ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Maria da Salete Fonseca dos Santos Lundgren, Maria do Socorro de Mendonça Cavalcanti, Divaldo de Almeida Sampaio |
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Descritores: Leucograma, Hemograma completo, Radioterapia externa, Toxicidade radioterápica |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A seqüência de alterações no sistema hematopoético, que ocorre durante e depois da irradiação externa convencional, abrangendo área localizada da medula óssea, é semelhante às alterações que ocorrem durante a irradiação de toda a medula. Todavia, as modificações não acontecem de imediato, podendo surgir semanas ou até meses após a radioterapia(1,2). No caso da radioterapia localizada, o exame do material medular retirado da área irradiada não espelha o estado de toda a medula óssea do paciente, e o aparente dano, para uma parte da função medular, não parece ser importante no seu quadro hematológico. Alguns estudos mostraram que a contagem das células do sangue periférico permanecia dentro dos limites normais no momento da hipoplasia medular localizada(35). Desse modo, após a radioterapia, a regeneração medular depende não apenas da dose absorvida, como também da quantidade de tecido hematopoético irradiado. Há poucos relatos, na literatura, sobre os efeitos hematológicos quando se utilizam campos pequenos de irradiação, que são comumente usados para o tratamento de câncer localizado(6). Como resultado da sensibilidade do sistema hematopoético, baseado nos estudos com irradiação de corpo inteiro, a solicitação semanal da contagem das células do sangue periférico tornou-se uma rotina para os pacientes que estão sendo submetidos a radioterapia.
MATERIAIS E MÉTODOS No período de março de 2004 a outubro de 2004, foram selecionados 101 pacientes com idade acima de 21 anos, de ambos os sexos, portadores de câncer nas áreas de cabeça e pescoço, tórax e pelve, com áreas de tratamento acima de 100 cm², com dose diária de irradiação variando de 180 cGy a 200 cGy, em cinco frações semanais, e com dose total de 4.500 cGy a 5.000 cGy(79), durante cinco semanas. Os pacientes foram tratados utilizando-se acelerador linear Clinac 600C Varian, de 6 MV, emissor de radiação-X de alta energia, tendo sido realizados hemogramas antes, e semanalmente, durante o tratamento. Foram excluídos do estudo: pacientes submetidos a quimioterapia previamente ou concomitantemente; pacientes submetidos a radioterapia hiperfracionada, hipofracionada, ou radioterapia de múltiplas áreas; pacientes com doença conhecida do sistema hematopoético; pacientes com contagem inicial de leucócitos abaixo de 4.000 células/mm³; pacientes com contagem de plaquetas inicial abaixo de 150.000 células/mm³. Os dados foram lançados em uma planilha eletrônica modelo Excel, sendo analisados e comparados em relação aos valores do pré-tratamento. Devido à pronunciada assimetria presente nos dados, adotou-se a média geométrica como a medida do valor típico da contagem de cada tipo de célula(10). Para estudar o efeito do tempo ao longo do tratamento, do sexo, da média de idade e da área tratada sobre essa contagem, foram ajustados modelos de regressão para dados longitudinais, utilizando o método generalized estimation equations (GEE). Todos os pacientes selecionados foram convidados a participar do estudo e, ao concordarem, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição.
RESULTADOS Foram analisados dados da contagem de leucócitos e plaquetas de 101 pacientes adultos (606 hemogramas) com idade entre 29 e 85 anos, com média de 59,3 anos (desvio-padrão de 12,6 anos), sendo 69 do sexo feminino (68,3%) e 32 do sexo masculino (31,7%). Todos os casos, portadores de tumores das áreas de cabeça e pescoço (n = 11; 10,9%), tórax (n = 35; 34,6%) e pelve (n = 55; 54,5%), foram tratados com radioterapia externa convencional. Os valores relativos e absolutos das médias geométricas da contagem de leucócitos totais, neutrófilos, eosinófilos, linfócitos, monócitos e plaquetas, antes da radioterapia (pré-tratamento), e nas semanas durante o tratamento (primeira, segunda, terceira, quarta e quinta), dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço, tórax e pelve submetidos a radioterapia convencional, estão mostrados na Tabela 1. Os basófilos não foram descritos por apresentarem 70% dos valores iguais a zero em todos os momentos da mensuração, tendo como resultado as médias geométricas e medianas iguais a zero, deixando a média aritmética de ser um valor representativo. A queda maior das médias geométricas da contagem das células sanguíneas ocorreu na quarta semana de tratamento, quando linfócitos, leucócitos totais, neutrófilos, monócitos e plaquetas apresentaram diminuição de 53,5%, 26,8%, 19,4%, 22,2%, e 14,6%, respectivamente, ao serem comparados aos valores relativos antes do início do tratamento. Os eosinófilos apresentaram a maior queda dos valores na primeira semana e diminuíram em 9,2%.
As médias geométricas do número de leucócitos totais não variaram de forma significante com o sexo e nem com a faixa etária, mas a variação em relação à área tratada foi estatisticamente significante. Durante o tratamento, as médias geométricas da área tratada pelve foram significativamente menores do que as da área tratada cabeça e pescoço (Figura 1).
As médias geométricas do número de neutrófilos não variaram de forma significante com o sexo e nem com a idade, mas a variação em relação à área tratada foi estatisticamente significante. Durante o tratamento, as médias geométricas da área tratada pelve foram significativamente menores do que as da área tratada cabeça e pescoço (Figura 2).
As médias geométricas do número de linfócitos não variaram de forma significante com o sexo e nem com a faixa etária, mas a variação em relação à área tratada foi estatisticamente significante. Durante o tratamento, as médias geométricas da área tratada pelve foram significativamente menores do que as da área tratada cabeça e pescoço (Figura 3).
As médias geométricas do número de monócitos apresentaram tendência significativamente decrescente ao longo do tempo de tratamento, porém não variaram de forma significante com o sexo, a faixa etária e a área tratada (Figura 4).
As médias geométricas do número de plaquetas apresentaram tendência significativamente decrescente ao longo do tempo de tratamento. Entretanto, essa tendência interrompeu-se na terceira semana do tratamento (Figura 5). Não ocorreu variação estatisticamente significante das médias geométricas do número de plaquetas em relação ao sexo, à faixa etária e à área tratada.
Não houve mudança estatisticamente significante na média geométrica do número de eosinófilos ao longo do tempo de tratamento, nem em relação ao sexo, à faixa etária e à área tratada.
DISCUSSÃO Foi analisada, neste estudo, a contagem de leucócitos totais, eosinófilos, neutrófilos, linfócitos, monócitos e plaquetas, que são as células descritas como sensíveis à radiação, em que é esperada diminuição nos seus valores em conseqüência da radioterapia. Os eritrócitos não foram analisados, por não se esperar diminuição nos seus valores, devido à capacidade compensatória dessas células, que aumentam a sua proliferação, liberando células maduras para o sangue periférico, mantendo seus valores nos limites da normalidade. No presente trabalho, foi observada queda estatisticamente significante das contagens de leucócitos totais, neutrófilos, linfócitos, monócitos e plaquetas, a partir da primeira semana de tratamento, porém os eosinófilos não apresentaram mudança estatisticamente significante ao longo do tempo de tratamento. Resultados semelhantes foram encontrados por outros autores, estudando pacientes com câncer das áreas de cabeça e pescoço, tórax e pelve, submetidos a radioterapia externa convencional(6,1114). Analisando as médias geométricas da contagem de cada célula sanguínea ao longo do tempo de tratamento, constatou-se que os linfócitos apresentaram a maior queda, de 53,5%, comparando-se com o valor apresentado antes do início do tratamento, coincidindo com dados dos trabalhos de Yang et al.(6) e Zachariah et al.(14), nos quais a queda observada variou de 51% a 67%. Os leucócitos mostraram queda de 26,8%, que se encontra dentro dos valores de redução visto nesses trabalhos, nos quais a diminuição observada foi de 14% a 30%. No estudo dos neutrófilos, a queda foi de 19,4%, e esses autores relataram redução nos neutrófilos entre 14% e 28%. Foi encontrada redução de 22,2% nos monócitos, mas o valor da queda de monócitos não é citado por esses autores. As plaquetas caíram em 14,6%, o que coincide com o percentual de 12%, descrito nos estudos realizados por Stutz e Slawson(11) , Ampil et al.(12), Yang et al.(6), Blank et al.(13) e Zachariah et al.(14). Os dados encontrados no presente trabalho, assim como os da literatura, demonstraram que os linfócitos são as células sanguíneas periféricas mais sensíveis à irradiação. O maior percentual de queda das células sanguíneas periféricas ocorreu na quarta semana de tratamento, quando comparado aos valores antes do início da radioterapia. Este achado também foi encontrado por Zachariah et al.(14), estudando 299 pacientes portadores de câncer das áreas de cabeça e pescoço, tórax e pelve tratados com radioterapia externa convencional, demonstrando a maior queda na contagem das células sanguíneas periféricas após a terceira semana do início de tratamento. Diferentemente, Yang et al.(6), estudando 117 pacientes com câncer das áreas de cabeça e pescoço, tórax e pelve tratados com radioterapia externa convencional, verificaram que a maior queda na contagem das células sanguíneas periféricas ocorreu na primeira semana do início do tratamento. O período do início da queda na contagem das células sanguíneas periféricas, em pacientes tratados com radioterapia externa convencional, tem sido relatado ocorrer nas primeiras semanas do início da radioterapia(11,15,16). Além da análise da contagem das células sanguíneas periféricas durante o tempo de tratamento, estudou-se também a relação entre a contagem das células sanguíneas periféricas e o sexo dos pacientes, não sendo observada variação estatisticamente significante das médias geométricas do número dessas células. Na análise da contagem das células sanguíneas periféricas em relação à faixa etária também não houve variação estatisticamente significante das médias geométricas do número das células sanguíneas periféricas, corroborando os achados descritos por Yang et al.(6). Analisando as alterações na contagem das células sanguíneas periféricas em relação à área tratada, foi encontrada maior queda nas médias geométricas do número de leucócitos totais, neutrófilos e linfócitos quando a área tratada foi a pelve, seguida pelo tórax e cabeça e pescoço, o que pode ser justificado pela quantidade de medula óssea das respectivas áreas(17). Yang et al.(6) recomendam a realização de hemograma antes do início da radioterapia e na primeira semana depois de iniciado o tratamento. Já Zachariah et al.(14) recomendam a realização do hemograma antes do início do tratamento e nas primeira e terceira semanas depois de iniciada a radioterapia. Os dados do presente trabalho sugerem que o leucograma e a contagem de plaquetas devem ser solicitados antes do início da radioterapia, e que poderia ser solicitado um novo exame na quarta semana após iniciado o tratamento.
CONCLUSÃO A maior queda na contagem dos leucócitos e plaquetas ocorreu a partir da terceira semana e, principalmente, na quarta semana após iniciada a radioterapia. A monitoração semanal pela contagem dos leucócitos e plaquetas dos pacientes portadores de câncer submetidos a radioterapia externa convencional não parece ser necessária. A solicitação de leucócitos e plaquetas, antes do início da radioterapia e na quarta semana durante o tratamento, é recomendada.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 27/2/2006. Aceito, após revisão, em 7/5/2007.
* Trabalho realizado no Instituto de Radioterapia Waldemir Miranda, Recife, PE, Brasil. |