RELATO DE CASO
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Autho(rs): Cyomara Sanches Attab, Sônia Marta Moriguchi, Eduardo José Alencar Paton, Mário Henrique Leite de Alencar, Euclides Timóteo da Rocha |
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Descritores: Linfoma, Cintilografia, Gálio |
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Resumo: VDoutor, Médico Nuclear, Chefe do Departamento de Medicina Nuclear do Hospital de Câncer de Barretos - Fundação Pio XII, Barretos, SP, Brasil
INTRODUÇÃO O linfoma pode acometer a pele de maneira primária ou secundária. O linfoma cutâneo originado de células T é o mais frequente, sendo a micose fungóide e a síndrome de Sézary os seus principais exemplos. O linfoma cutâneo de células B, uma entidade nosológica rara, pode ser observado em menos de 10% dos casos de linfomas não Hodgkin(1). Seu diagnóstico e manejo estão baseados em achados clínico-histológicos, além de métodos de imagens convencionais. Nos casos duvidosos, os procedimentos invasivos podem elucidar o diagnóstico. A utilização da cintilografia com gálio-67 no linfoma cutâneo de células B tem sido pouco descrita na literatura(1), principalmente após o advento da tomografia por emissão de pósitrons (PET) com 18F-fluordeoxiglucose (PET-FDG) na prática clínica de grandes centros europeus, que demonstram a alta sensibilidade e especificidade deste método(2). A cintilografia com gálio-67 continua sendo um recurso adicional importante no manejo clínico pré- e pós-tratamento, o qual permite a caracterização funcional e metabólica dos tecidos, complementando os dados anatômicos. Além do diagnóstico e estadiamento, as informações fornecidas pela cintilografia com gálio-67 são úteis no seguimento e avaliação de resposta terapêutica dos pacientes com linfoma. A avaliação isolada de características anatômicas é insuficiente na presença de massa residual, após a quimioterapia ou a infiltração de linfonodos de pequenas dimensões, o que poderá ser concluído com o uso da cintilografia com gálio-67, já que o PET-FDG ainda não é um exame de fácil acesso em nosso meio.
RELATO DOS CASOS Caso 1 Paciente do sexo masculino, 65 anos de idade, branco, encaminhado ao Serviço de Hematologia do Hospital de Câncer de Barretos, por apresentar lesão na coxa esquerda, de crescimento progressivo há um ano e sem remissão com tratamento caseiro. O paciente notou, posteriormente, o aparecimento de nódulos na região inguinal. Negava febre ou perda de peso. O exame físico demonstrou tumor úlcero-vegetante na face medial da coxa esquerda, de 15 cm no maior diâmetro, além de massas inguinais bilaterais, sendo a ipsilateral de 6 cm e à direita de 3 cm, endurecidas, indolores, sem sinais flogísticos, e móveis ao exame (Figura 1). Foram realizados exames para diagnóstico e estadiamento, que incluíram tomografia computadorizada de tórax, abdome e pelve, mielograma, eletroforese de proteínas, biópsia a céu aberto da lesão e cintilografia com gálio-67.
Os exames anatomopatológico e imunohistoquímico foram compatíveis com linfoma cutâneo não Hodgkin difuso de grandes células B. Os exames tomográficos revelaram apenas nódulos ovalados coalescentes, sendo o maior grupo de 2,8 × 2,5 cm na cadeia ilíaca interna esquerda, e massa homogênea de contornos lobulados nas regiões inguinais, de maiores dimensões à esquerda (7,4 × 4,3 cm) (Figura 2). Cintilografia com citrato de gálio-67, na dose de 296 MBq (8 mCi), foi realizada e as imagens foram obtidas 48 horas após administração do radiotraçador, que revelaram acúmulo não habitual deste, desde a região inguinopélvica até a face medial do joelho esquerdo, além de múltiplas áreas hipercaptantes na maxila esquerda, manúbrio, região inguinopélvica esquerda, glúteo direito, interglúteo esquerdo, coxas, pernas e tornozelo esquerdo (Figura 3).
Houve total coincidência entre as lesões clinicamente detectadas pelo exame físico e as anormalidades detectadas pela cintilografia. A biópsia da medula óssea foi normal, bem como a eletroforese de proteínas. O tratamento quimioterápico proposto foi o esquema com vincristina, doxorrubicina, ciclofosfamida e prednisona (CHOP), por um período total de oito ciclos. Após o término, novo estadiamento foi realizado pelos mesmos exames iniciais. Os métodos de imagem não invasivos mostraram tecido amorfo com densidade de partes moles na região inguinal esquerda (4,5 × 1,5 cm) e à direita (1,8 × 1,2 cm), e ausência de adenomegalia pélvica. A cintilografia com gálio-67 de controle foi normal, indicando o desaparecimento das lesões. Houve regressão completa da lesão na coxa, substituída por tecido cicatricial, o que foi confirmado com a cintilografia com gálio-67. Caso 2 Paciente do sexo feminino, 71 anos de idade, branca, encaminhada com história de lesão na coxa direita, de crescimento progressivo há três meses. Negava febre e sudorese noturna. Na história patológica pregressa não relatava cirurgias, era apenas portadora de hipertensão e diabetes, e a história familiar era negativa para neoplasias. Ao exame físico estava em boa condição geral, com índice de massa corpórea de 26 e performance status de 1. Apresentava lesão endurecida na face posterior da coxa direita, em placas, com infiltração de planos profundos, em uma extensão de 10 × 9 cm, e sem adenomegalia satélite. A biópsia incisional da pele foi consistente com linfoma cutâneo de células B. Os exames de imagem convencional (tomografia computadorizada de tórax e abdome) não evidenciaram doença em outros sítios. Foi realizada cintilografia com gálio-67, utilizando colimador de alta energia, com imagens obtidas 48 horas após a administração de citrato de gálio-67, na dosagem de 296 MBq (8 mCi), que demonstrou acúmulo anômalo do radiotraçador no terço distal da perna direita (Figura 4). A biópsia da medula óssea e a eletroforese de proteínas foram normais.
A paciente recebeu seis ciclos de quimioterapia no esquema CHOP, além de radioterapia locorregional com dose total de 3.600 cGy (20 × 180 cGy). Evoluiu com melhora e regressão completa da lesão após o tratamento. Na cintilografia com gálio-67 de controle, pósterapia, não houve anormalidades.
DISCUSSÃO O envolvimento cutâneo pelo linfoma pode ser primário ou secundário à doença disseminada. O linfoma cutâneo primário corresponde ao segundo grupo mais frequente de acometimento extranodal de linfomas não Hodgkin, precedido apenas pelo trato gastrintestinal (aproximadamente 10%)(3). Pode ser dividido de acordo com o tipo celular comprometido, ou seja, células T (CTCL), com 65% dos casos, e células B (CBCL), com 20-25% dos casos. No CTCL a faixa etária dos pacientes varia entre 40 e 60 anos, sendo os homens mais frequentemente afetados do que as mulheres. Ambos possuem arquitetura histológica semelhante ao linfoma sistêmico, entretanto, têm prognóstico e comportamento completamente diferentes. Usualmente, se originam de células T helper maduras da pele, sendo a micose fungoide e a síndrome de Sézary as mais conhecidas deste grupo. Neste caso, tendem a poupar a medula óssea, disseminam-se hematogenicamente e apresentam alta taxa de recorrência. Já os CBCL originam-se das células centrofoliculares e são caracterizados por extensão local e regional. Raramente são vistos (8%) e na maioria dos casos representam, na verdade, envolvimento cutâneo secundário pelo linfoma sistêmico(3). As lesões são caracterizadas por nódulos de superfície brilhante, com rara descamação ou ulceração. A pele circunjacente pode estar hiperemiada, conter pequenas lesões papulares ou infiltrados em "placas". Podem variar de pequenas dimensões até 15 cm(1). Geralmente são lesões indolentes, podendo permanecer estáveis de meses a vários anos antes do desenvolvimento e crescimento abrupto. A disseminação extracutânea é um evento incomum, porém descrita em até 13% dos casos, sendo limitada, em geral, ao sítio de drenagem linfonodal(1). A correta determinação da extensão da doença e sua classificação têm importância crítica para a instituição do tratamento e prognóstico do linfoma cutâneo, portanto, várias modalidades de procedimentos devem ser utilizadas na tentativa de excluir lesões extracutâneas. O estadiamento, por si só, segundo o sistema de Ann Arbor, justifica o uso dos métodos de imagem, já que se baseia na análise da extensão da doença. A tomografia computadorizada, quando comparada à ressonância magnética, permite estadiamento precoce e amplo, pela rápida aquisição das imagens(4). Entretanto, apesar de ser o exame de imagem convencional de escolha, a presença de massa residual, após quimioterapia, ou a infiltração de linfonodos de pequenas dimensões são exemplos de situações nas quais a avaliação isolada de características anatômicas é insuficiente, além de não dar informações precisas sobre lesões cutâneas malignas(5,6). O mecanismo pelo qual a cintilografia com gálio-67 localiza a lesão se baseia no transporte do íon gálio para o interior da célula, através da membrana plasmática, após a ligação do complexo gálio-transferrina aos receptores na superfície da célula tumoral(7). Fatores locais, incluindo vascularização, permeabilidade vascular e aumento da troca iônica devido a aumento dos poros da membrana contribuem para a captação final do gálio pela célula maligna. A cintilografia com gálio-67 demonstrou múltiplas áreas de captação, com boa correlação em todas as lesões cutâneas em ambos os pacientes, sendo útil no estadiamento, diagnóstico e planejamento da terapia(6), uma vez que, quando associada aos exames de imagem convencionais constitui método adicional importante para detectar lesões ocultas e modificação do tratamento dos pacientes que mantêm atividade tumoral após terapia. Portanto, estes casos mostram o alto valor da cintilografia com gálio-67 em detectar a extensão da doença e avaliar a resposta ao tratamento, mediante demonstração ou não de doença tumoral em atividade(8). Na nossa Instituição também se emprega este método de imagem no seguimento destes pacientes, para monitorar doença residual. Muitas das limitações da cintilografia com gálio-67 e da tomografia computadorizada podem ser resolvidas com o uso do PET-FDG, que vem apresentando destaque, em virtude da sua alta acurácia, sensibilidade e especificidade na detecção de acometimento nodal e extranodal em pacientes com linfoma. Entretanto, apenas um número limitado de publicações, com poucos pacientes e resultados variáveis, tem relacionado o uso do PET-FDG no linfoma cutâneo, assim como o difícil acesso dos pacientes ao procedimento. Em suma, o PET-FDG tem demonstrado potencial valor no estadiamento inicial e reestadiamento após terapia destes pacientes. Embora não seja tema de consenso entre os especialistas e o número de casos relatados ainda seja um fator limitante, optou-se por manter a cintilografia com gálio-67 entre os exames iniciais protocolares de estadiamento antes e após terapia para linfomas cutâneos de células B, para que se possa diferenciar entre doença residual e alterações sequelares, intervindo, assim, de maneira precoce na resposta à terapêutica.
REFERÊNCIAS 1. Assassa GS, Siegel ME, Chen DC, et al. Ga-67 uptake in cutaneous B-cell lymphoma. Clin Nucl Med. 1994;19:614-6. [ ] 2. Sapienza MT, Marone MMS, Chiattone CS. Contribuição da medicina nuclear para a avaliação dos linfomas. Rev Bras Hematol Hemoter. 2001; 23:79-92. [ ] 3. Kumar R, Xiu Y, Zhuang HM, et al. 18F-fluoro-deoxyglucose-positron emission tomography in evaluation of primary cutaneous lymphoma. Br J Dermatol. 2006;155:357-63. [ ] 4. Borba AMV, Monteiro AMV, Lima CMAO, et al. Aspectos da tomografia computadorizada no linfoma em pacientes abaixo de 20 anos de idade. Radiol Bras. 2007;40:87-92. [ ] 5. Delcambre C, Reman O, Henry-Amar M, et al. Clinical relevance of gallium-67 scintigraphy in lymphoma before and after therapy. Eur J Nucl Med. 2000;27:176-84. [ ] 6. Israel O, Front D, Lam M, et al. Gallium 67 imaging in monitoring lymphoma response to treatment. Cancer. 1988;61:2439-43. [ ] 7. van Amsterdam JA, Kluin-Nelemans JC, van Eck-Smit BL, et al. Role of 67Ga scintigraphy in localization of lymphoma. Ann Hematol. 1996;72: 202-7. [ ] 8. Hod N, Pinkas L, Horne T. Multiple focal uptake of (67)Ga in cutaneous tissue. Semin Nucl Med. 2002;32:220-2. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 23/10/2008.
* Trabalho realizado no Hospital de Câncer de Barretos - Fundação Pio XII, Barretos, SP, Brasil. |