577–80.         [  ]

5. Fornage BD, McGavran MH, Duvic M, et al. Imaging of the skin with 20–MHz US. Radiology. 1993;189:69–76.         [  ]

6. Ihn H, Shimozuma M, Fujimoto M, et al. Ultrasound measurement of skin thickness in systemic sclerosis. Br J Rheumatol. 1995;34:535–8.         [  ]

7. Cammarota T, Pinto F, Magliaro A, et al. Current uses of diagnostic high–frequency US in dermatology. Eur J Radiol. 1998;27:S215–23.         [  ]

8. Alexander H, Miller DL. Determining skin thickness with pulsed ultrasound. J Invest Dermatol. 1979;72:17–9.         [  ]

9. Bouer M, Saito OC. Pele, subcutâneo e parede. In: Saito OC, Cerri GG, editores. Ultra–sonografia de pequenas partes. São Paulo: Revinter; 2004. p. 245–68.         [  ]

10. Hoffmann K, Gerbaulet U, el–Gammal S, et al. 20–MHz B–mode ultrasound in monitoring the course of localized scleroderma (morphea). Acta Derm Venereol Suppl. 1991;164:3–16.         [  ]

11. Scheja A, Akesson A. Comparison of high frequency (20 MHz) ultrasound and palpation for the assessment of skin involvement in systemic sclerosis (scleroderma). Clin Exp Rheumatol. 1997;15:283–8.         [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Dr. Marcio Bouer. Rua Pereira Leite, 44, ap. 91, Sumarezinho
São Paulo, SP, Brasil, 05442–000
E–mail: mbouer@gmail.com

Recebido para publicação em 22/5/2007. Aceito, após revisão, em 24/7/2007.

 

 

* Trabalho realizado no Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HC–FMUSP), São Paulo, SP, Brasil.


 
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