Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 42 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2009

RELATO DE CASO
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Page(s) 63 to 65



Degeneração sarcomatosa de doença de Paget do calcâneo: relato de caso

Autho(rs): Simone Berwig Matiotti, Conrado Silva Tramunt, Rogério Dias Duarte, Rodrigo Dias Duarte, Wolmir Lourenço Duarte, Janine Bernardi Soder

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Texto em Português English Text

Descritores: Doença de Paget, Sarcoma, Degeneração sarcomatosa, Calcâneo, Osteitis deformans

Keywords: Paget's disease, Sarcoma, Sarcomatous degeneration, Calcaneus, Osteitis deformans

Resumo:
A degeneração maligna das lesões da doença de Paget é rara (cerca de 1% dos casos), sendo de mau prognóstico apesar do tratamento. Relatamos o caso de um paciente de 82 anos de idade, portador de doença de Paget há vários anos, em que se identificaram, nos exames de imagem, características de degeneração maligna no calcâneo, com anatomopatológico evidenciando degeneração sarcomatosa do osso.

Abstract:
Neoplastic degeneration in Paget's disease is a rare complication (approximately 1% of cases) and, despite the treatment, presents a poor prognosis. The authors report a case of a male, 82-year-old patient with long standing Paget's disease who presented imaging findings of malignant degeneration in the calcaneus histopathologically diagnosed as sarcomatous degeneration.

 

 

INTRODUÇÃO

A doença de Paget, descrita primeiramente por Sir James Paget em 1877 como osteitis deformans, caracteriza-se por achados de remodelagem óssea perturbada e extremamente ativa por ação osteoclástica e osteoblástica reativa, em um padrão mosaico peculiar(1,2).

A causa desta doença é desconhecida, sendo a teoria da etiologia viral a mais aceita, entre outras, como origem genética, distúrbio metabólico relacionado ao paratormônio, doença autoimune, doença vascular, doença do tecido conjuntivo ou mesmo um processo neoplásico(3-5).

É rara a degeneração sarcomatosa, ocorrendo em cerca de 1% dos casos da doença em longo prazo(1). O osteossarcoma é o tipo histológico mais comum (50-60% dos casos). Pelve, quadril e ombro são os locais mais comumente afetados(1,3,4), e é muito raro o acometimento do calcâneo, semelhante ao que descrevemos neste artigo(6).

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 85 anos de idade, com história de doença de Paget óssea há vários anos e há três meses referindo dor e aumento de volume na região do calcâneo direito. A primeira tomografia computadorizada (TC), realizada seis anos antes (Figura 1), mostrava aspectos característicos da doença de Paget. Realizou cintilografia óssea (Figura 2) e nova TC do calcâneo direito (Figura 3), que evidenciaram aumento significativo da captação do radiofármaco e discreto aumento de volume ósseo, com ruptura da cortical óssea na superfície látero-posterior do calcâneo. O exame de ressonância magnética (RM) revelou aumento volumétrico do calcâneo, com sinal heterogêneo em todas as sequências, algumas áreas císticas e áreas escleróticas. Foram observadas ruptura da cortical óssea e massa em partes moles na face lateral do calcâneo, com realce periférico após injeção de meio de contraste gadolínio (Figura 4), alterações sugestivas de degeneração maligna. O paciente foi submetido a biópsia da lesão, que evidenciou osteossarcoma de alto grau.

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A doença de Paget afeta aproximadamente 3-4% da população acima dos 40 anos de idade(1-3,7). Acomete mais comumente o esqueleto axial (pelve, coluna e crânio), mas os ossos longos proximais também são frequentemente envolvidos (25-35% dos casos)(1,3,4,7). O envolvimento de outros locais, como costelas, fíbula, ossos das mãos e dos pés, calcâneo e patela é infrequente(1,4,7). A forma poliostótica representa 65-90% dos casos. Quando há acometimento de um segmento apendicular, geralmente é unilateral(1,3,7).

O exame radiológico é diagnóstico na maioria dos casos, apresentando achados característicos(2,8). Esses achados dependem do estádio da doença. Na fase osteolítica identificam-se áreas radiolucentes com margens bem definidas, notando-se ausência de áreas de esclerose óssea. Na fase mista observam-se trabéculas grosseiras e espessadas, assim como espessamento da cortical óssea, refletindo atividade osteoblástica. A fase blástica caracteriza-se por áreas de esclerose e aumento do volume do osso(2,3). A cintilografia óssea é sensível, mas pouco específica na detecção de hiperemia e atividade osteoblástica, sendo possível detectar aumento da captação de radionuclídeos mesmo antes que achados radiológicos sejam evidentes(3,7). Algumas vezes a doença pode ser um achado incidental em um exame de TC ou RM(9). Os achados tomográficos assemelham-se aos radiográficos, sendo possível uma melhor demonstração do espessamento trabecular pela TC(2,3,8). Três padrões de imagem da medula óssea podem ser identificados à RM. Na maioria dos casos a medula amarela apresenta sinal normal. Em muitos casos o espaço medular do osso envolvido apresenta maior quantidade de gordura do que o osso normal, o que representa atrofia medular. O volume do canal medular pode estar diminuído pelo espessamento da camada cortical(3). O segundo padrão identificado apresenta intensidade de sinal heterogênea em sequências ponderadas em T1 e T2. Nas sequências em T1 a medula óssea apresenta intensidade de sinal diminuída, com focos de medula normal de permeio, característica que exclui degeneração maligna pela ausência de massas. Nas sequências em T2 o sinal da medula é heterogeneamente hiperintenso(3,9). O terceiro padrão é visto na fase blástica inativa, com baixa intensidade de sinal da medula óssea em todas as sequências, representando esclerose. Com o uso de meio de contraste intravenoso gadolínio pode-se observar realce medular, principalmente nas fases mais ativas da doença(3).

A degeneração sarcomatosa é rara, ocorrendo em aproximadamente 1% dos casos da doença em longo prazo. O maior risco é dos pacientes com doença poliostótica(1,3,4,7). Os sintomas indicativos desta condição são aumento de volume e dor na região acometida(1,3). A lesão histológica mais comum é o osteossarcoma (50-60% dos casos), havendo também casos de histiocitoma fibroso maligno/fibrossarcoma e condrossarcoma(1,3,6,10). O prognóstico dos pacientes com degeneração sarcomatosa é ruim, com sobrevida menor que 10% em três anos, apesar do tratamento(11). Metástases são comuns, principalmente pulmonares(10). As características da degeneração sarcomatosa são: lise óssea agressiva, destruição da cortical e presença de massa de tecidos moles(1,4,7). Na maioria dos casos não há reação periosteal(4). A detecção de degeneração neoplásica no osso acometido por doença de Paget, pelo exame radiológico, pode ser difícil, sendo necessária a comparação com radiografias anteriores em busca de novas áreas de osteólise e realização de TC e RM(3). A RM é superior à TC, sendo possível observar substituição tumoral da medula óssea e destruição cortical em associação a massa de tecidos moles, relativamente grande e infiltrativa. Degeneração sarcomatosa aparece com sinal intermediário nas imagens ponderadas em T1, com realce após o uso de gadolínio e sinal hiperintenso nas sequências ponderadas em T2. Necrose central é frequentemente vista(1,3).

 

CONCLUSÃO

É rara a degeneração maligna do osso na doença de Paget. Quando ocorre, os principais tipos histológicos identificados são o osteossarcoma (50-60%), o histiocitoma/fibrossarcoma fibroso maligno (20-25%) e o condrossarcoma. Os achados que caracterizam a transformação maligna são, clinicamente, o aumento de partes moles da região afetada e, radiologicamente, a presença de massa em partes moles e destruição da cortical óssea. Quando há suspeita dessa condição, deve-se realizar TC e RM para caracterização dos achados, mesmo em ossos em que este acontecimento é extremamente incomum, como no calcâneo. Apesar de a TC demonstrar melhor a quebra da cortical e a mudança do padrão do trabeculado ósseo, a RM também permite a identificação de alteração de sinal da medula óssea e dos tecidos moles adjacentes.

 

REFERÊNCIAS

1. Resnick D, Niwayama G. Paget disease. In: Resnick D, editor. Diagnosis of bone and joint disorders. 4th ed. Philadelphia: Saunders; 2002. p. 1947-2000.         [  ]

2. Greenspan A. Radiologia ortopédica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001.         [  ]

3. Smith SE, Murphey MD, Motamedi K, et al. From the archives of the AFIP. Radiologic spectrum of Paget disease of bone and its complications with pathologic correlation. Radiographics. 2002;22: 1191-216.         [  ]

4. Merkow RL, Lane JM. Paget's disease of bone. Orthop Clin North Am. 1990;21:171-89.         [  ]

5. Mirra JM, Brien EW, Tehranzadeh J. Paget's disease of bone: review with emphasis on radiologic features, part I. Skeletal Radiol. 1995;24:163-71.         [  ]

6. de Waele S, Lonneux M, Vande Berg B, et al. Paget disease and osteosarcoma of the calcaneus. Clin Nucl Med. 2001;26:244-6.         [  ]

7. Resnick D. Paget disease of bone: current status and a look back to 1943 and earlier. AJR Am J Roentgenol. 1988;150:249-56.         [  ]

8. Pinho MC, Lima GAF, Rodrigues MB. Qual o seu diagnóstico? (Osteossarcoma periosteal). Radiol Bras. 2005;38(6):vii-ix.         [  ]

9. Boutin RD, Spitz DJ, Newman JS, et al. Complications in Paget's disease at MR imaging. Radiology. 1998;209:641-51.         [  ]

10. Smith J, Botet JF, Yeh SDJ. Bone sarcomas in Paget disease: a study of 85 patients. Radiology. 1984;152:583-90.         [  ]

11. Wick MR, Siegal GP, Unni KK, et al. Sarcomas of bone complicating osteitis deformans (Paget's disease): fifty years' experience. Am J Surg Pathol. 1981;5:47-59.         [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Dra. Simone Berwig Matiotti
Rua Felipe Camarão, 500/404, Bom Fim
Porto Alegre, RS, Brasil, 90035-140
E-mail: smat2@hotmail.com

Recebido para publicação em 7/2/2007.
Aceito, após revisão, em 14/8/2007.

 

 

* Trabalho realizado na Fundação Saint Pastous, Clínica Serdil, Porto Alegre, RS, Brasil.


 
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