Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 41 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2008

QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?
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Qual o seu diagnóstico?

Autho(rs): Marcelo Souto Nacif, Antonio Carlos Pires Carvalho, Alair Augusto Sarmet Moreira Damas dos Santos, Telmo Pimentel do Vabo, Carlos Eduardo Rochitte, Edson Marchiori

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Endereço para correspondência

 

 

Paciente de 43 anos de idade, do sexo feminino, 95 kg de peso, 152 cm de altura, freqüência cardíaca de 80 bpm, pressão arterial de 100 × 70 mmHg, apresentando dor precordial atípica com elevação de troponina. A paciente relatou quadro de diarréia 72 horas antes do episódio. A suspeita inicial de miocardite foi considerada. Foi encaminhada para o Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital de Clínicas de Niterói, para realização de ressonância magnética cardíaca (RMC).

Descrição das imagens

Figura 1. Aquisições acopladas ao ECG, em cine–RM nos planos duas câmaras, três câmaras, quatro câmaras e eixo curto, demonstram disfunção sistólica global com fração de ejeção estimada em 41% (Simpson), hipocinesia média e apical com afilamento do ápex e acinesia apical. A massa do ventrículo esquerdo foi estimada em 125 gramas (± 11).

 

 

Figura 2. Aquisições acopladas ao ECG, realce tardio nos planos quatro câmaras, três câmaras e duas câmaras, demonstram o realce miocárdico tardio, transmural (> 70% da área do segmento) nos segmentos ântero–septal medial e apical, septal e inferior apical e do ápex, caracterizando a presença de infarto. Existe realce miocárdico tardio, não–transmural (< 50% da área do segmento) nos segmentos ínfero–septal medial e lateral apical.

 

 

Figura 3. Aquisições acopladas ao ECG, realce tardio no eixo curto, demonstram melhor a segmentação miocárdica e o realce tardio no território da coronária descendente anterior. A massa segmentar enfartada é de aproximadamente 30 gramas, sendo o percentual de massa enfartada de 22%.

 

 

Diagnóstico: Infarto do miocárdio, transmural, representando 22% da massa do ventrículo esquerdo.

 

COMENTÁRIOS

A doença cardíaca é a principal causa de morte entre os habitantes dos EUA e, juntamente com o acidente vascular cerebral, são importantes causas de invalidez, contribuindo de maneira significativa para o aumento dos custos da saúde pública nesse país. A doença arterial coronariana é a responsável pela mais alta proporção das doenças do coração em cerca de 12 milhões de habitantes afetados nos EUA(1,2).

No Brasil, as doenças cardiovasculares são responsáveis por até 30% das mortes, segundo dados do Datasus, com um aumento na prevalência em 22% nos últimos 19 anos(3).

Infarto agudo do miocárdio é o desenvolvimento rápido da necrose miocárdica, em conseqüência de um desequilíbrio entre a oferta de sangue oxigenado e a demanda do músculo cardíaco. A oclusão total da coronária por um período de quatro a seis horas resulta em necrose irreversível do miocárdio (Quadro 1). A reperfusão dentro desse tempo pode salvar o miocárdio e pode reduzir a morbidade e a mortalidade(1,2,4–6).

 

 

A causa mais comum de infarto agudo do miocárdio é o estreitamento dos vasos arteriais do epicárdio, devido à presença de placas ateromatosas. Essas placas se rompem, havendo exposição subseqüente do tecido subendotelial, que resulta em agregação plaquetária, formação de trombos, acumulação de fibrina e vasoespasmo. Isto pode resultar em oclusão parcial ou completa do vaso, isquemia e conseqüente infarto do miocárdio(3,5,6).

A viabilidade miocárdica

O estudo de viabilidade miocárdica tem–se mostrado especialmente útil em pacientes com doença arterial coronariana (DAC) e disfunção ventricular esquerda severa, uma vez que a conduta a ser adotada — revascularização/angioplastia (com ou sem stent) ou tratamento clínico — é diretamente influenciada pela presença ou não de tecido viável. O termo miocárdio viável refere–se ao tecido com disfunção regional, mas que poderá ser recuperada após o restabelecimento do fluxo sanguíneo e engloba diferentes subtipos de tecido: miocárdio hibernante e miocárdio atordoado (Quadro 2)(6).

O miocárdio hibernante resulta de isquemia crônica e persistente que, para se adaptar, diminui o consumo de oxigênio, acarretando disfunção ventricular.

O miocárdio atordoado ocorre após um episódio agudo e breve de isquemia severa, gerando mudanças ultra–estruturais e bioquímicas, com conseqüente disfunção ventricular.

A revascularização coronariana em pacientes com miocárdio viável tem promovido melhora da contratilidade das paredes do ventrículo esquerdo, da fração de ejeção, da classe funcional e do prognóstico. O grande desafio é determinar quais pacientes obterão benefícios na intervenção, daí a importância do estudo de viabilidade miocárdica(6–8).

A ressonância magnética cardíaca

A RMC detém alta acurácia para a detecção de necrose miocárdica, o que em alguns casos é subdiagnosticado pelos dados clínicos e eletrocardiográficos(7–9).

Além das alterações de contratilidade e função identificadas no estudo por cine–RM, a realização de uma seqüência de inversão–recuperação com alta resolução, após cerca de dez minutos da administração intravenosa do gadolínio, é a principal técnica utilizada no diagnóstico do infarto do miocárdio e é atualmente conhecida como a técnica do realce miocárdico tardio(10–13).

Esta técnica baseia–se nas características de distribuição do gadolínio nos diferentes tecidos, como o miocárdio normal, o com infarto recente e o fibrótico. O gadolínio é um meio de contraste específico para o espaço extracelular, isto é, não se difunde no interior de células normais (viáveis). Sendo assim, no miocárdio normal há menos espaço extracelular que no infarto e na fibrose, já que nestes a lesão da membrana do miócito promove a comunicação entre o intra e o extracelular(9–11,13).

O realce miocárdico tardio permite uma precisa delimitação das áreas de necrose ou fibrose do miocárdio nos pacientes com infarto prévio. Nas imagens de realce tardio, as áreas de infarto apresentam–se com sinal elevado em comparação ao miocárdio normal. O grande contraste entre o tecido necrótico ou fibrótico e o tecido miocárdico íntegro, em que o gadolínio não permanece por muito tempo, é aproximadamente dez vezes a intensidade de sinal, o que permite a precisa avaliação do território enfartado(10–13).

Dependendo do tempo de exposição do miocárdio ao estado de ausência ou baixa perfusão, além do dano do miócito (necrose/infarto) pode existir destruição da microcirculação, fazendo com que, mesmo nos casos em que a reperfusão segmentar seja readquirida, o tecido lesado não conseguirá ser novamente perfundido, demarcando a gravidade da lesão. Estas são as regiões de no–reflow ou, mais precisamente, de obstrução microvascular, que poderão ser identificadas como áreas de baixo sinal no interior do infarto, reafirmando a não–viabilidade daquele segmento ou território coronário. Isto se deve à ausência da chegada do gadolínio(4,6,9,10).

No estudo publicado por Wu et al.(10), em 1998, observou–se que o tamanho do infarto, expresso por um percentual da massa do ventrículo esquerdo, tem importante valor prognóstico nos pacientes com infarto agudo do miocárdio. Além disso, dois outros estudos recentes demonstraram que a avaliação da massa enfartada foi preditora da recuperação da função sistólica global e segmentar(9,10).

A avaliação da viabilidade miocárdica por meio da RM tem alcançado grande impacto na literatura, principalmente após o estudo de Kim et al.(11), que demonstraram que a presença de viabilidade miocárdica, definida como recuperação funcional regional após revascularização, pode ser determinada pela quantificação da transmuralidade do infarto. Esse mesmo estudo também demonstrou que quanto maior a massa do miocárdio disfuncional e viável antes da intervenção, maior a recuperação global da fração de ejeção após a revascularização(11–13) .

A Figura 4 demonstra a medida da massa enfartada que é analisada em conjunto com a massa total do ventrículo esquerdo na diástole, conseguindo–se assim um percentual de massa enfartada, que no presente caso foi de 22% da massa do ventrículo esquerdo.

 

 

Portanto, a determinação da massa enfartada nos exames de RMC pode fornecer informações importantes e muito úteis ao manejo dos pacientes com infarto agudo do miocárdio prévio.

 

Consideração final

Atualmente, a RMC é considerada o método de escolha na detecção do infarto, da viabilidade miocárdica e da avaliação da massa enfartada do ventrículo esquerdo, superando inclusive a tomografia por emissão de pósitrons (PET) na detecção de defeitos subendocárdicos.

A melhora da contratilidade e do espessamento regional, do grau de insuficiência cardíaca, o aumento da sobrevida e da qualidade de vida após procedimentos de reperfusão miocárdica justificam o interesse cada dia maior na utilização da RMC para a detecção de miocárdio viável.

 

REFERÊNCIAS

1. Rochitte CE, Pinto IMF, Fernandes JL, et al. I Diretriz de ressonância e tomografia cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2006;87:e48–59.         [  ]

2. Azevedo Filho CF, Hadlich M, Petriz JLF, et al. Quantification of left ventricular infarcted mass on cardiac magnetic resonance imaging. Comparison between planimetry and the semiquantitative visual scoring method. Arq Bras Cardiol. 2004;83:111–7.         [  ]

3. Dados do Datasus. [Acessado em 22 de janeiro de 2007]. Disponível em: http://portal.saude.gov. br/portal/aplicacoes/noticias/noticias_detalhe. cfm?co_seq_noticias=38183        [  ]

4. Rochitte CE, Lima JA, Bluemke DA, et al. Magnitude and time course of microvascular obstruction and tissue injury after acute myocardial infarction. Circulation. 1998;98:1006–14.         [  ]

5. Kim RJ, Wu E, Rafael A, et al. The use of contrast–enhanced magnetic resonance imaging to identify reversible myocardial dysfunction. N Engl J Med. 2000;343:1445–53.         [  ]

6. Arai AE. Myocardial infarction and viability with an emphasis on imaging delayed enhancement. In: Kwong RY, editor. Cardiovascular magnetic resonance imaging. Totowa: Humana Press; 2008. p. 351–75.         [  ]

7. Simonetti OP, Kim RJ, Fieno DS, et al. An improved MR imaging technique for the visualization of myocardial infarction. Radiology. 2001; 218:215–23.         [  ]

8. Mahrholdt H, Wagner A, Holly TA, et al. Reproducibility of chronic infarct size measurement by contrast–enhanced magnetic resonance imaging. Circulation. 2002;106:2322–7.         [  ]

9. Foo TK, Stanley DW, Castillo E, et al. Myocardial viability: breath–hold 3D MR imaging of delayed hyperenhancement with variable sampling in time. Radiology. 2004;230:845–51.         [  ]

10. Wu KC, Kim RJ, Bluemke DA, et al. Quantification and time course of microvascular obstruction by contrast–enhanced echocardiography and magnetic resonance imaging following acute myocardial infarction and reperfusion. J Am Coll Cardiol. 1998;32:1756–64.         [  ]

11. Kim RJ, Chen EL, Lima JA, et al. Myocardial Gd–DTPA kinetics determine MRI contrast enhancement and reflect the extent and severity of myocardial injury after acute reperfused infarction. Circulation. 1996;94:3318–26.         [  ]

12. Nacif MS, Santos AASMD, Barros Filho CM, et al. Qual o seu diagnóstico? Radiol Bras. 2007; 40(5):vii–x.         [  ]

13. Bezerra LB, Marchiori E, Pontes PV. Avaliação da função cardíaca por ressonância magnética com seqüências em equilíbrio estável: segmentadas × tempo real. Radiol Bras. 2006;39:333–9.         [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Dr. Marcelo Souto Nacif
Rua Tavares de Macedo, 136, ap. 1503, Bl. A, Icaraí
Niterói, RJ, Brasil, 24220–211
www.msnacif.med.br

 

 

Trabalho realizado no Hospital de Clínicas de Niterói (HCN), Niterói, RJ, e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


 
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