RELATO DE CASO
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Autho(rs): Simone Berwig Matiotti, Conrado Silva Tramunt, Rogério Dias Duarte, Rodrigo Dias Duarte, Wolmir Lourenço Duarte, Janine Bernardi Soder |
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Descritores: Doença de Paget, Sarcoma, Degeneração sarcomatosa, Calcâneo, Osteitis deformans |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A doença de Paget, descrita primeiramente por Sir James Paget em 1877 como osteitis deformans, caracteriza-se por achados de remodelagem óssea perturbada e extremamente ativa por ação osteoclástica e osteoblástica reativa, em um padrão mosaico peculiar(1,2). A causa desta doença é desconhecida, sendo a teoria da etiologia viral a mais aceita, entre outras, como origem genética, distúrbio metabólico relacionado ao paratormônio, doença autoimune, doença vascular, doença do tecido conjuntivo ou mesmo um processo neoplásico(3-5). É rara a degeneração sarcomatosa, ocorrendo em cerca de 1% dos casos da doença em longo prazo(1). O osteossarcoma é o tipo histológico mais comum (50-60% dos casos). Pelve, quadril e ombro são os locais mais comumente afetados(1,3,4), e é muito raro o acometimento do calcâneo, semelhante ao que descrevemos neste artigo(6).
RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 85 anos de idade, com história de doença de Paget óssea há vários anos e há três meses referindo dor e aumento de volume na região do calcâneo direito. A primeira tomografia computadorizada (TC), realizada seis anos antes (Figura 1), mostrava aspectos característicos da doença de Paget. Realizou cintilografia óssea (Figura 2) e nova TC do calcâneo direito (Figura 3), que evidenciaram aumento significativo da captação do radiofármaco e discreto aumento de volume ósseo, com ruptura da cortical óssea na superfície látero-posterior do calcâneo. O exame de ressonância magnética (RM) revelou aumento volumétrico do calcâneo, com sinal heterogêneo em todas as sequências, algumas áreas císticas e áreas escleróticas. Foram observadas ruptura da cortical óssea e massa em partes moles na face lateral do calcâneo, com realce periférico após injeção de meio de contraste gadolínio (Figura 4), alterações sugestivas de degeneração maligna. O paciente foi submetido a biópsia da lesão, que evidenciou osteossarcoma de alto grau.
DISCUSSÃO A doença de Paget afeta aproximadamente 3-4% da população acima dos 40 anos de idade(1-3,7). Acomete mais comumente o esqueleto axial (pelve, coluna e crânio), mas os ossos longos proximais também são frequentemente envolvidos (25-35% dos casos)(1,3,4,7). O envolvimento de outros locais, como costelas, fíbula, ossos das mãos e dos pés, calcâneo e patela é infrequente(1,4,7). A forma poliostótica representa 65-90% dos casos. Quando há acometimento de um segmento apendicular, geralmente é unilateral(1,3,7). O exame radiológico é diagnóstico na maioria dos casos, apresentando achados característicos(2,8). Esses achados dependem do estádio da doença. Na fase osteolítica identificam-se áreas radiolucentes com margens bem definidas, notando-se ausência de áreas de esclerose óssea. Na fase mista observam-se trabéculas grosseiras e espessadas, assim como espessamento da cortical óssea, refletindo atividade osteoblástica. A fase blástica caracteriza-se por áreas de esclerose e aumento do volume do osso(2,3). A cintilografia óssea é sensível, mas pouco específica na detecção de hiperemia e atividade osteoblástica, sendo possível detectar aumento da captação de radionuclídeos mesmo antes que achados radiológicos sejam evidentes(3,7). Algumas vezes a doença pode ser um achado incidental em um exame de TC ou RM(9). Os achados tomográficos assemelham-se aos radiográficos, sendo possível uma melhor demonstração do espessamento trabecular pela TC(2,3,8). Três padrões de imagem da medula óssea podem ser identificados à RM. Na maioria dos casos a medula amarela apresenta sinal normal. Em muitos casos o espaço medular do osso envolvido apresenta maior quantidade de gordura do que o osso normal, o que representa atrofia medular. O volume do canal medular pode estar diminuído pelo espessamento da camada cortical(3). O segundo padrão identificado apresenta intensidade de sinal heterogênea em sequências ponderadas em T1 e T2. Nas sequências em T1 a medula óssea apresenta intensidade de sinal diminuída, com focos de medula normal de permeio, característica que exclui degeneração maligna pela ausência de massas. Nas sequências em T2 o sinal da medula é heterogeneamente hiperintenso(3,9). O terceiro padrão é visto na fase blástica inativa, com baixa intensidade de sinal da medula óssea em todas as sequências, representando esclerose. Com o uso de meio de contraste intravenoso gadolínio pode-se observar realce medular, principalmente nas fases mais ativas da doença(3). A degeneração sarcomatosa é rara, ocorrendo em aproximadamente 1% dos casos da doença em longo prazo. O maior risco é dos pacientes com doença poliostótica(1,3,4,7). Os sintomas indicativos desta condição são aumento de volume e dor na região acometida(1,3). A lesão histológica mais comum é o osteossarcoma (50-60% dos casos), havendo também casos de histiocitoma fibroso maligno/fibrossarcoma e condrossarcoma(1,3,6,10). O prognóstico dos pacientes com degeneração sarcomatosa é ruim, com sobrevida menor que 10% em três anos, apesar do tratamento(11). Metástases são comuns, principalmente pulmonares(10). As características da degeneração sarcomatosa são: lise óssea agressiva, destruição da cortical e presença de massa de tecidos moles(1,4,7). Na maioria dos casos não há reação periosteal(4). A detecção de degeneração neoplásica no osso acometido por doença de Paget, pelo exame radiológico, pode ser difícil, sendo necessária a comparação com radiografias anteriores em busca de novas áreas de osteólise e realização de TC e RM(3). A RM é superior à TC, sendo possível observar substituição tumoral da medula óssea e destruição cortical em associação a massa de tecidos moles, relativamente grande e infiltrativa. Degeneração sarcomatosa aparece com sinal intermediário nas imagens ponderadas em T1, com realce após o uso de gadolínio e sinal hiperintenso nas sequências ponderadas em T2. Necrose central é frequentemente vista(1,3).
CONCLUSÃO É rara a degeneração maligna do osso na doença de Paget. Quando ocorre, os principais tipos histológicos identificados são o osteossarcoma (50-60%), o histiocitoma/fibrossarcoma fibroso maligno (20-25%) e o condrossarcoma. Os achados que caracterizam a transformação maligna são, clinicamente, o aumento de partes moles da região afetada e, radiologicamente, a presença de massa em partes moles e destruição da cortical óssea. Quando há suspeita dessa condição, deve-se realizar TC e RM para caracterização dos achados, mesmo em ossos em que este acontecimento é extremamente incomum, como no calcâneo. Apesar de a TC demonstrar melhor a quebra da cortical e a mudança do padrão do trabeculado ósseo, a RM também permite a identificação de alteração de sinal da medula óssea e dos tecidos moles adjacentes.
REFERÊNCIAS 1. Resnick D, Niwayama G. Paget disease. In: Resnick D, editor. Diagnosis of bone and joint disorders. 4th ed. Philadelphia: Saunders; 2002. p. 1947-2000. [ ] 2. Greenspan A. Radiologia ortopédica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. [ ] 3. Smith SE, Murphey MD, Motamedi K, et al. From the archives of the AFIP. Radiologic spectrum of Paget disease of bone and its complications with pathologic correlation. Radiographics. 2002;22: 1191-216. [ ] 4. Merkow RL, Lane JM. Paget's disease of bone. Orthop Clin North Am. 1990;21:171-89. [ ] 5. Mirra JM, Brien EW, Tehranzadeh J. Paget's disease of bone: review with emphasis on radiologic features, part I. Skeletal Radiol. 1995;24:163-71. [ ] 6. de Waele S, Lonneux M, Vande Berg B, et al. Paget disease and osteosarcoma of the calcaneus. Clin Nucl Med. 2001;26:244-6. [ ] 7. Resnick D. Paget disease of bone: current status and a look back to 1943 and earlier. AJR Am J Roentgenol. 1988;150:249-56. [ ] 8. Pinho MC, Lima GAF, Rodrigues MB. Qual o seu diagnóstico? (Osteossarcoma periosteal). Radiol Bras. 2005;38(6):vii-ix. [ ] 9. Boutin RD, Spitz DJ, Newman JS, et al. Complications in Paget's disease at MR imaging. Radiology. 1998;209:641-51. [ ] 10. Smith J, Botet JF, Yeh SDJ. Bone sarcomas in Paget disease: a study of 85 patients. Radiology. 1984;152:583-90. [ ] 11. Wick MR, Siegal GP, Unni KK, et al. Sarcomas of bone complicating osteitis deformans (Paget's disease): fifty years' experience. Am J Surg Pathol. 1981;5:47-59. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 7/2/2007.
* Trabalho realizado na Fundação Saint Pastous, Clínica Serdil, Porto Alegre, RS, Brasil. |