Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 55 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2022

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 24 to 30



Correlação entre amplitude de rotação do quadril e sinais radiográficos came e pincer na síndrome do impacto femoroacetabular

Autho(rs): Andreza Maroneze da Silvaa; Flávia Marques Nakatakeb; Vivian Bertoni Xavierc; Vera Lúcia dos Santos Alvesd; Giancarlo Cavalli Poleselloe

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Texto em Português English Text

Descritores: Impacto femoroacetabular; Artroscopia; Quadril.

Keywords: Femoroacetabular impingement; Arthroscopy; Hip.

Resumo:
OBJETIVO: Correlacionar rotação medial do quadril com sinais radiográficos came e pincer de pacientes com síndrome do impacto femoroacetabular submetidos a artroscopia.
MATERIAIS E MÉTODOS: Estudo retrospectivo com prontuários consecutivos de 2014 a 2017 em único centro. O estudo incluiu 65 pacientes com impacto femoroacetabular unilateral, de ambos os sexos e idade entre 18 e 55 anos, com indicação de artroscopia do quadril. Os dados colhidos no pré-operatório e pós-operatório de seis meses foram: amplitude de rotação medial e rotação lateral do quadril, mensurações de radiografia anteroposterior da pelve em ortostatismo e perfil de Ducroquet, escala visual analógica de dor e questionário de qualidade de vida International Hip Outcome Tool 33.
RESULTADOS: A amplitude pré-operatória de rotação medial do quadril foi, em média, 19,26 ± 10,39°, e pós-operatória, 30,95 ± 3,52° (p < 0,001). Para ângulo alfa anteroposterior, o valor médio pré-operatório foi 73,85 ± 6,62°, e após cirurgia, 68,12 ± 5,04° (p < 0,001). Já o ângulo alfa perfil pré-operatório e pós-operatório foi, respectivamente, 56,97 ± 6,09° e 50,61 ± 5,39° (p < 0,001). O sinal do cruzamento foi presente em 75,40% (pré-cirurgia) e após cirurgia em 44,60% (p < 0,001). O índice de retroversão acetabular pré-operatório, em média, foi 0,17 ± 0,11, e pós-operatório, 0,07 ± 0,08 (p < 0,001). Embora tenham sido observados aumento na amplitude de rotação do quadril e melhora dos parâmetros radiográficos após artroscopia, não houve correlação direta entre as variáveis.
CONCLUSÃO: A artroscopia do quadril pode promover normalização da amplitude de rotação medial do quadril e redução dos sinais radiográficos CAME e pincer nos pacientes com síndrome do impacto femoroacetabular, porém, estes achados não possuem correlação direta.

Abstract:
OBJECTIVE: To determine whether hip rotation correlates with the radiographic signs of cam or pincer deformity after hip arthroscopy in patients with femoroacetabular impingement syndrome.
MATERIALS AND METHODS: This was a single-center retrospective study of data collected between 2014 and 2017. The study sample included 65 patients between 18 and 55 years of age who underwent hip arthroscopy for the treatment of unilateral femoroacetabular impingement. The following data were collected for the periods prior to and six months after surgery: range of medial and lateral rotation of the hip; measures on anteroposterior X-rays of the pelvis obtained in the standing position and on lateral X-rays in the Ducroquet profile view; and score on the 33-item International Hip Outcome Tool.
RESULTS: Mean preoperative and postoperative values were as follows: 19.26 ± 10.39° and 30.95 ± 3.52°, respectively, for medial rotation of the hip (p < 0.001); 73.85 ± 6.62° and 68.12 ± 5.04°, respectively, for the anteroposterior alpha angle (p < 0.001); 56.97 ± 6.09° and 50.61 ± 5.39°, respectively, for the lateral alpha angle (p < 0.001); and 0.17 ± 0.11 and 0.07 ± 0.08, respectively, for the acetabular retroversion index (p < 0.001). The crossover sign was identified in 75.4% of the patients before surgery and in 44.6% after (p < 0.001). Although there was an increase in the range of hip rotation and an improvement in radiographic parameters after arthroscopy, we detected no direct correlation between the two.
CONCLUSION: Hip arthroscopy can improve medial rotation of the hip, as well as reducing cam and pincer deformities, in patients with femoroacetabular impingement syndrome. However, those findings do not appear to be directly correlated.

INTRODUÇÃO

A síndrome do impacto femoroacetabular (SIFA) é definida por uma alteração de movimento do quadril caracterizada pelo conflito da cabeça femoral na borda anterior do acetábulo. Os sintomas descritos são dor e limitação de amplitude de movimento, que somados a sinais clínicos e achados de imagem formam a tríade da doença. Sua progressão possui forte correlação com o desenvolvimento de osteoartrite de quadril(1–3).

A limitação da rotação medial do quadril pode gerar sobrecarga mecânica, além de alteração de força, controle neuromuscular, marcha e impacto negativo na execução de atividades esportivas. Além disso, atividades funcionais que exijam amplitudes extremas podem gerar força de cisalhamento e contribuir para aumento do estresse no lábio acetabular e cartilagem(4).

As opções de tratamento para SIFA evoluíram na última década e podem ser divididas em tratamentos conservador e cirúrgico, com resultados similares que favorecem a artroscopia em curto prazo(5). A cirurgia consiste em ressecção aberta ou artroscópica das deformidades ósseas do fêmur e/ou acetábulo, bem como manejo das lesões de partes moles associadas (lábio/cartilagem). A técnica artroscópica é segura, exige menor tempo de recuperação e apresenta resultados consistentes em curto e médio prazos(6).

A efetividade da artroscopia para tratamento da SIFA mostra bons resultados clínicos em curto/médio prazo, com ganho de amplitude de movimento do quadril(7). Porém, a correlação direta entre os parâmetros radiográficos da morfologia óssea e os achados clínicos na SIFA ainda não é bem estabelecida na literatura. Assim, o presente estudo foi idealizado com o intuito de correlacionar achados clínicos de rotação do quadril com parâmetros radiográficos antes e após tratamento artroscópico de pacientes com SIFA.


MATERIAIS E MÉTODOS

Estudo clínico, retrospectivo e observacional com prontuários de pacientes avaliados em clínica privada de ortopedia. O projeto de pesquisa foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 63881917.8.0000.5479), e para guiar o delineamento da pesquisa foi utilizada a iniciativa STROBE(8).

Foram analisados dados de prontuários consecutivos (janeiro de 2014 a abril de 2017) de pacientes submetidos a artroscopia de quadril para tratamento da SIFA operados por um cirurgião sênior e reabilitados por uma mesma equipe. Os critérios de inclusão foram: pacientes de ambos os sexos, 18 a 55 anos, com diagnóstico de SIFA, submetidos a artroscopia do quadril, com mesmo protocolo de seguimento pós-operatório. Os critérios de exclusão foram: pacientes com cirurgia ortopédica prévia de membros inferiores, com osteoartrite, osteonecrose ou tumores intra- articulares no quadril observados nos exames de imagem ou na artroscopia, radiografia fora do padrão para o estudo e dados clínicos incompletos.

Foram elegíveis 160 prontuários, dos quais 95 foram retirados após análise dos critérios de inclusão e exclusão: 35 não preencheram os critérios de inclusão, 5 realizaram cirurgia prévia ortopédica de membros inferiores, 42 dados estavam incompletos nos prontuários e 13 casos de radiografia fora do padrão. Foram analisados 65 prontuários completos de pacientes com dados pré-operatórios e pós-operatórios de seis meses de cirurgia.

O diagnóstico da SIFA foi confirmado por exame clínico, radiografia, ressonância magnética e injeção intra- articular de anestésico se necessário(9–11). Os pacientes foram operados por via artroscópica, mesmo cirurgião e método bem estabelecido na literatura.

Foi utilizado decúbito supino, em mesa ortopédica, com tração aplicada em ambos os membros. Foram realizados de rotina os portais anterolateral e anterior, com inventário das lesões articulares, identificação e descompressão da lesão tipo pincer, quando presente, e desbridamento ou refixação labral. Após tratamento das lesões do compartimento central, a tração foi retirada para acesso ao compartimento periférico do quadril. Foi removida a deformidade tipo came, quando presente, com lâmina de shaver ósseo. O quadril foi examinado sob anestesia antes e após a artroscopia, a fim de verificar o ganho de amplitude de rotação do quadril(12).

Após alta hospitalar, os pacientes foram orientados a retornar com 15 dias, três meses, seis meses e um ano para reavaliação e orientações com o cirurgião e a equipe de reabilitação. Em cada retorno foi orientada a progressão de exercícios domiciliares para complementar sessões de fisioterapia supervisionada na clínica.

O protocolo de reabilitação consistiu em cinco fases: I – proteção máxima: os objetivos foram redução do edema, proteção da integridade dos tecidos, ganho suave de amplitude de movimento (movimentação passiva, bicicleta ergométrica), controle de inibição muscular e fortalecimento muscular isométrico; II – proteção moderada: readequar a marcha, restaurar a amplitude de movimento do quadril, reeducar a função do músculo iliopsoas e intensificar o fortalecimento e a estabilização muscular; III – proteção mínima: as atividades das fases anteriores foram intensificadas por meio de exercícios de fortalecimento da musculatura profunda, atividades para melhora do controle neuromuscular do quadril e aumento no volume e na intensidade de atividades aeróbicas; IV – progressão funcional: baseou-se no treinamento esportivo específico e no ganho de força, velocidade e agilidade nos movimentos; V – progressão esportiva: o paciente foi liberado para o retorno ao esporte e deveria ter ausência de dor e de compensações musculares, adequada amplitude de movimento do quadril, força muscular simétrica e pontuação suficiente nos testes de avaliação funcional(13).

Coletaram-se dados demográficos para caracterização da amostra e as informações foram analisadas, nos momentos pré-operatório e pós-operatório de seis meses, por escala visual analógica (EVA), escore do questionário de qualidade de vida International Hip Outcome Tool 33 (iHOT-33), amplitude de rotação medial e rotação lateral do quadril e mensurações da radiografia anteroposterior da pelve em ortostase e radiografia perfil de Ducroquet.

Para avaliação da dor, foi utilizada a EVA, representada por marcação em uma linha com extremidades numeradas de 0 a 10 e com o paciente indicando a intensidade de sua dor no momento das avaliações(14). Para avaliar limitações da SIFA na qualidade de vida, foi utilizada a pontuação do iHOT-33, que é um questionário traduzido e adaptado para língua portuguesa de 33 questões divididas em quatro domínios(15,16).

As mensurações das amplitudes de rotação do quadril foram realizadas por uma fisioterapeuta especializada na área de ortopedia com mais de cinco anos de experiência na reabilitação de pacientes com lesões do quadril, com auxílio de goniômetro (Carci; São Paulo, Brasil), com o paciente em decúbito dorsal e pelve estabilizada com uso de cinto para evitar compensações. O membro avaliado foi posicionado em flexão de quadril a 90° e o contralateral em extensão(17). Para a validação das medidas de amplitude rotacional, foi realizado índice de correlação de classes com duas medidas, em 10 quadris, com intervalo de sete dias entre as aferições, resultando em valores > 0,80.

Para a mensuração dos sinais radiográficos e classificação dos tipos de SIFA em came, pincer e misto, foram utilizadas radiografias digitais dos momentos pré-operatório e pós-operatório de seis meses de artroscopia. Foi utilizado o software Horos, disponibilizado sob a General Public License, versão 3. A mensuração foi feita por um ortopedista especializado na área de quadril com mais de cinco anos de experiência, após validação prévia do método utilizado em publicação científica de tema correlato(18).

Para a classificação do impacto como pincer, a radiografia anteroposterior da pelve em ortostase deveria apresentar, ao menos, um dos seguintes sinais de retroversão acetabular: sinal do cruzamento, caracterizado pelo cruzamento das linhas da parede acetabular anterior e posterior dentro da cavidade acetabular; sinal da espinha isquiática, caracterizado pela visualização da espinha isquiática na radiografia em anteroposterior da pelve; sinal da parede posterior do acetábulo, caracterizado pela lateralização do centro da cabeça femoral em relação à linha da parede posterior do acetábulo; e/ou índice de retroversão acetabular acima de zero(19). O índice de retroversão acetabular é calculado pelo coeficiente entre a distância da borda acetabular lateral até o ponto do cruzamento das linhas das paredes acetabulares e a distância lateral total da cavidade acetabular (A / A + B)(20).

O impacto foi classificado como came com valores de ângulo alfa ≥ 69° para homens e ≥ 51° para mulheres mensurado na radiografia anteroposterior da pelve em ortostase e/ou > 55° em ambos os sexos na radiografia perfil de Ducroquet. Os casos considerados mistos apresentaram a combinação dos critérios citados anteriormente(21,22). A Figura 1 ilustra as mensurações e os parâmetros radiográficos citados acima.


Figura 1. Ângulo alfa na radiografia em anteroposterior (A), ângulo alfa no perfil de Ducroquet (B), sinal do cruzamento (C), índice de retroversão acetabular (D), sinal da espinha isquiática (E), sinal da parede posterior (F).



A análise dos dados foi realizada por meio do Excel Office 2017 e do SPSS 13.0 (SPSS Inc.; Chicago, IL, EUA). Os dados descritivos foram expressos em média, desvio-padrão e/ou porcentagem. Comparação foi feita pelos testes de Wilcoxon, t-Student pareado, McNemar e Pearson. O nível de significância foi p ≤ 0,05 e intervalo de confiança de 95%. O cálculo amostral foi realizado com poder de 80%, coeficiente de correlação esperado r = 0,35 e p = 0,05. Utilizou-se como referência estudo de Kelly et al.(7) e a casuística necessária foi de 62 pacientes.


RESULTADOS

Os dados demográficos dos 65 prontuários com pacientes acompanhados e incluídos na amostra do estudo seguem apresentados na Tabela 1. Sobre as características cirúrgicas, em relação à abordagem do lábio, em 1,5% (1/65) dos casos realizou-se reconstrução, em 4,6% (3/65), desbridamento, e em 93,8% (61/65), sutura. Sobre a abordagem óssea, em 46,2% (30/65) realizou-se ressecção do came e em 89,2% (58/65), ressecção do pincer. Em relação à cartilagem, em 1,5% (1/65) realizou-se condroplastia, em 4,6% (3/65), microfratura, e em 93,8% (61/65) não foi abordada.




Em relação aos valores de rotação do quadril, foi encontrada significância estatística na comparação dos valores de rotação medial entre os momentos pré-operatório e pós-operatório de seis meses, com evolução de 11,69° e p < 0,001. Os dados completos são apresentados na Tabela 2.




Quanto às mensurações radiográficas do fêmur e acetábulo pré-artroscopia e pós-artroscopia, demonstrou-se redução do ângulo alfa anteroposterior e perfil na comparação, além de redução significativa da positividade do sinal do cruzamento e do índice de retroversão acetabular pré-intervenção e pós-intervenção cirúrgica. A análise completa consta na Tabela 2.

Na avaliação comparativa entre o ganho de amplitude de rotação medial do quadril e a melhora nos sinais radiográficos após a cirurgia, não foi observada significância estatística, portanto, não foi possível estabelecer relação entre as variáveis, sendo o valor de Pearson desconsiderado. Os valores estão representados na Tabela 3.




Os resultados do escore de qualidade de vida iHOT-33 demonstraram aumento significativo de pontuação, variando de 41,95 ± 16,62 no momento pré-operatório para 70,45 ± 16,18 no pós-operatório de seis meses (p < 0,001). Em relação à dor, observou-se redução significativa de pontuação na comparação pré-operatória e pós-operatória, com variação de 5,61 ± 2,53 para 1,76 ± 2,14 (p < 0,001). A comparação segue representada na Figura 2.


Figura 2. Resultados relatados pelos pacientes, segundo EVA e iHOT-33, nos momentos pré-operatório e pós-operatório após seis meses.



DISCUSSÃO

Os principais achados do presente estudo na comparação pré-operatória e pós-operatória de seis meses de artroscopia do quadril revelaram diferença significativa de amplitude de rotação medial, valores de ângulo alfa, sinal do cruzamento, índice de retroversão acetabular, escores iHOT-33 e EVA. Ao se correlacionar a evolução da rotação medial com sinais radiográficos de came e pincer, não se observou relação entre as variáveis.

Existem evidências de que a perda de amplitude de rotação medial do quadril seja fator de risco para desenvolvimento de lesão intra-articular(2). Os resultados da presente pesquisa indicaram que a remoção do bloqueio mecânico associado à reabilitação pós-operatória promoveu ganho médio de 11,69° de rotação medial aos seis meses de cirurgia, o que concorda com Kelly et al.(7), que após acompanharem coorte de 56 pacientes submetidos a artroscopia encontraram diferença significativa de 17,70° na medida. Choi et al.(23) observaram resultados semelhantes ao acompanharem 109 pacientes operados, com acréscimo médio significativo de rotação medial aos seis meses de cirurgia, que se mantiveram até dois anos, resultado semelhante ao trabalho de Stähelin et al.(24).

Atividades funcionais prolongadas que exijam maior amplitude que os movimentos fisiológicos podem gerar força de cisalhamento e contribuir para aumento do estresse no lábio acetabular e da cartilagem nos pacientes com SIFA(4). Os resultados do presente estudo demonstraram que a artroscopia pode promover ganho de movimento de rotação medial do quadril e contribuir para restauração da mecânica articular próximo a valores fisiológicos, além de promover maior qualidade de vida em curto prazo.

Embora a casuística acompanhada não apresentasse valores extremos de ângulo alfa, após seis meses houve redução significativa na mensuração da radiografia anteroposterior. Autores sugerem que a restauração cirúrgica de ângulo alfa para valores abaixo de 55° gera resultados positivos para pacientes com SIFA(25). Revisão sistemática e metanálise que avaliou desfechos de 31 trabalhos após o tratamento artroscópico revelou diferença média de ângulo alfa superior ao nosso estudo, com evolução e grande variação de medidas radiográficas para análise do came(26).

Determinar a presença e gravidade do impacto do tipo pincer pode ser mais difícil que o came por causa da variabilidade na medição, posicionamento e correlação de medidas radiográficas. A casuística desta pesquisa teve prevalência de 27,70% de impacto do tipo pincer e 60% dos casos foram mistos. Além de utilizar medidas de retroversão acetabular para a classificação do impacto e avaliar mudanças pós-operatórias, optou-se por acrescentar o índice de retroversão acetabular, que quantifica a gravidade da hipercobertura, pode ser preditor de lesão condral intraoperatória e pode ser uma medida incorporada nas mensurações pré-operatórias de artroscopia.

Os resultados deste estudo demonstraram que a maior parte dos pacientes foi submetida a ressecção da borda acetabular para tratamento do pincer e os valores de sinal do cruzamento e índice de retroversão acetabular reduziram de forma significativa. Acreditamos que a positividade do sinal da espinha isquiática e da parede posterior do acetábulo não se alterou após o procedimento cirúrgico, pois não houve reorientação espacial da cavidade acetabular (osteotomia).

Apesar do ganho significativo de amplitude de movimento de rotação medial e redução de sinais radiográficos came e pincer, não foram encontradas correlações entre esses achados no presente trabalho.

Há, na literatura, busca contínua pela correlação entre parâmetros operatórios e clinicorradiográficos, na tentativa de estabelecer um coeficiente para nortear as intervenções cirúrgicas e novas pesquisas(27). Acredita-se que a osteoplastia não seja o único fator que determine o ganho de amplitude de rotação medial pós-operatória e que outros fatores possam contribuir por agir na dor, contratura capsular e aderência cicatricial. Embora a cirurgia reduza a presença de sinais radiográficos de impacto, cogitamos que seja necessária uma abordagem específica para cada paciente, independente da angulação observada na radiografia.

A reabilitação pós-artroscopia tem sido reconhecida como componente integral do desfecho clínico do procedimento(28). Respeitar o tempo de cicatrização, controlar a descarga de peso e orientar a progressão terapêutica com base em instrumentos validados pela literatura podem ter influenciado no ganho de amplitude de movimento nos pacientes avaliados no presente estudo. Movimentos passivos de circundução e otimização da amplitude em flexão de quadril podem ser elementos chaves para melhora precoce do movimento, além de reduzir a entrada nociceptiva das estruturas extra-articulares afetadas no período de reabilitação pós-operatória.

Até o momento, os poucos trabalhos que realizaram comparação de tratamento cirúrgico e conservador apresentaram resultados conflitantes no curto prazo(5,29). O fato de o presente estudo ser observacional e retrospectivo não possibilitou a comparação com um grupo controle de reabilitação, mas que certamente será foco de trabalhos futuros.

Resultados em curto e médio prazos apoiam que a artroscopia de quadril para SIFA pode reduzir dor, limitações funcionais e restaurar amplitude de movimento(30,31). Os resultados da EVA ao comparar os momentos pré-operatório e pós-operatório apresentaram diferença significativa na nossa pesquisa. Apesar de a escala EVA ser uma medida quantitativa para avaliação de dor aguda e crônica, existe dificuldade na interpretação da alteração da dor após artroscopia. Por esse motivo, optou-se por utilizar uma escala funcional que complementasse a avaliação da satisfação do paciente após o procedimento cirúrgico.

A avaliação da qualidade de vida realizada com o questionário iHOT-33 apresentou evolução pós-cirurgia. Kierkegaard et al.(30) estão de acordo com os resultados deste estudo após analisarem 22 trabalhos em revisão sistemática. Os autores concluíram que de três a seis meses pós-artroscopia os pacientes têm redução da dor e melhora na função das atividades de vida diária, e que entre seis meses e um ano ocorre o retorno à atividade esportiva.

Algumas limitações da presente pesquisa merecem discussão. O estudo foi retrospectivo e sujeito a vieses de informação, por se tratar de dados coletados previamente de prontuários, com número pequeno de pacientes comparados a estudos multicêntricos de referência internacional, pouco tempo de acompanhamento para afirmar se as mudanças observadas se mantêm em longo prazo, e uso de apenas um critério radiográfico para diagnosticar a SIFA tipo pincer, o que pode superestimar esse tipo de classificação. Apesar disso, os dados foram coletados de forma consecutiva e o estudo teve cálculo amostral baseado em trabalho correlato da literatura. Os avaliadores possuíam excelente correlação de classe, o que reduz a possibilidade de viés de mensuração, e o critério diagnóstico para classificação dos tipos de SIFA foi baseado na literatura recente. O acompanhamento de seis meses, apesar de breve, foi suficiente para cicatrização completa de partes moles e para estabelecer correlação com as mensurações radiográficas.

Acreditamos que a remoção do conflito ósseo não foi o único fator que determinou ganho de amplitude de rotação medial de quadril e que o tempo escolhido de seguimento foi suficiente para observar melhora funcional dos pacientes.

A pesquisa para SIFA está em expansão e os resultados deste estudo podem contribuir para o entendimento sobre repercussões clínicas e radiográficas após análise de curto prazo dos efeitos da artroscopia. Como perspectivas futuras para este trabalho, podemos citar o aumento do tempo de acompanhamento e a inclusão de medidas clínicas que se aproximem mais da funcionalidade dos pacientes.


CONCLUSÃO

A artroscopia do quadril pode promover normalização da amplitude de rotação medial do quadril e redução dos sinais radiográficos came e pincer nos pacientes com SIFA, porém, estes achados não possuem correlação.


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Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

a. https://orcid.org/0000-0001-8169-2296
b. https://orcid.org/0000-0003-0953-5813
c. https://orcid.org/0000-0002-9284-8505
d. https://orcid.org/0000-0002-9623-8704
e. https://orcid.org/0000-0002-9524-8871

Correspondência:
Dra. Andreza Maroneze da Silva
Rua Barata Ribeiro, 414, conjuntos 23 e 24, Bela Vista
São Paulo, SP, Brasil, 01308-000
E-mail: andreza.fisio.orto@gmail.com

Recebido para publicação em 13/2/2021
Aceito, após revisão, em 13/4/2021

Data de publicação: 04/08/2021
 
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