ENSAIO PICTÓRICO
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Autho(rs): Rafael Mansur Souto1,a; Alair Augusto Sarmet Moreira Damas dos Santos1,b; Marcelo Souto Nacif1,c |
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Descritores: Tomografia computadorizada multidetectores; Angiografia coronária/métodos; Doença da artéria coronariana/diagnóstico por imagem. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Há quase duas décadas, tornou-se possível a avaliação não invasiva das coronárias por meio da angiografia por tomografia computadorizada (angio-TC). Esta é bastante importante para excluir ou detectar doença arterial coronariana (DAC), mesmo que subclínica(1,2). A angio-TC possui alto valor preditivo negativo (96% a 100%), significando a exclusão confiável de estenose de artérias coronárias, bem como a prevenção de DAC em pessoas com angio-TC negativas(3). Este ensaio iconográfico tem o objetivo de mostrar os principais achados de imagem em 47 angio-TCs realizadas de janeiro de 2014 a junho de 2018 em um hospital geral. ACHADOS DE IMAGEM Os principais achados foram a presença de placas ateromatosas em 41 pacientes (87%), stents em 16 pacientes (34%), pontes miocárdicas na artéria descendente anterior (DA) em três pacientes (6,3%), fibrose miocárdica em três pacientes (6,3%) e obstrução de segmento coronariano por trombo em um paciente (2,1%). Dentre os achados secundários, foram encontrados anomalia coronariana de origem e trajeto em um paciente (2,1%), estenose aórtica em dois pacientes (4,2%) e nódulo pulmonar em um paciente (2,1%). Apesar de o ultrassom intracoronariano ser o principal método de imagem para a avaliação de componentes das placas coronarianas, há estudos mostrando que a angio- TC pode ser bastante útil na definição de componentes das placas por meio de mapas específicos de quantificação de unidades Hounsfield(4). A angio-TC consegue avaliar placas calcificadas e não calcificadas, assim como sinais de vulnerabilidade, como conteúdo lipídico das placas, avaliação de stents e revascularização. De modo a haver uma padronização dos relatórios e boa comunicação entre o radiologista e o médico solicitante, em 2016 foi estabelecido o Coronary Artery Disease – Reporting and Data System (CAD-RADS)(5). Este método de padronização divide os relatórios em cinco graus de acometimento, desde a ausência de placas ou reduções luminais (CAD-RADS 0) até obstrução total de segmentos coronarianos (CAD-RADS 5). Os relatórios do nosso estudo foram padronizados em concordância com o CAD-RADS (Figuras 1 e 2). Houve também a possibilidade de avaliação de stents e trombos em alguns dos exames de angio-TC incluídos neste trabalho, já que é também uma das importantes funções do método (Figuras 3 e 4). Figura 1. Placa mista determinando estenose discreta na DA (CAD-RADS 2). A: Análise pelo cateterismo. B: Análise pela angio-TC. Figura 2. Placa mista determinando 70% de estenose proximal e placa não calcificada determinando estenose de 90% no segmento distal da DA (CADRADS 4A). A: Análise pelo cateterismo. B: Análise pela angio-TC. Figura 3. Paciente com stent pérvio na DA associado a trombo e oclusão na origem da diagonal da DA. Neste caso acrescenta-se o modificador S referente ao stent (CAD-RADS 5S). A: Cateterismo. B: Angio-TC. Figura 4. Stent pérvio na artéria coronária direita. A: Cateterismo demonstrando a coronária direita. B: Angio-TC demonstrando a coronária direita. O terceiro achado mais frequente foi a presença de pontes miocárdicas na DA. Sabe-se que estas são anomalias congênitas, nas quais feixes de miocárdio cruzam ou envolvem um segmento de artéria epicárdica, sendo um dos principais diagnósticos diferenciais da DAC, podendo se manifestar como angina pectoris(6). A área abaixo da ponte é poupada da doença aterosclerótica, enquanto a área proximal apresenta risco de desenvolvimento de DAC, sendo de extrema importância no contexto clínico deste trabalho. Incluímos neste estudo um exemplo de ponte miocárdica na DA sem sinais de DAC associada (Figura 5). Figura 5. Ponte miocárdica na DA. A: Reconstrução MIP. B: Demonstração em uma angio-TC. C: Demonstração no cateterismo. Fibrose miocárdica e degeneração gordurosa podem ser também resultantes das consequências do infarto agudo do miocárdio e são frequentemente vistas em ressonância miocárdica cardíaca. É possível encontrar esses achados na angio-TC, já que a cinética do contraste iodado em áreas infartadas e não infartadas segue padrões semelhantes ao gadolínio. Áreas de hiporrealce na angio-TC podem ser vistas em casos de fibrose miocárdica, sendo de extrema importância para a avaliação da viabilidade miocárdica, assim como métodos funcionais como a ressonância miocárdica cardíaca(7). A Figura 6 exemplifica um dos casos de nosso trabalho que apresentou tais achados. Figura 6. A,B: Fibrose e degeneração gordurosa na parede anterior miocárdica e região apical de paciente com DAC importante. Seta azul: hiporrealce característico. Coronárias anômalas podem ser encontradas em 0,3% a 5,6% da população, são menos frequentes que as DACs adquiridas, mas podem ser relacionadas a morte súbita em jovens(8). Existem anomalias em que o tronco coronariano esquerdo é único, podendo apresentar trajetos anteriores ou posteriores à aorta. A angio-TC de um dos pacientes identificou uma anomalia coronariana em que o tronco coronariano era único, envolvendo tanto o tronco da coronária esquerda quanto a artéria coronária direita. A DA apresentava trajeto anterior à aorta e intramiocárdico (Figura 7). Figura 7. Tronco coronariano único envolvendo as origens da DA e coronária direita. A: Tronco coronariano (TC) único com origem no seio de Valsalva direito; seta, início da DA demonstrando seu trajeto anterior à aorta. B: Coronária direita (CD) e descendente anterior (DA). C: Tronco coronariano (TC) único com origem no seio de Valsalva direito dando origem a coronária direita (CD) e descendente anterior (DA). A DA apresenta trajeto anterior à aorta e intramiocárdico. É possível, utilizando as imagens para as estimativas do escore de cálcio, encontrar achados incidentais como os nódulos pulmonares em 0,6% a 2,4% das angio-TCs(9). A frequência desses achados em nosso trabalho foi de 2,1% (Figura 8). Além disso, 4,7% dos achados incidentais na angio-TC de coronárias são de causas vasculares(9). A presença de estenose aórtica, identificada por múltiplas calcificações em folhetos da valva aórtica, pode ser um dos achados incidentais na avaliação coronariana, mostrado na Figura 9. Neste caso, em específico, o escore de cálcio na valva aórtica foi de 8076, pelo método Agatston. De acordo com as diretrizes, escore de cálcio acima de 1650 é um dos preditores para estenose aórtica importante(10). Figura 8. Nódulo pulmonar à direita (seta azul) em paciente que realizou angio-TC. Figura 9. Calcificações na valva aórtica. A,B: A cor vermelha demonstra a ferramenta para cálculo do escore de cálcio. Valor encontrado: 8076. C: Valva aórtica com calcificações. CONCLUSÃO Em suma, a maioria dos achados radiológicos mostrados neste ensaio iconográfico, no cotidiano clínico de um hospital geral, são relacionados direta ou indiretamente a DAC, como a presença de placas arteriais coronarianas, trombos e stents, assim como fibrose miocárdica. No entanto, existem achados incidentais, como a presença de nódulos pulmonares, que apesar de aparecerem com menor frequência, podem colaborar com desfechos clínicos satisfatórios, evitando diagnósticos tardios. REFERÊNCIAS 1. Miller JM, Rochitte CE, Dewey M, et al. Diagnostic performance of coronary angiography by 64-row CT. N Engl J Med. 2008;359: 2324–36. 2. Hamon M, Morello R, Riddell JW, et al. Coronary arteries: diagnostic performance of 16- versus 64-section spiral CT compared with invasive coronary angiography—meta-analysis. Radiology. 2007;245: 720–31. 3. Sara L, Szarf G, Tachibana A, et al. II Diretriz de Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia e do Colégio Brasileiro de Radiologia. Arq Bras Cardiol. 2014;103(6 Suppl 3):1–86. 4. Sandfort V, Lima JAC, Bluemke DA. Noninvasive imaging of atherosclerotic plaque progression: status of coronary computed tomography angiography. Circ Cardiovasc Imaging. 2015;8:e003316. 5. Cury RC, Abbara S, Achenbach S, et al. CAD-RADS™ Coronary Artery Disease – Reporting and Data System. An expert consensus document of the Society of Cardiovascular Computed Tomography (SCCT), the American College of Radiology (ACR) and the North American Society for Cardiovascular Imaging (NASCI). Endorsed by the American College of Cardiology. J Cardiovasc Comput Tomogr. 2016;10:269–81. 6. Pereira AB, Castro DSP, Menegotto ET, et al. Ponte miocárdica: evolução clínica e terapêutica. Arq Bras Cardiol. 2010;94:188–94. 7. Gerber BL, Belge B, Legros GJ, et al. Characterization of acute and chronic myocardial infarcts by multidetector computed tomography: comparison with contrast-enhanced magnetic resonance. Circulation. 2006;113:823–33. 8. Neves PO, Andrade J, Monção H. Coronary anomalies: what the radiologist should know. Radiol Bras. 2015;48:233–41. 9. Koonce J, Schoepf JU, Nguyen SA, et al. Extra-cardiac findings at cardiac CT: experience with 1,764 patients. Eur Radiol. 2009;19: 570–6. 10. Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, et al. Atualização das diretrizes brasileiras de valvopatias: abordagem das lesões anatomicamente importantes. Arq Bras Cardiol. 2017;109(6 Suppl 2):1–34. 1. Hospital Universitário Antônio Pedro – Universidade Federal Fluminense (HUAP-UFF), Niterói, RJ, Brasil a. https://orcid.org/0000-0003-3483-8402 b. https://orcid.org/0000-0002-8640-3657 c. https://orcid.org/0000-0003-2791-8375 Correspondência: Dr. Rafael Mansur Souto Hospital Universitário Antônio Pedro – Universidade Federal Fluminense Rua Marquês do Paraná, 303, Centro Niterói, RJ, Brasil, 24033-900 E-mail: rafaelmansur1250@hotmail.com Recebido para publicação em 29/4/2020 Aceito, após revisão, em 17/7/2020 |