Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 42 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2009

QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?
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Page(s) IX to XI



Qual o seu diagnóstico?

Autho(rs): Marcelo Souto Nacif, Bianca de Cássia Cavalieri, Amarino Carvalho de Oliveira Junior, Claudio Assunção, Tiago Souto Nacif, Evandro Tinoco Mesquita

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Endereço para correspondência

 

 

Paciente de 55 anos de idade, do sexo feminino, com 57 kg de peso, 1,55 m de altura, frequência cardíaca de 95 bpm, apresentando episódios de palpitações e dispneia associados a sinais de insuficiência cardíaca direita. A ausculta cardíaca demonstrava sopro protodiastólico sugerindo obstrução ao fluxo tricúspide. As demais valvas eram normais. A radiografia simples do tórax em póstero-anterior e perfil mostrou aumento das cavidades cardíacas direitas. Ao ecocardiograma foi identificada massa na região da valva tricúspide e importante aumento do átrio e do ventrículo direito. A paciente foi encaminhada para o Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Pró-Cardíaco para estudo da massa cardíaca.

Descrição das imagens

Figura 1. Aquisições acopladas ao ECG, em cine-RM (Fiesta) nos planos eixo curto (A), quatro câmaras (B) e eixo longo duas câmaras (C), do ventrículo direito. Nota-se volumosa massa com 7,5 × 5,0 × 4,6 cm, de sinal heterogêneo e predominantemente alto em T2, com pedículo inserido no átrio direito, acima do seio venoso, e com insinuação através da valva tricúspide durante a diástole ventricular para o interior do ventrículo, abaulando o septo interventricular e a parede livre do ventrículo direito. Observar o aumento das cavidades direitas. Ventrículo esquerdo hipercinético, de diâmetros e função global e segmentar preservados, com fração de ejeção estimada em 82%. Derrame pericárdico discreto/moderado. Aumento da veia cava inferior e sinais de restrição ao fluxo sanguíneo nas cavidades direitas.

 

 

Figura 2. Aquisições acopladas ao ECG, ponderadas em T1 (A), T2 (B) e estudo do realce tardio no plano quatro câmaras (C). A massa possui sinal heterogêneo e intermediário em T1, com alto sinal em T2 associado a importante realce pelo gadolínio na porção central e junto ao pedículo da massa, sendo que a periferia da lesão permanece com baixo sinal.

 

 

Diagnóstico: Mixoma de átrio direito.

 

COMENTÁRIOS

Os mixomas são os tumores cardíacos primários benignos mais frequentes em adultos e respondem por cerca de 50% das neoplasias primárias do coração, sendo apenas 17% em crianças. Geralmente são solitários, predominando no sexo feminino e em pacientes com média de idade de 51 anos, podendo, no entanto, ocorrer em qualquer faixa etária(1,2).

Torna-se importante salientar que cerca de 75% a 80% têm sua origem no átrio esquerdo, 10% a 20% no átrio direito e 5% a 10% em ambos os átrios. Podem, também, originar-se em outros locais, como aorta, artéria pulmonar, ventrículos, valvas cardíacas ou mesmo em outros órgãos, entre eles ossos e pulmões(1,2).

Apesar do caráter histológico benigno, podem evoluir de modo desfavorável, sendo responsáveis por complicações incapacitantes e até morte súbita, pela possibilidade de ocorrência de fenômenos embólicos pulmonares ou sistêmicos, em decorrência de sua fragmentação ou, mesmo, por obstrução valvar, dependendo de sua localização e dimensões(1-3).

Os sinais e sintomas não são típicos ou específicos. Podem simular desde estenose e/ou insuficiência mitral até síndrome de Budd-Chiari, dependendo do local e da extensão do tumor. Os sintomas mais freqüentes incluem dispneia, dispneia paroxística, síncope, palpitações, dores no peito, evento embólico, febre e perda de peso. Os sinais mais encontrados são sopro sistólico ou diastólico na valva acometida, B1 hiperfonética e ruído do tumor, sempre na dependência do local do tumor. Já os dados laboratoriais estão relacionados a elevação da velocidade de hemossedimentação, trombocitopenia, policitemia, anemia, elevação dos níveis de globulina, proteína C reativa, leucocitose. O eletrocardiograma e a telerradiografia de tórax podem estar normais ou evidenciar o comprometimento cardíaco, mas não fornecem dados específicos para a doença. No eletrocardiograma pode-se detectar a presença de arritmias, sobrecarga de câmaras cardíacas, alterações de repolarização ventricular e distúrbios de condução(2,4). Sendo assim, as manifestações como as descritas estão presentes em apenas 33,3% dos pacientes, o que impõe, geralmente, o diagnóstico diferencial com outras afecções, principalmente a doença valvar e a febre reumática(4).

Os mixomas do átrio direito geralmente se originam na cavidade atrial, onde a fossa oval é a região preferencial de sua fixação em mais de 60% dos casos e, menos comumente, na parede atrial ou base do septo interatrial, bem como na valva atrioventricular(2,3). Devemos nos atentar para a ocorrência de mixoma de caráter familiar e também para as formas sindrômicas (complexo de Carney), que incluem alterações como lentigo e/ou nevo, doença cortical nodular da suprarrenal, síndrome de Cushing, fibroadenoma mixoide, tumores hipofisários e testiculares. A síndrome NAME se apresenta com nevo, mixoma atrial, neurofibroma mixoide e efélides, e a síndrome LAMB, com lentigo, mixoma atrial e nevos azuis. Quando comparados com os casos esporádicos, as formas sindrômicas e o mixoma de caráter familiar têm maiores chances de serem múltiplos e recidivantes e ocorrerem em faixa etária menor, por volta da segunda década de vida(3).

O papel da ressonância magnética cardíaca (RMC)

A RMC com as seqüências multiplanares, em cine-RM, pode demonstrar a característica macroscópica do tumor, quantificar o volume (Figura 3), a mobilidade e em alguns casos o prolapso através da valva atrioventricular, além de caracterizar o sinal e o real ponto de fixação na superfície endocárdica(2,5).

As ponderações em T1 demonstram o aspecto de isointensidade do sinal quando comparado ao da musculatura cardíaca(2,5).

Na identificação dos componentes mixomatosos deve-se observar que estes possuem baixo sinal em T1 e alto sinal em T2 e que as calcificações apresentarão baixo sinal em T1 e em T2(2,5).

Em relação aos focos de sangramento, estes dependerão do tempo de sangramento e apresentarão: sinal intermediário em T1 e alto em T2 quando forem hiperagudos (oxiemoglobina - até 1 hora), sinal intermediário em T1 e baixo em T2 quando agudos (deoxiemoglobina - entre 1 e 24 horas), sinal alto em T1 e baixo em T2 quando subagudos precoces (metemoglobina intracelular - entre 24 horas e 1 semana), sinal alto em T1 e alto em T2 quando subagudos tardios (metemoglobina extracelular - entre 1 semana e 1 mês) e sinal baixo em T1 e em T2 quando crônicos (hemossiderina - mais que 1 mês)(2,5).

O realce heterogêneo pelo gadolínio é típico e se deve à presença de inflamação ou tecido tumoral em crescimento, associado a áreas que não realçam por causa de necrose, cistos ou trombos aderidos(2,5).

O procedimento cirúrgico

Métodos não invasivos, especialmente a RM, trouxeram grande contribuição ao diagnóstico dos mixomas intracardíacos, pois além da confirmação do diagnóstico, permitem o planejamento da técnica cirúrgica adequada(1,3).

O acesso ao mixoma atrial pode ser feito por meio de atriotomia ou por via transeptal. O manuseio cuidadoso das estruturas cardíacas e da tumoração durante sua remoção diminui a possibilidade de fragmentação e ocorrência de fenômenos embólicos. A ressecção da base de implantação deve ser feita com boa margem de segurança, para evitar recidiva. A cauterização das bordas da área de ressecção é realizada com frequência e na reconstrução destas áreas, quando necessário, podem-se utilizar placas de pericárdio ou Teflon. As operações são realizadas com baixos índices de mortalidade e complicações, variando entre 1% e 5% os casos de recidiva(1,3,4).

No caso apresentado a atriotomia foi a via de acesso à massa, mas foi necessária a reconstrução valvar em razão do tamanho do tumor, que apresentava valores semelhantes aos descritos na RM. A operação foi realizada sem dificuldades técnicas e não houve intercorrência (Figura 4). A paciente, atualmente, está em acompanhamento.

Aspectos patológicos

A histogênese dos mixomas é incerta, mas evidências descrevem que o tumor se origina de ninhos subendocárdicos de células mesenquimais primitivas, que se diferenciam em vários outros tipos celulares, incluindo células endoteliais e lipídicas. A análise citogenética demonstra anormalidades cromossômicas clonais que fornecem a principal base para esse conceito(3).

Os mixomas geralmente são pediculados e podem apresentar variações com relação aos aspectos macroscópicos. Sua superfície pode ser endurecida, mixoide ou gelatinosa ou friável, pode ser lobulado ou irregular. Também podem ser encontradas calcificações, focos hemorrágicos e formações polipoides. O volume do tumor depende da fase de evolução da doença(1,3-5).

No caso apresentado o estudo histopatológico evidenciou a presença de células estreladas, algumas arranjadas em cordões, em meio a matriz mixoide, confirmando o diagnóstico de mixoma.

Considerações finais

A RMC é um método de diagnóstico não invasivo de capacidade ampla e fundamental no auxílio do planejamento cirúrgico. Fato importante, pois o diagnóstico precoce e a remoção cirúrgica adequada melhoram o prognóstico, prevenindo complicações e a morte.

 

REFERÊNCIAS

1. Miralles A, Bracamonte L, Soncul H, et al. Cardiac tumors: clinical experience and surgical results in 74 patients. Ann Thorac Surg. 1991;52: 886-95.         [  ]

2. Khin MM, Kwong RY. Cardiac and pericardial tumors. In: Kwong RY, editor. Cardiovascular magnetic resonance imaging. 1st ed. New Jersey: Humana Press; 2008; p. 429-65.         [  ]

3. Motta AAR, Colen Filho E, Colen EA, et al. Mixoma do átrio esquerdo: relato de 3 casos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1997;12:377-83.         [  ]

4. Sabatine MS, Colucci WS, Schoen FJ. Tumores primários do coração. In: Zipes DP, Libby P, Bonow RO, et al., editors. Braunwald - Tratado de doenças cardiovasculares. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2006. p. 1741-55.         [  ]

5. Abbara S, Walker TG, Ng P, et al. Diagnostic imaging - cardiovascular. Manitoba: Amirsys; 2008.         [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Dr. Marcelo Souto Nacif
Rua Tavares de Macedo, 136, ap. 1503. Bl. A, Icaraí
Niterói, RJ, Brasil, 24220-211
E-mail: msnacif@yahoo.com.br
www.msnacif.med.br

 

 

Trabalho realizado no Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Pró-Cardíaco e no Departamento de Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


 
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