ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Bruno Amim, Heron Werner Jr., Pedro Augusto Daltro, Erika Antunes, Tatiana Fazecas, Leise Rodrigues, Fernando Guerra, Edson Marchiori, Emerson Leandro Gasparetto, Romeu Côrtes Domingues |
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Descritores: Feto, Hérnia diafragmática congênita, Ultra-sonografia, Ressonância magnética |
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Resumo: VMédicas Radiologistas da Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
INTRODUÇÃO A hérnia diafragmática congênita (HDC) é um defeito de desenvolvimento do diafragma póstero-lateral que ocorre em torno da nona semana de gestação, com herniação de vísceras abdominais para o interior do tórax. Sua incidência é de cerca de 1 em 3.000 a 4.000 nascidos vivos, sendo uma das causas mais comuns de morbidade e mortalidade neonatais(13). Sua etiologia é desconhecida, mas um terço dos casos está associado a anomalias cromossômicas ou malformações anatômicas(3). A morbidade e a mortalidade estão relacionadas à hipoplasia pulmonar, resultante de compressão mecânica nos pulmões em desenvolvimento(4), e à presença de herniação hepática. Entretanto, existem estudos mostrando que a hipoplasia pulmonar seria um defeito primário associado à HDC(5). O diagnóstico pré-natal da HDC é feito pela ultra-sonografia (US). Todavia, em alguns casos, esta fica limitada devido a artefatos oriundos de posição fetal inadequada, ou por limitações outras como obesidade materna ou operador insuficientemente treinado(6,7). O diagnóstico eficaz é de grande importância, principalmente em centros que adotam terapêutica intra-uterina por meio da oclusão traqueal, com a finalidade de aumentar a pressão broncoalveolar, levando ao aumento do volume pulmonar(2). Assim, com a necessidade de um diagnóstico preciso, a ressonância magnética (RM) vem em auxílio da US para confirmar o diagnóstico e ajudar na avaliação do prognóstico fetal(8,9). O advento de novas técnicas de RM possibilitou um melhor estudo do feto, uma vez que a realização de seqüências mais rápidas permitiu a aquisição de imagens durante uma única pausa respiratória da mãe, o que diminuiu os artefatos causados pela movimentação fetal e eliminou a necessidade de sedação(1012). Em virtude de maior resolução e contraste da RM em relação à US, torna-se mais fácil avaliar o grau da lesão diafragmática, quais as vísceras herniadas e o grau de maturidade pulmonar(11,12). O objetivo deste trabalho foi demonstrar a significância dos achados da RM e da US na caracterização em 14 casos de diagnóstico pré-natal de HDC.
MATERIAIS E MÉTODOS O estudo foi realizado na Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI), Rio de Janeiro, RJ, no período entre julho de 1999 e fevereiro de 2007, com pacientes provenientes do Instituto Fernandes Figueira e de consultórios particulares. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da instituição, e todas as pacientes assinaram consentimento informado padrão. Foram avaliadas 14 gestantes com idade entre 20 e 37 anos (idade média de 29,5 anos), as quais haviam realizado US obstétrica entre a 13ª e 26ª semanas de gestação (média de 22,3 semanas), que sugeriu o diagnóstico de HDC, sendo solicitada a RM para elucidação diagnóstica. Cada paciente preencheu um questionário padrão do serviço de RM, o qual informava sobre possíveis contra-indicações ao exame, e foi esclarecida pelo médico sobre o procedimento do exame. Foi realizado o exame de RM, que depois foi complementado com a US. Os exames de RM foram realizados entre a 26ª e 36ª semanas de gestação (média de 28,7 semanas), com aparelhos Magnetom Avanto e Magnetom Vision de 1,5 tesla (Siemens; Alemanha). Utilizou-se bobina de superfície posicionada sobre o abdome da gestante. Foram realizadas seqüências pesadas em T2 HASTE (tempo de repetição (TR) = 1.000 ms e tempo de eco (TE) = 8587 ms; field of view (FoV) = 250380 mm; matriz = 256 × 112256 mm) no plano axial, coronal e sagital do feto, e pesadas em T1 (TR = 201 ms e TE = 4,72 ms; FoV = 250400 mm; matriz 256 × 90256 mm), com cortes de 3,0 mm a 7,0 mm. A seguir as pacientes foram submetidas a exames de US, realizados com aparelhos Logic 500 e Voluson 730 (General Electric; EUA), com transdutores de 3,5 MHz e 5,0 MHz e volumétrico (3D e 4D). Todos os exames de US e RM foram revisados de forma independente por dois radiologistas experientes, os quais definiram por consenso quais vísceras estavam herniadas e em qual grau isto ocorria. No exame ultra-sonográfico, avaliou-se a integridade do diafragma pela observação do estômago no interior da cavidade torácica, causando desvio do mediastino e redução do volume pulmonar. Foi utilizado o Doppler colorido para visualizar o fluxo sanguíneo das veias supra-hepáticas e porta, de modo a identificar a presença ou não do fígado no tórax. No exame de RM, o estômago foi identificado como estrutura hiperintensa nas seqüências pesadas em T2, e as alças intestinais, como estruturas serpiginosas com intensidade de sinal variável (em função da presença ou não de mecônio). Nas seqüências pesadas em T1 foi determinada a posição do fígado, sendo definido se estava ou não herniado. Além disso, todas as pacientes foram acompanhadas em relação ao seguimento da gestação e da evolução pós-natal. Todas as gestações foram interrompidas entre a 37ª e 38ª semanas (média de 37,6 semanas). Três gestações chegaram ao término por parto vaginal e 11, por cesariana. Os fetos apresentaram peso médio ao nascimento de 2.933 g (1.919 g a 3.520 g).
RESULTADOS Entre os 14 fetos estudados, 12 tinham hérnia diafragmática esquerda (HDE) e dois, hérnia diafragmática direita (HDD). O fígado fetal foi localizado no interior do tórax de oito fetos pela RM (seis com HDE e dois com HDD) e de cinco fetos pela US (três com HDE e dois de HDD) (Figura 1). A presença de estômago e alças do intestino delgado dentro da cavidade torácica, causando desvio do mediastino para a direita, foi vista em todos os 12 fetos portadores de HDE, tanto pelo exame ultra-sonográfico quanto pela RM (Figuras 2 a 4). Discreto desvio mediastinal para a esquerda também foi observado, em ambos os métodos de imagem, nos dois casos de HDD. Detectou-se, ainda, deslocamento cranial do rim esquerdo em um feto com HDE. Tal aspecto foi observado tanto na US quanto na RM. Polidramnia foi encontrada tanto pela US quanto pela RM em cinco gestações (três com fetos com HDE e nos dois casos de HDD). Um feto (com HDD) apresentou microftalmia, que foi mais bem visualizada no exame de US. Um outro feto (com HDE) mostrou hipoplasia do vérmis cerebelar, que foi detectada na US e na RM, e malformação cardíaca tipo comunicação interventricular, observada apenas na US. Ocorreu um caso de imperfuração anal, que não foi detectada nem na US, nem na RM. Houve dois casos com alteração do cariótipo um feto era portador de trissomia do 18 (46, XX + 18) e o outro tinha cariótipo 46, X, der (X), t (X,Y) (p22.3;q12). Dos 14 fetos estudados, seis (42,8%) cinco com HDE e um com HDD evoluíram para o óbito pós-natal, sendo dois deles após cirurgia para correção da hérnia. Oito fetos (57,1%) sobreviveram após cirurgia (sete com HDE e um com HDD). Destes sete fetos com HDE que sobreviveram, seis apresentavam o fígado em sua topografia habitual, comprovando a importância da herniação hepática no prognóstico fetal. Das oito crianças vivas, seis chegaram à idade de sete meses, sendo identificado refluxo gastroesofágico em quatro (três com correção de HDE e um com HDD) e pneumonia em três (dois com correção de HDE e um com HDD). Em uma das crianças havia relato de retardo no desenvolvimento neurológico, além de importante déficit visual.
DISCUSSÃO As HDCs são resultantes de falha na formação do diafragma, em razão de um defeito no fechamento do canal pleuroperitoneal entre a 9ª e a 10ª semanas de gestação(4). Neste período, a cavidade peritoneal é pequena e o intestino encontra-se fisiologicamente herniado através do cordão umbilical. Se a muscularização dos canais peritoneais não ocorrer no retorno do intestino para a cavidade abdominal, as vísceras podem se deslocar para o tórax, devido ao limitado espaço intra-abdominal(4). Assim, nos fetos portadores de HDC, os brônquios estão presentes, mas os bronquíolos estão reduzidos. O número de alvéolos por ácinos está normal, mas o número absoluto de alvéolos está reduzido por causa do número inferior de divisões bronquiolares. O leito vascular também está alterado, com uma redução substancial no número de vasos e importante hiperplasia muscular. O prognóstico de uma criança portadora de HDC vai estar diretamente relacionado com o grau de hipoplasia pulmonar, este estando associado com o período com que a herniação se instalou por completo(4). O diagnóstico pré-natal de HDC por meio da US é sugerido ao demonstrar-se a presença do estômago no interior do tórax fetal(3). Pode-se observar também desvio cardiomediastinal e a presença de ramos da veia porta esquerda ao nível ou acima do diafragma, indicando a herniação do fígado no tórax fetal(13). A RM mostra nitidamente o estômago e as alças intestinais no hemitórax esquerdo, principalmente nas seqüências pesadas em T2(7,8,14). Quanto ao fígado herniado, este é mais visível nas seqüências pesadas em T1. O estômago é visualizado como estrutura de intensidade de sinal alta nas seqüências pesadas em T2 e com baixa intensidade de sinal nas seqüências pesadas em T1. As alças intestinais se apresentam como estruturas serpiginosas com alto ou baixo sinal nas seqüências pesadas em T2 e T1. Esta variação está na presença ou não de mecônio(7,8). O desvio cardiomediastinal para a direita, com conseqüente compressão pulmonar, é mais bem visualizado no plano axial. O parênquima pulmonar pode ser facilmente visualizado nas seqüências pesadas em T2, como uma estrutura com hipersinal, em virtude do seu grande conteúdo de líquido. Em 57% a 86% das HDEs existe herniação de parte do parênquima hepático (liver-up)(3). Na RM, o fígado tem intensidade alta de sinal nas seqüências pesadas em T1 e baixa em T2. Assim, a RM passa a ter grande importância na avaliação do prognóstico fetal, pois a presença ou não de parte do fígado no interior do tórax corresponde a uma taxa de mortalidade de 57% e 7%, respectivamente(3). No plano axial o fígado herniado pode ser facilmente visualizado anteriormente ao estômago. Este também pode ser visto no interior do tórax no plano coronal, tanto nas seqüências pesadas em T2 como nas em T1. O volvo gástrico também pode ser identificado no interior do tórax fetal, quando a maior curvatura do estômago estiver superior à pequena curvatura(3). A HDD corresponde a 12% de todas as HDCs(3,15). O fígado está no interior do tórax em todos os casos, comprimindo a área cardíaca no hemitórax esquerdo. Um deslocamento de alças intestinais para o hemitórax direito é menos freqüente. A taxa de mortalidade deste tipo de hérnia está em torno de 80%(3,15). Pode ainda haver presença de ascite e hidrotórax conseqüente à obstrução do pedículo hepático, levando ao mecanismo de Budd-Chiari, embora o edema cervical e cefálico possa ser oriundo de uma obstrução da veia cava superior(3). Os dois maiores indicadores de avaliação do prognóstico fetal são a detecção da herniação hepática, mais bem visualizada pela RM, e a maturidade pulmonar, que pode ser avaliada por meio da relação pulmão-circunferência cefálica (RPC) ou da intensidade de sinal do parênquima pulmonar. A RPC é obtida pelo exame ultra-sonográfico no plano axial, ao nível do corte das quatro câmaras cardíacas, entre as idades gestacionais de 24 e 26 semanas. Uma RPC inferior a 1,0 está associada a mortalidade de 100%, enquanto uma RPC superior a 1,4 está associada a bom prognóstico. Para as RPCs de valor entre 1,0 e 1,4, a mortalidade está em torno de 60%(9,16). No exame de RM, a alta intensidade homogênea do parênquima pulmonar fetal indica ausência de hipoplasia pulmonar, enquanto a baixa intensidade sugere o contrário(14). Neste estudo, parte do fígado fetal foi localizada no interior do tórax de oito fetos pela RM, sendo seis deles com HDE e dois com HDD. Assim, a RM complementou a US, que identificou a herniação hepática em cinco fetos (três com HDE e dois com HDD). A RM demonstrou possível hipoplasia pulmonar, pela dificuldade de identificação do parênquima pulmonar, em cinco fetos, sendo três deles com HDE e dois com HDD. Polidramnia acentuada foi identificada tanto pela US quanto pela RM em cinco casos, sendo dois deles com HDD e três com HDE (um destes portador de trissomia do 18). Neste grupo de fetos com polidramnia acentuada, apenas dois sobreviveram. A US avaliou melhor do que a RM a presença de microftalmia associada à HDD. O feto portador de trissomia do 18 apresentou, além da HDE, hipoplasia do vérmis cerebelar, visualizada tanto pela US quanto pela RM, além de comunicação interventricular, identificada pela US. Em conclusão, a US e a RM são métodos de imagem complementares na avaliação de pacientes com HDC. A RM tem grande importância como método complementar da US no diagnóstico e na avaliação do prognóstico da HDC, podendo identificar com facilidade a posição do fígado. Além disso, a RM não apresenta as dificuldades típicas da US, como posição fetal inadequada, degradação da imagem nos casos de obesidade materna e o fato do exame ser operador-dependente.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 8/5/2007. Aceito, após revisão, em 19/6/2007.
* Trabalho realizado na Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. |