Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 54 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2021

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A importância da ressonância magnética no diagnóstico diferencial das lesões intramedulares

Autho(rs): Alair Augusto Sarmet M. D. dos Santos

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Vários tipos de lesões podem acometer a medula espinhal, se manifestando clinicamente de formas semelhantes, com comprometimento motor, alterações sensitivas e autonômicas. Muitas vezes, o diagnóstico final é retardado pela não realização de exame de ressonância magnética (RM), que é o método de imagem fundamental para a investigação e terapêutica adequadas(1–6). Dentre as diversas causas de lesões medulares, temos neoplasias (como os astrocitomas e ependimomas mais frequentemente), lesões vasculares e traumáticas, inflamatórias e infecciosas e causas metabólicas.

Neste número da Radiologia Brasileira são apresentados dois artigos versando sobre as lesões intramedulares(7,8). A apresentação clínica e os diversos aspectos na RM são demonstrados. Fator importante a ser considerado é que na realização dos exames seja dada atenção para a correta identificação de alterações de sinal na medula espinhal, e que sempre se faça uso de meio de contraste paramagnético, que contribui de maneira significativa para poder melhor delinear as lesões, demonstrar atividade (ou não) da lesão, nos casos de doenças inflamatórias, e contribuir para melhor visualização dessas lesões. Outro dado a ser considerado é que na presença de lesão intramedular sejam feitas aquisições no plano coronal, além das aquisições usuais nos planos sagital e axial, que são feitas rotineiramente na maioria dos serviços(1–3). Nos artigos são apresentados, de forma sucinta, os diversos tipos de lesões intramedulares, sendo importante considerarmos ainda sexo, faixa etária e os dados clínicos para que se chegue ao diagnóstico mais adequado.

Das causas neoplásicas, o astrocitoma e o ependimoma são as mais frequentes, embora correspondam a 2–3% dos tumores primários intra-axiais do sistema nervoso central que ocorrem na medula espinhal. Os ependimomas ocorrem predominantemente em adultos e os astrocitomas, em crianças. A RM mostra lesões que determinam edema da medula espinhal e apresentam características de realce pós-contraste, que auxiliam no diagnóstico diferencial de astrocitomas e ependimomas. Ganglioglioma, hemangioblastoma e metástases intramedulares são raros, sendo os sítios primários mais frequentes das metástases os tumores de pulmão e mama, que geralmente se disseminam por via hematogênica(3–6).

Em relação às causas metabólicas, a deficiência de vitamina B12 pode se manifestar como degeneração medular e tem se tornado um diagnóstico importante a ser considerado em nosso meio, em razão do grande aumento de pessoas que se submeteram a cirurgia bariátrica, nas quais esta deficiência ocorre com maior frequência. O conhecimento deste dado da história patológica pregressa é de suma importância, pois as alterações intramedulares podem regredir com a reposição adequada de vitamina B12 por meio de injeções intramusculares, que devem ser continuadas mensalmente(9).

O trauma raquimedular é uma causa comum de mielopatia aguda, seja decorrente de acidentes automobilísticos, quedas ou por acidentes em piscinas ou praias. Muitas vezes associam-se alterações no arcabouço ósseo da coluna, mas deve-se estar atento ao comprometimento medular, que não é bem avaliado apenas por tomografia computadorizada, sendo imprescindível a realização de RM para poderem ser demonstrados edema, contusão ou hemorragia intramedular, visto ter a RM maior acurácia do que a tomografia para avaliação do comprometimento intramedular(10).

Em relação às doenças vasculares intramedulares, atenção especial deve ser dada ao cavernoma, que ocorre com discreto predomínio no sexo feminino, na quarta década de vida, sendo encontrado mais comumente na medula dorsal e de aspecto semelhante ao cavernoma intracraniano, sem realce pós-contraste(6).

Nos pacientes com esclerose múltipla, é mandatória a pesquisa de lesões intramedulares, pois a demonstração de placas em atividade é indicativa de atividade da doença de base. Vale enfatizar a importância do diagnóstico diferencial com outras doenças inflamatórias, como a encefalomielite aguda disseminada, a neuromielite óptica, as mielites transversa e associada a anti-MOG e também nos casos de lúpus eritematoso sistêmico, que pode se manifestar raramente com quadro de mielite na medula torácica(1,2,6).

No Brasil, as lesões intramedulares decorrentes de causas infecciosas têm grande repercussão, pois muitas vezes seu diagnóstico é feito de forma tardia, visto as dificuldades na realização de exames de RM, sobretudo no sistema de saúde público. O vírus Zika, o HTLV-1, o HIV e o varicela-zoster são alguns dos agentes virais que podem causar lesões intramedulares. Na síndrome de Guillain-Barré causada por infecção pelo vírus Zika pode ser demonstrada uma polineuropatia com desmielinização aguda com comprometimento do cone medular(11). A tuberculose intramedular é uma forma rara e que pode evoluir com isquemia e necrose medular. A esquistossomose é outra doença que pode causar mielopatia aguda/subaguda, com maior expressão no cone medular e com espessamento e realce nas raízes da cauda equina.

É fundamental os médicos em geral, notadamente os neurologistas e neurocirurgiões, estarem cientes das diversas possibilidades de diagnóstico das lesões intramedulares, cabendo aos radiologistas estarem atentos aos diversos aspectos encontrados no exame de RM, de forma a poderem contribuir para a elucidação diagnóstica o mais precocemente possível. A decisão de se fazer uma biópsia ou ter conduta conservadora é dependente dos sintomas do paciente e das possibilidades de abordagem. A extensão da ressecção das lesões com tratamento cirúrgico depende muito dos achados intraoperatórios, e o diagnóstico final nestes casos que chegam à cirurgia é dependente dos aspectos histológicos e moleculares. O radiologista tem grande valor no diagnóstico pré-terapêutico, fornecendo os subsídios para que seja tomada a melhor decisão clinicocirúrgica nos casos de lesões intramedulares.


REFERÊNCIAS

1. Do-Dai DD, Brooks MK, Goldkamp A, et al. Magnetic resonance imaging of intramedullary spinal cord lesions: a pictorial review. Curr Probl Diagn Radiol. 2010;39:160–85.

2. Bourgouin PM, Lesage J, Fontaine S, et al. A pattern approach to the differential diagnosis of intramedullary spinal cord lesions on MR imaging. AJR Am J Roentgenol. 1998;170:1645–9.

3. Shih RY, Koeller KK. Intramedullary masses of the spinal cord: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2020;40:1125–45.

4. Wilne S, Walker D. Spine and spinal cord tumours in children: a diagnostic and therapeutic challenge to healthcare systems. Arch Dis Child Educ Pract Ed. 2010;95:47–54.

5. Huisman TAGM. Pediatric tumors of the spine. Cancer Imaging. 2009;9 Spec No A(Special issue A):S45–8.

6. Moghaddam SM, Bhatt AA. Location, length, and enhancement: systematic approach to differentiating intramedullary spinal cord lesions. Insights Imaging. 2018;9:511–26.

7. Pereira RG, Niemeyer B, Pereira TRGC, et al. Magnetic resonance imaging evaluation of spinal cord lesions: what can we find? – Part 1. Neoplastic, vascular, metabolic, and traumatic injuries. Radiol Bras. 2021;54:406–11.

8. Pereira RG, Niemeyer B, Pereira TRGC, et al. Magnetic resonance imaging evaluation of spinal cord lesions: what can we find? – Part 2. Inflammatory and infectious injuries. Radiol Bras. 2021;54:412–7.

9. Sen A, Chandrasekhar K. Spinal MR imaging in vitamin B12 deficiency: case series; differential diagnosis of symmetrical posterior spinal cord lesions. Ann Indian Acad Neurol. 2013;16:255–8.

10. Morais DF, Melo Neto JS, Meguins LC, et al. Clinical applicability of magnetic resonance imaging in acute spinal cord trauma. Eur Spine J. 2014;23:1457–63.

11. Fontes CAP, Santos AASMD, Marchiori E. Magnetic resonance imaging findings in Guillain-Barré syndrome caused by Zika virus infection. Neuroradiology. 2016;58:837–8.










Professor Associado/Chefe do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), Coordenador Médico do Centro de Imagens do Complexo Hospitalar de Niterói (CHN), Niterói, RJ, Brasil
E-mail: alairsarmet@id.uff.br
https://orcid.org/0000-0002-8640-3657
 
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