ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Augusto Elias Mamere, Rafael Darahem Souza Coelho, Alexandre Oliveira Cecin, Leonir Terezinha Feltrin, Fabiano Rubião Lucchesi, Marco Antônio Lopes Pinheiro, Ana Karina Nascimento Borges, Gustavo Fabene Garcia, Daniel Seabra |
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Descritores: Fístula urinária, Fístula vesicovaginal, Técnicas de diagnóstico urológico, Ressonância magnética, Fístula vaginal - diagnóstico |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Vários tipos de fístulas pélvicas já foram descritas, tais como vesicovaginal, vesicouterina, vesicoentérica, ureterovaginal, ureteroentérica, enterovaginal e retovaginal, que são secundárias a cirurgias ou a doenças pélvicas(13). Por causa da proximidade dos órgãos pélvicos, a maioria das fístulas ocorre nesta região(1). As principais causas de fístulas pélvicas são: procedimentos cirúrgicos ou obstétricos, tumores malignos, radioterapia, infecções pélvicas, trauma e doenças inflamatórias intestinais(2,4,5). As vesicovaginais e ureterovaginais estão entre os mais freqüentes tipos de fístulas. O fator predisponente mais comum para a ocorrência da fístula vesicovaginal é o câncer de colo uterino tratado com radioterapia, numa incidência descrita que varia de 1% a 10%(6). As fístulas ureterovaginais ocorrem mais freqüentemente após cirurgias ginecológicas ou obstétricas, sendo geralmente seqüela de lesão iatrogênica do ureter, mas também podem surgir após radioterapia pélvica(1). Esses subtipos de fístulas do trato urinário inferior feminino (vesicovaginal e ureterovaginal) promovem angústia social e psicológica e, freqüentemente, representam um problema terapêutico para o cirurgião(7), principalmente quando ocorrem após radioterapia, em que estão associadas a comprometimento do suprimento vascular e dificuldade de regeneração e cicatrização do tecido irradiado(8). Pacientes com fístulas ureterovaginal ou vesicovaginal apresentam, como principal sintoma, a saída contínua e involuntária de urina pela vagina(1,7), com algum antecedente de cirurgia ou de doença pélvica. Hematúria, infeções urinárias ou dermatite perineal podem estar associadas(1,2). Vários procedimentos podem ser utilizados para diagnosticar essas fístulas, incluindo cistoscopia, vaginoscopia, urografia excretora, cistografia, vaginografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética(1,4). A ressonância magnética é método que permite diagnosticar e identificar o trajeto da fístula, e avaliar, mediante cortes em diferentes planos, as alterações que eventualmente possam coexistir nas estruturas pélvicas adjacentes, permitindo um planejamento adequado do tratamento cirúrgico. As imagens da urografia por ressonância magnética permitem uma visão global de todo o trato urinário, de modo não-invasivo, sem a necessidade de administração de contraste e sem radiação ionizante. Na revisão da literatura médica, encontramos poucos estudos com a utilização da ressonância magnética para o diagnóstico e avaliação de fístulas urogenitais(15). Todos esses estudos avaliaram as pacientes apenas com a utilização dos cortes axiais e sagitais em seqüências convencionais e não realizaram nenhuma seqüência de urorressonância. Este trabalho tem o objetivo de demonstrar o potencial e a aplicabilidade da urorressonância no diagnóstico das fístulas vesicovaginais e ureterovaginais e na visualização dos seus trajetos.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram analisados, retrospectivamente, os prontuários e as imagens radiológicas e de urorressonância de sete pacientes do sexo feminino com diagnóstico de fístula vesicovaginal ou ureterovaginal. Os perfis clínico-patológicos dessas pacientes estão resumidos na Tabela 1.
Os exames de ressonância magnética foram feitos em equipamento supercondutor com campo magnético de 1,5 tesla (modelo Magnetom Symphony, Siemens®; Erlangen, Alemanha), com amplitude de gradiente de 30 mT/m e utilizando bobina de superfície. Furosemide (10 mg) foi administrado, por via endovenosa, 30 minutos antes do início do exame em todas as pacientes. Para a urorressonância foram realizadas seqüências tridimensionais half-Fourier acquisition single-shot turbo spin echo (3D-HASTE), ponderadas em T2, com saturação da gordura, com tempo de repetição (TR) de 2.800 ms, tempo de eco (TE) de 1.080 ms, matriz de 512, com tempo de aquisição de 2,0 s e com espessura do bloco (slab) variando de 7 cm a 10 cm para incluir toda a via urinária e a bexiga, com variadas angulações em relação ao eixo transversal, para se obter visões anteriores, laterais (sagitais) e oblíquas. A aquisição foi feita durante uma inspiração mantida, bem suportada por todas as pacientes em virtude do seu curto tempo de aquisição (2,0 s). Esta seqüência é a mesma usada para a realização de colangiorressonância. No exame das pacientes 2 e 5 foi realizada apenas a seqüência para urorressonância, e no exame das demais pacientes, além da urorressonância, foram também realizadas seqüências convencionais turbo spin echo (TSE) nos planos sagital, axial e coronal para avaliação das estruturas pélvicas. O exame das pacientes 4 e 6 também incluiu seqüências convencionais TSE ponderadas em T1 antes e após a administração endovenosa de contraste (gadolínio). Os laudos dos exames de cistoscopia, as imagens de urografia excretora e de cistografia das pacientes também foram revisados e utilizados para comparação.
RESULTADOS Seis pacientes apresentavam fístula vesicovaginal (pacientes 1, 2, 4, 5, 6 e 7 na Tabela 1); na paciente 3 foi diagnosticada fístula ureterovaginal à direita. A visualização do trajeto fistuloso nas imagens de urorressonância foi possível em cinco (pacientes 1, 2, 5, 6 e 7 Tabela 1) das seis pacientes com diagnóstico de fístula vesicovaginal. As pacientes 1 e 6 realizaram somente este exame (Figura 1) e as pacientes 2, 5 e 7, além da urorressonância, realizaram cistografia (Figuras 2 e 3).
O trajeto da fístula vesicovaginal na paciente 4 não pôde ser visualizado nem na urorressonância e nem nas imagens convencionais da ressonância magnética. Todavia, após a administração de contraste paramagnético por via endovenosa, foi possível detectar contraste na cavidade vaginal nas seqüências realizadas tardiamente após sua excreção renal, permitindo o diagnóstico de fístula urogenital, mas sem a visualização do seu trajeto. Nesta paciente, o trajeto da fístula também não foi demonstrado nem pela cistografia e nem pela urografia excretora, sendo que o orifício da fístula foi visto apenas na cistoscopia. Nas pacientes 1, 2 e 6, o orifício da fístula vesicovaginal também foi visualizado durante exame de cistoscopia. As imagens da urorressonância da paciente 3 demonstraram a fístula ureterovaginal à direita (Figura 4). Esta paciente também havia realizado urografia excretora, pela qual não foi possível o diagnóstico adequado desta fístula.
Adicionalmente, a paciente 4 apresentava hipotrofia renal à direita, e as pacientes 2, 3 e 5 apresentavam hidronefrose bilateral. A paciente 5 tinha antecedente de cirurgia ureteral bilateral (uretero-íleo-vesicoplastia), a qual também pôde ser adequadamente demonstrada pela urorressonância (Figura 3).
DISCUSSÃO As fístulas vesicovaginais e ureterovaginais são complicações incomuns secundárias a doenças inflamatórias, a neoplasias, a radioterapia ou a cirurgias pélvicas, que geram problemas psicossociais graves às pacientes acometidas(7). O sucesso das estratégias terapêuticas depende de uma adequada avaliação pré-operatória para o diagnóstico e para a visualização do trajeto da fístula. Classicamente, os exames de imagem para a avaliação dessas fístulas incluem a urografia excretora, a cistografia e a vaginografia(1). Nos últimos anos, tem sido descrita a utilização cada vez mais freqüente da urografia por tomografia computadorizada helicoidal e por ressonância magnética para a avaliação do aparelho urinário. Esses métodos permitem, além da demonstração das anomalias do trato urinário, a visualização das estruturas abdominais e pélvicas adjacentes com a utilização das imagens convencionais. A urografia excretora e a urografia por tomografia computadorizada helicoidal têm as desvantagens da aplicação endovenosa de contraste iodado e da utilização de radiação ionizante. Por isso, a ressonância magnética representa uma técnica de imagem adequada para crianças, para mulheres grávidas e para pacientes com contra-indicação para a utilização de contraste iodado, como antecedente de reação alérgica, cardiopatia grave, asma ou insuficiência renal(9). A urorressonância permite a aquisição de imagens com qualidade diagnóstica, que vem sendo constantemente melhorada com o desenvolvimento de seqüências tecnicamente mais sofisticadas e com tempos de aquisição cada vez mais curtos(10). Atualmente, este exame pode ser feito utilizando duas técnicas: uma sem a administração de contraste, baseada em seqüências fortemente ponderadas em T2 (seqüências "hidrográficas"), e a outra com a injeção intravenosa de contraste paramagnético (gadolínio), por meio de seqüências ponderadas em T1, que demonstram a excreção do contraste(11). A seqüência para urorressonância ponderada em T2 já foi demonstrada como sendo uma excelente técnica para a visualização do trato urinário dilatado, mesmo na ausência de excreção renal (insuficiência renal grave). A seqüência ponderada em T1 com a administração intravenosa de gadolínio revela a função excretória dos rins e demonstra o fluxo da urina pelo trato urinário até a bexiga(12). Ambas as técnicas de urorressonância podem ser combinadas, se necessário(13). Essas técnicas têm sido utilizadas para o estudo de anomalias congênitas do aparelho urinário, e na avaliação de hidronefrose e uropatias obstrutivas(10,11,1420). Com a utilização da urorressonância, foi possível a demonstração do trajeto das fístulas urogenitais em seis das sete pacientes avaliadas neste estudo (85,7%), sem a necessidade de sondagem vesical ou de injeção de contraste. Os trajetos das fístulas vesicovaginais das pacientes 2, 5 e 7 foram apropriadamente demonstrados pela urorressonância e, inclusive, as imagens deste exame tinham uma perfeita correlação com as da cistografia. Nas pacientes 1 e 6, os trajetos das fístulas foram também adequadamente demonstrados na urorressonância e os seus orifícios foram visualizados à cistoscopia, em concordância com o diagnóstico clínico, apesar da correlação com a cistografia não estar disponível. O trajeto da fístula da paciente 4 não foi demonstrado pela urorressonância, mas também não pôde ser visualizado na cistografia, provavelmente por ser uma fístula de calibre muito fino e de baixo débito. Portanto, em quatro das pacientes com fístula vesicovaginal incluídas neste estudo houve concordância total entre os achados das imagens da urorressonância e da cistografia, e nos dois casos restantes, sem estudo radiológico, também houve concordância entre a urorressonância e o diagnóstico clínico de fístula urogenital. Na única paciente avaliada com fístula ureterovaginal, o trajeto pôde ser bem visualizado nas seqüências de urorressonância, confirmado pelas imagens das seqüências TSE convencionais, apesar de não ter sido adequadamente visualizado na urografia excretora. Assim sendo, as imagens da ressonância magnética foram decisivas para o diagnóstico nessa paciente. Apesar de ser possível diagnosticar fístulas urogenitais em imagens convencionais de ressonância magnética, com seqüências de cortes finos e multiplanares, a seqüência 3D-HASTE para urorressonância permite a aquisição de imagens muito semelhantes às que os clínicos e cirurgiões estão acostumados a ver nos exames radiográficos convencionais (urografia excretora, cistografia e pielografia), com ampla visualização de todo o trato urinário, de modo não-invasivo, rápido e seguro.
CONCLUSÃO Considerando que a fístula urogenital é uma enfermidade pouco freqüente, o número de pacientes avaliadas no presente estudo é insuficiente para determinar a sensibilidade, a especificidade e a acurácia deste método diagnóstico, sendo necessária a realização de estudos subseqüentes controlados e com amostragem maior. Entretanto, as imagens obtidas neste estudo demonstram a capacidade potencial e a aplicabilidade da urorressonância na avaliação dessas fístulas.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 23/1/2007. Aceito, após revisão, em 13/7/2007.
* Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem do Hospital de Câncer de Barretos Fundação Pio XII, Barretos, SP, Brasil. |