ARTIGO ESPECIAL
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Autho(rs): Christiano Berti1,a; Bruno Hochhegger2,b |
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INTRODUÇÃO
A pandemia do coronavírus afetou profundamente negócios de todos os segmentos, sendo o setor de saúde um dos que enfrentou desdobramentos ainda mais desafiadores. Além da prevenção e do tratamento da doença em si, há também a questão do negócio: hospitais e instituições de saúde enfrentam diariamente alta variação relativa à demanda de pacientes e mudanças administrativas como um todo. A gestão dos centros de medicina diagnóstica também foi impactada, tanto por esses centros estarem na linha de frente do diagnóstico da COVID-19 quanto por sentirem a queda na demanda de outros tipos de exames. Estamos, portanto, diante de uma situação inédita e que terá desdobramentos que ainda não podemos prever, mas alguns deles já começam a se desenhar de forma mais clara. Por isso apresentamos, aqui, seis desafios para a gestão de medicina diagnóstica ficar atenta. Redução na demanda de procedimentos eletivos No Brasil, verificamos um cenário próximo ao vivenciado também pelos Estados Unidos, onde houve relatos de quedas substanciais nos atendimentos de diagnósticos por imagem em todo o país, chegando a uma redução de 56,4–63,7% na demanda de pacientes internados, como aponta estudo publicado em agosto/2020 pelo Journal of the American College of Radiology(1). A queda na quantidade de exames em geral foi ainda maior, chegando ao patamar de 80%, de acordo com números da Associação Nacional de Hospitais Privados referentes a fevereiro e março de 2020. Dados da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica indicam o mesmo patamar: clínicas de diagnóstico por imagem registraram queda de 70% na demanda em comparação a 2019(2). O atendimento em laboratórios clínicos também contabilizou diminuição equivalente a 60%. Apesar dos números, muitas instituições que trabalham com urgência mantiveram a demanda em razão da própria característica da COVID-19, que requer exames como radiografia e tomografia computadorizada para diagnóstico e acompanhamento da progressão e do acometimento dos pulmões. Nesse cenário, saiu na frente a gestão de medicina diagnóstica que já adotava o Sistema de Arquivamento e Comunicação de Imagens, uma vez que a tecnologia promove agilidade e amplia a capacidade de visualização das áreas acometidas, servindo de apoio para a tomada de decisão mais assertiva sobre o diagnóstico e, ainda, sobre quais condutas devem ser adotadas dali em diante. Mas, além da tecnologia, foi necessário também criar processos diferenciados de atendimento, visto que é necessário incluir a assepsia da sala antes e depois do uso pelo paciente com suspeita de COVID-19, além de manter a separação destes e dos demais usuários dos serviços de medicina diagnóstica. Impacto operacional Essa preocupação crescente com a proteção tanto de pacientes quanto da equipe médica trouxe à gestão de medicina diagnóstica um impacto que, na prática, equivale a operar duas instituições em uma. Exemplificando, os centros de imagem possuem restrição grande de equipamentos. Não é fácil mover um tomógrafo e colocá-lo em outra sala, por exemplo. Assim, muitas clínicas segregaram espaços, transformando-se em instalações específicas para assistência à COVID-19. Essa configuração trouxe, como consequência, uma diminuição da produtividade médica, visto que as equipes, que já vinham sofrendo com reduções e reajustes por conta da queda na demanda por exames de forma geral, tiveram de se adaptar para atender pacientes ora com suspeita, ora sem suspeita da doença. Demanda reprimida Todos esses desdobramentos nos levam a outra questão: a demanda de doenças crônicas e atendimentos eletivos ficou reprimida. Exames de imagem pré-cirúrgicos, por exemplo, ainda precisam ser feitos, porque essa condição não desapareceu simplesmente, mas foi apenas adiada pelo cuidado maior do paciente em não procurar atendimento médico. A preocupação com desassistência pós-pandemia também traz precauções com redução de quadro de recursos humanos. Há, portanto, uma expectativa de alta na demanda para o pós-pandemia. E até lá, o retorno deve ser gradual e trazer desafios, envolvendo especialmente o dimensionamento das unidades para atendimento da COVID-19 e de outras doenças. Gestão de equipes O momento é grave e implica decisões difíceis para a gestão de medicina diagnóstica. Em relação às equipes, podemos observar uma movimentação no sentido de criar soluções temporárias como redução de carga horária, cortes de salários e férias compulsórias. Líderes, mais do que nunca, devem se apoiar na comunicação transparente para informar decisões e suas motivações. Essa é a melhor forma de evitar atritos e promover uma abordagem mais empática, especialmente com profissionais afetados diretamente pelas mudanças e, sobretudo, em casos como desligamentos. Saúde mental dos colaboradores Um dos maiores problemas refere-se à questão do aumento no nível de ansiedade e estresse psicológico na pandemia. Um estudo da Universidade do Sul da Califórnia, com cerca de 700 radiologistas, aponta que 67% dos médicos relataram nível de ansiedade 7 em uma escala que vai até 10(3). A média é de 6,72. O que eles estão tentando fazer para lidar com isso: 63% tentam passar mais tempo com a família, 57% procuram realizar atividades físicas, e muitos relatam, também, que sequer estão lidando com o estresse por estarem “ocupados demais com o trabalho”. Um dos agravantes tem relação com a explosão no número de reuniões digitais por meio de aplicativos como o Zoom, que consomem muito do tempo do médico. Entre outros fatores estressantes apontados pela pesquisa também estão: preocupações com a saúde da família (71%), sua própria saúde (47%) e preocupações financeiras (33%). Outra questão que vale ressaltar no universo da gestão de equipes de medicina diagnóstica é o impacto na vida de colaboradores do sexo feminino. Existe uma série de relatos que dão conta disso, muito pela posição que a mulher ocupa na sociedade, de frequentemente ainda recair sobre ela os cuidados dos filhos, da casa e da família em geral(1). Esse fator traz impactos ainda maiores se considerarmos que muitas abrem mão da carreira por conta dessa carga e, das que permanecem, a produtividade pode ser afetada. Quem traz mais informações sobre o tema é a Associação Americana de Mulheres em Radiologia, que aponta uma redução de 23% nos artigos com autoria principal de mulheres, 16% na redução de artigos com participação de mulheres, e queda de 16% na representação geral de mulheres por grupo de autores(4). Trabalho remoto e telerradiologia Pode-se considerar que o maior trunfo da pandemia tem relação com o home office. Uma vez estabelecido o trabalho remoto, não há dúvidas de que ele fique por um longo tempo, mesmo na saúde, setor que ainda carregava tabus em relação ao modelo. Já está mais do que provado que ele funciona e isso pode ser verificado especialmente com a telerradiologia, que teve seu uso intensificado durante a pandemia(5). A modalidade de assistência remota em medicina diagnóstica foi útil tanto para viabilizar atendimentos em tempos de isolamento social quanto na questão de proteção dos profissionais de saúde dos grupos de risco. Todo esse esforço para manter esse trabalho ativo precisa, também, de respaldo. Por isso, é importante que a gestão de medicina diagnóstica trace planos de longo prazo para potencializar os trabalhos realizados a partir das casas dos profissionais, com redundância de acessos, segurança de dados, melhoria de infraestrutura. Tudo para que o médico tenha meios de trabalhar em larga escala continuamente e remotamente. NÃO HÁ RECEITA DE BOLO, MAS O QUE PODEMOS FAZER? Está claro que os desdobramentos trazidos pela pandemia à gestão de centros de medicina diagnóstica são inúmeros e não menos desafiadores que impactos de outros setores. Não há uma receita de bolo para lidar com a situação de forma assertiva. Em contrapartida, citamos algumas recomendações da presidente do American College of Radiology, que foram desenvolvidas junto a grandes associações médicas dos Estados Unidos e que podem ser adaptadas à nossa realidade(6): Engajar para aprimorar – Centros de diagnóstico podem se mobilizar e realizar um esforço em proveito do desenvolvimento de boas práticas para o mercado. Nesse sentido, vale se aproximar de agremiações, associações e outros grupos do tipo, com o intuito de troca de experiências e fortalecimento de discussões entre players do mercado e até mesmo com representantes do governo para trabalhar em opções que possam manter o negócio ativo e com o menor impacto possível. É sempre melhor trabalhar em conjunto, ao invés de lidar com a pandemia isolado. Investir em inovação – Esse é o período propício para impulsionar estudos que evoluam a prática da radiologia digital. Assim, é interessante dedicar profissionais exclusivamente para fomentar tecnologias e inovações, principalmente com avaliação prática de uso de inteligência artificial. Fomentar a inovação é imprescindível para este momento e para preparar o futuro. Estímulo à pesquisa e educação – Incentivar a capacitação de profissionais, seja com treinamentos, seminários ou mesmo webinars gratuitos é fundamental. Há uma série de ações que podem ser realizadas em prol do aumento da qualidade do trabalho e especialização do colaborador. A história aponta que outras ondas ainda estão por vir, seja do coronavírus, seja de outras doenças desafiadoras. Precisamos ter cautela e nos preparar para isso. Analistas de mercado e grandes meios de comunicação também apontam para uma retomada global lenta na medicina diagnóstica, com crescimento apenas para o fim de 2021 e início de 2022. Existem duas crises em curso: uma de saúde e outra econômica. A nosso ver, a primeira precisa ser sanada de forma emergencial, começando pela vacina, que ainda deve demorar para alcançar o patamar de qualidade exigido. Uma vez efetivada e disponibilizada à população, o fator “confiança” entrará em discussão, afinal, as pessoas continuarão a ser mais cautelosas com relação a se exporem e retomarem as rotinas. O fato é que o nosso trem parou. E ele deve retomar o curso bastante devagar – o que não significa que devemos deixar de abastecer a caldeira. REFERÊNCIAS 1. Malhotra A, Wu X, Fleishon HB, et al. Initial impact of COVID-19 on radiology practices: an ACR/RBMA survey. J Am Coll Radiol. 2020; 17:1525–31. 2. Agência Brasil. Medo de contágio esvazia setores de hospitais e laboratórios privados. Brasília, DF: Empresa Brasil de Comunicação; 2020. [cited 2020 July 21]. Available from: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-04/medo-de-contagio-esvazia-setores-de-hospitais-e-laboratorios-privados. 3. Demirjian NL, Fields BKK, Song C, et al. Impacts of the coronavirus disease 2019 (COVID-19) pandemic on healthcare workers: a nationwide survey of United States radiologists. Clin Imaging. 2020; 68:218–25. 4. Bryant M. Women in radiology leadership. [cited 2020 July 21]. Available from: https://appliedradiology.com/articles/women-in-radiology-leadership 5. Nobre LF. Teleradiology, the Internet, and the development of multidisciplinary professional networks: new times for the specialty? Radiol Bras. 2017;50(3):v. 6. McGinty GB, Min RJ. Adapting to succeed in radiology’s postpandemic future. J Am Coll Radiol. 2020;17:1172–5. 1. MV Sistemas, Porto Alegre, RS, Brasil 2. Departamento de Radiologia, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS, Brasil a. https://orcid.org/0000-0003-1614-5514 b. https://orcid.org/0000-0003-1984-4636 Correspondência: Dr. Bruno Hochhegger Departamento de Radiologia – UFCSPA Rua General Neto, 315, Moinhos de Vento Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: brunohochhegger@gmail.com Recebido para publicação em 1/11/2020 Aceito, após revisão, em 26/6/2021 |