ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Fábio Augusto Cozzolino, Abrão Rapoport, Sérgio Altino Franzi, Ricardo Pires de Souza, Clemente Augusto de Brito Pereira, Rogério Aparecido Dedivitis |
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Descritores: Ressonância magnética, Articulação temporomandibular, Distúrbios |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Os desarranjos internos da articulação temporomandibular (ATM) determinam quadros dolorosos e disfunções mandibulares, bem como sintomas que acometem primariamente os tecidos moles dessa articulação e o posicionamento do disco articular. Dessa forma, a imagem traz grande contribuição para o diagnóstico final e avaliação terapêutica. As técnicas radiográficas convencionais (panorâmicas, transcranianas) e especiais para ATM (artrografias, artrotomografias, tomografias convencionais e computadorizadas) possuem limitações devido a localização, composição, complexidade e tamanho da articulação, além do grau de irradiação ionizante a que o paciente é exposto. A ressonância magnética (RM) veio revolucionar o diagnóstico e o tratamento das disfunções temporomandibulares (DTMs), por proporcionar imagens multiplanares de alta precisão dos tecidos duros e moles da ATM, sem mudar o paciente de posição e sem a utilização de irradiação ionizante. A RM tem sido o exame de imagem de primeira escolha para o diagnóstico das anormalidades de tecido mole da ATM, pois apresenta alta acurácia na determinação da posição do disco articular(1). Nosso objetivo foi verificar a relação entre sinais e sintomas observados no exame clínico de pacientes com diagnóstico de DTM, conforme os resultados fornecidos pelo exame de RM.
MATERIAIS E MÉTODOS Neste estudo retrospectivo foram admitidos 30 pacientes que procuraram o Serviço de Odontologia da Universidade Cruzeiro do Sul, com diagnóstico de DTM, no período de janeiro de 2002 a janeiro de 2006. Esse projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Cruzeiro do Sul, sob o protocolo nº 036/05. Os critérios de inclusão foram pacientes com DTM com quadro de cefaléia, dor auricular e pré-auricular e orofacial. Os critérios de exclusão foram pacientes tratados previamente por cirurgia e menores de 18 anos de idade. Cada exame de RM de ATM foi interpretado, independentemente, por dois radiologistas experientes que, segundo os critérios estabelecidos por Nebbe et al.(2) (Tabela 1; Figuras 1 e 2), formularam laudos de diagnóstico. Quando houve discordância entre os laudos de diagnóstico, um resultado final foi decidido por consenso entre os radiologistas.
Os indicadores consistiam em um questionário proposto pela Academia Americana de Dor Orofacial Diretrizes para Classificação, Acesso e Tratamento da Disfunção Temporomandibular(3). A queixa principal foi obtida por meio de entrevista, como parte inicial do exame clínico. A seguir, por meio de palpação bilateral, foi verificada a presença de dor articular, lateral e posterior à cápsula, e realizada a ausculta para verificação de ruídos articulares (estalos e crepitação). A presença de dor muscular foi avaliada por palpação bilateral dos seguintes músculos ou regiões: masseter superficial, masseter profundo, temporal anterior, temporal posterior, região frontal, região de vértex, cervicais posteriores, digástrico e esternocleidomastóideo, por via extrabucal; e inserção do temporal, pterigóideo medial e pterigóideo lateral, por via intrabucal. Segundo estudos anteriores(46), os sons articulares da ATM são: estalo ou estalido é um breve barulho que ocorre em alguns pontos durante a abertura, fechamento ou lateralidade; e crepitação é um som de rangido de tal forma que seja perceptível fracamente, sugestivo de esclerose subcondral. Os exames de RM foram realizados em um aparelho Gyroscan ACS-NT, 1,5 tesla (Philips Co.; Amsterdam, Holanda). Foram realizados 12 cortes de 3 mm de espessura com bobina de superfície, em orientação coronal, em seqüência T1 (400/20 ms, FOV = 19 cm), em posição de boca fechada, cortes sagitais em posição de boca aberta e fechada, em seqüências T1 (400/20 ms, FOV = 19 cm) e T2 (2.670/15 ms, FOV = 19 cm), e em abertura e fechamento progressivos (três posições aberturas máxima e intermediária e boca fechada), com intervalo de 5 mm e flip de 30° para que se pudesse utilizar o efeito "cine", na tentativa de reproduzir toda a extensão do movimento mandibular e proporcionar imagens dinâmicas gravadas em vídeo. Todas as imagens foram obtidas com o paciente em decúbito dorsal. Foi realizada estatística descritiva dos dados obtidos com relação a gênero e faixa etária, dor facial, sons articulares e posição do disco articular na RM. Com o objetivo de estabelecer a relação entre a RM, a dor facial e os sons articulares, foram realizadas as interações segundo o diagnóstico clínico versus RM, dos lados direito e esquerdo, respectivamente. A significância estatística entre a análise clínica dos pacientes com DTM e os resultados obtidos no exame de RM foi avaliada por meio do teste kappa, que determinou o nível de correlação.
RESULTADOS Observou-se predominância do gênero feminino (24 pacientes), com proporção de 3,2:1 em relação ao masculino, e maior ocorrência na faixa etária de 18 a 29 anos, com 41,7% do total de pacientes. Quanto ao quadro doloroso, 14 (46,7%) pacientes apresentavam dor bilateral, 4 (13,3%), dor à direita, 3 (10,0%), dor à esquerda e 9 (30,0%) não referiam dor. Quanto à presença ou ausência de ruídos articulares nos pacientes, o lado direito foi acometido em 7 (23,3%), o esquerdo em 7 (23,3%), bilateralmente em 6 (20,0%) e ausência em 10 (33,3%). Para os diferentes sons articulares, no lado esquerdo houve estalo em 12 (40,0%) pacientes, crepitação em 1 (3,3%) e ausência em 17 (56,7%). No lado direito, estalo foi diagnosticado em 12 (40,0%) pacientes, crepitação em 1 (3,3%) e ausência em 17 (56,7%). A Tabela 2 mostra a freqüência de alterações articulares e a distribuição com relação ao lado do paciente, de acordo com os laudos obtidos nas RMs.
As Tabelas 3 e 4 apresentam a freqüência das alterações articulares e a incidência de cada tipo de alteração, de acordo com os laudos das RMs nos lados esquerdo e direito.
A Tabela 5 apresenta a relação entre o diagnóstico clínico de luxação do lado esquerdo e o diagnóstico do exame de RM no lado esquerdo, enquanto os achados à direita são apresentados na Tabela 6.
DISCUSSÃO Procuramos conjugar o uso da RM, que, como já foi dito, é o exame de imagem mais indicado para a avaliação da ATM e seus componentes, com o uso de um questionário clínico. A RM é considerada um dos melhores exames para a pesquisa do funcionamento da ATM, pois, além de ser método não-invasivo e sem efeitos colaterais, tem boa fidelidade, chegando a ser comparada às artrografias no que se refere à visão de estruturas em funcionamento. Contudo, a associação do exame clínico com o de imagem é fundamental para um correto diagnóstico e prognóstico das DTMs(4). Os dados coletados por meio da anamnese e do exame clínico dos pacientes são a base para o estabelecimento de um diagnóstico correto das DTMs(7). Há grande concordância entre os observadores na avaliação da ATM pela RM, o que torna esse exame um instrumento de grande aceitação e credibilidade(812). Muitas vezes, os clínicos não conhecem a verdadeira natureza das DTMs de que tratam, pois somente se baseiam em dados clínicos para o estabelecimento do diagnóstico(13). Todavia, os profissionais devem ter conhecimento da imagem para recomendá-la e interpretá-la. A predominância do gênero feminino, verificada neste grupo, está consoante ao demonstrado em outros estudos sobre DTMs(14), que avaliaram 73 pacientes (56 mulheres e 17 homens). Avaliamos pacientes segundo a distribuição da dor facial e observamos que a dor mais comum ocorria em ambos os lados, com 14 pacientes (46,7%), dados concordantes descritos em casuísticas de disfunção de ATM(15). Em estudo sobre as alterações morfológicas do processo estilóide em pacientes com DTM, estas foram encontradas em 74 pacientes do gênero feminino e em 9 do gênero masculino, concentrados na faixa etária dos 41 aos 50 anos (32,5%)(16). Realizando uma análise descritiva, verificamos que a presença de estalo foi o achado clínico mais comum 20 casos (63,3%), sendo 14 (46,6%) unilaterais e 6 (20%) bilaterais , enquanto outros(17), estudando 98 pacientes, observaram que 60% possuíam sons unilaterais e 40% possuíam sons bilaterais. Na Tabela 2 verificamos que as alterações articulares ocorrem, em maior número, em ambos os lados, num total de 13, resultado semelhante ao de outro estudo(18). Verificamos que 34 articulações (70%) apresentaram algum tipo de alteração no resultado da RM, sendo que a alteração que mais se apresentou foi a luxação anterior com redução leve, com 19 casos (Tabelas 3 e 4). Em outro estudo(19) observou-se que 37,3% dos pacientes tiveram diagnóstico de luxação discal leve pela RM, enquanto 74,4% apresentaram luxação discal severa. Quando fizemos as interações entre o diagnóstico pela RM do lado direito e o diagnóstico clínico de luxação do mesmo lado (Tabelas 5 e 6), observamos que 12 (100%) pacientes tiveram o diagnóstico do exame de RM normal, e destes, 9 (83,3%) tiveram o diagnóstico clínico de luxação. Do mesmo lado, 18 (100%) pacientes tiveram o diagnóstico de luxação pela RM, e destes, 15 (83,3%) tiveram diagnóstico clínico de luxação. Obtivemos concordância bruta do lado direito de 56,7% (kappa = 0; p = 1). Do lado esquerdo, observamos que de 14 (100%) pacientes que apresentaram RM normal, 10 (71,4%) tiveram o diagnóstico clínico de luxação e que de 16 (100%) pacientes que tiveram o resultado da RM positivo para luxação, 13 (81,3%) tiveram o diagnóstico clínico de luxação. A concordância bruta do lado esquerdo foi de 56,7% (kappa = 0,1; p = 0,526). Resultados semelhantes foram obtidos em 46 pacientes com luxação discal com redução, comparando com o exame clínico, ocorrendo concordância bruta de 40,7 e kappa = 0,2(20). Com esses resultados, verificamos que a imagem de RM não significa a presença de sintomas dolorosos e vice-versa. A dor é algo extremamente individual, cujo limiar pode variar bastante entre os pacientes, e seu tipo e localização podem significar fatores etiológicos distintos. No caso das DTMs, vários fatores contribuem para a dor. Entretanto, foi encontrada alta prevalência de pacientes sem sintomas e com deslocamentos do disco com e sem redução (33%). Mas os pacientes sintomáticos são mais numerosos e representam até 77% da ocorrência de deslocamento(21,22). Em nosso estudo, observamos alta prevalência de pacientes com sintomas para DTM (19 articulações) que não apresentavam alterações na RM. Observando individualmente os exames de RM, pudemos encontrar as seguintes situações: pacientes que apresentavam estalo e que, à RM, mostraram-se com o disco em posição normal, sem deslocamento; e pacientes que apresentaram estalos e que, à RM, mostraram-se com o disco em posição de deslocamento anterior sem e com redução. Em outra série, não se detectou correlação entre o grau de deslocamento do disco e a dor à palpação dos músculos mastigatórios, ruídos ou achados oclusais(23), nem relação entre a severidade dos sintomas com o grau de deslocamento do disco(24). Contudo, outra série mostra significante relação entre a imagem de RM e o exame clínico(25). Outro estudo com pacientes e RM(26) correlacionou estalos em 36% das ATMs com posição normal do disco e em 82% das ATMs com deslocamento com redução, concluindo-se que o diagnóstico clínico de estalos não pode ser utilizado como regra para a determinação da presença e do tipo de deslocamento existente. O estalo não deve ser considerado sinal patognomônico desse deslocamento, pois foi observado que é o sinal mais freqüente em pacientes com suspeita de deslocamento do disco, mas foi encontrado apenas em 53% desses pacientes e apenas 7% de crepitação(27). Em nosso estudo, notamos que os sinais clínicos, estalos ou crepitação não são suficientes para se diagnosticar algum tipo de alteração discal.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 20/12/2006. Aceito, após revisão, em 4/6/2007.
* Trabalho realizado no Hospital Heliópolis (Hosphel), São Paulo, SP, Brasil. |