ENSAIO PICTÓRICO
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Autho(rs): Erina Megumi Nagaya Fukamizua; Adriano Seabrab; Deborah Yukiko Ottoc; Marcio Valente Yamada Sawamurad; Marcelo Bordalo-Rodriguese; Paulo Victor Partezani Helito1,f |
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Descritores: Metástase neoplásica/fisiopatologia; Osso e ossos/diagnóstico por imagem; Tomografia computadorizada; Erros de diagnóstico; Trombose venosa; Circulação colateral. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Vanishing bone metastasis (VBM) é o realce pseudopatológico do osso na tomografia computadorizada (TC) com contraste intravenoso, particularmente dos corpos vertebrais, em pacientes com obstrução das veias torácicas, principalmente da veia cava superior e das veias braquiocefálicas. Esta alteração ocorre pela congestão sanguínea no plexo venoso paravertebral, levando ao acúmulo do contraste iodado dentro do osso, simulando uma lesão esclerótica. Em razão da associação de tumores mediastinais malignos com quadros trombóticos, este tipo de alteração pode ser erroneamente interpretado como metástase óssea em um paciente oncológico, implicando em biópsias desnecessárias ou falsos diagnósticos de progressão de doença(1). Embora não seja um achado comum, o VBM é de grande relevância para a interpretação de exames de pacientes oncológicos e deve ser conhecido pelos radiologistas(1,2). O objetivo deste artigo é revisar a fisiopatologia deste fenômeno, ilustrando as vias venosas colaterais mais comuns na obstrução da veia torácica e os principais achados de imagem dos VBMs, com ênfase nos exames de TC. FISIOPATOLOGIA As veias torácicas são responsáveis pela drenagem da cabeça, pescoço e membros superiores. Quando o fluxo sanguíneo é prejudicado, por trombose ou por compressão extrínseca, há congestão do complexo venoso vertebral e o sangue é redirecionado por vias colaterais(3). Embora descrito com mais frequência em pacientes com trombose, como resultado de tumor maligno em 80% dos casos(1), foi relatado um caso de VBM em um paciente sem trombose, mas com compressão extrínseca da veia braquiocefálica entre o esterno e o arco aórtico(4). As vias alternativas de circulação venosa à obstrução da veia cava superior são bem relatadas na literatura, incluindo as veias torácicas laterais, torácicas internas, ázigos e hemiázigos e veias toracoabdominais(3). Há poucos estudos descrevendo sobre o fenômeno VBM. O refluxo de contraste no plexo venoso vertebral ocorre mais frequentemente na veia basivertebral. A manifestação do fenômeno depende do local da injeção do contraste, da velocidade de infusão do meio de contraste e do nível da obstrução(2,5,6). Kim et al. observaram que o realce vertebral só aparecia quando o contraste intravenoso era injetado no braço ipsilateral à veia obstruída e acreditavam que quanto maior a pressão intravenosa, maior era o refluxo do contraste no corpo vertebral(5). Berritto et al. concordam com essa teoria, relatando que o aumento da velocidade de injeção de contraste intravenoso eleva a pressão nas vias venosas colaterais, aumentando o realce do corpo vertebral(6). ANATOMIA DO PLEXO VENOSO VERTEBRAL Batson classificou as veias vertebrais em: um plexo venoso vertebral interno dentro do canal vertebral que circunda a dura-máter da medula espinhal; as veias basivertebrais dentro dos corpos vertebrais; e um plexo venoso vertebral externo ao redor da coluna vertebral(7) (Figuras 1 e 2). Figura 1. Diagrama ilustrando o plexo venoso vertebral, destacando-se a veia basivertebral (VB), o plexo venoso vertebral externo (PE) e o plexo venoso vertebral interno (PI). Figura 2. Diagrama ilustrando o plexo venoso vertebral no plano sagital. O plexo venoso vertebral interno e as veias basivertebrais não possuem válvulas, ou seja, têm direção de fluxo reversível. Em alguns casos, válvulas já foram descritas no plexo venoso vertebral externo(7). O plexo venoso vertebral externo é dividido em anterior e posterior. O anterior faz anastomose com as veias basivertebrais, veias intervertebrais e tributárias dos corpos vertebrais. O posterior faz anastomose com o plexo venoso vertebral interno e termina nas veias vertebrais, lombares e intercostais posteriores(2). O plexo venoso vertebral interno, conhecido como plexo de Batson, é responsável pela drenagem venosa do cérebro e da medula espinhal, sendo dividido em duas veias longitudinais anteriores e duas posteriores(7). O plexo venoso paravertebral forma múltiplas anastomoses por veias segmentares, comunicando-se com as veias braquiocefálica esquerda, ázigo-hemiázigos e renal esquerda ou veia cava inferior(7). No cenário de uma oclusão ou suboclusão das veias cava superior, braquiocefálica, subclávia, ázigos ou hemiázigos, as veias colaterais encontram uma maneira de drenar para a veia cava inferior(3). As quatro principais formas colaterais são: sistema ázigos/hemiázigos (Figura 3); plexos vertebrais e subescapulares (Figura 4); plexos mediastinal, esofágico e diafragmático (Figura 5); e plexos toracoabdominais superficiais e torácicos internos (Figuras 6 e 7). Figura 3. Obstrução da veia cava superior, com consequente proeminência do sistema ázigos/hemiázigos (setas). Observar os plexos venosos paravertebrais externos (cabeças de setas) e as veias colaterais intercostais (setas pontilhadas). Figura 4. Paciente com trombose da veia cava superior e sistema colateral venoso subescapular ectasiado à esquerda (setas). Figura 5. As veias colaterais mediastinais, pericárdicas e pericardiofrênicas são drenadas para a veia cava inferior pelas veias frênicas inferiores e colaterais trans-hepáticas. Setas: veias colaterais pericardiofrênicas. Seta pontilhada: veias colaterais pericárdicas. Figura 6. Plexos colaterais toracoabdominais superficiais (setas). Figura 7. As veias torácicas colaterais são drenadas para a veia porta hepática esquerda para alcançar a veia cava inferior, resultando em uma área de aumento do contraste no lobo hepático esquerdo. Setas: hot spot sign no fígado. Setas pontilhadas: veias colaterais torácicas superficiais. É muito difícil prever o padrão de drenagem venosa, por causa das variações individuais da anatomia venosa(7). ACHADOS DE IMAGEM A avaliação de uma suspeita de VMB começa pela identificação de alterações ósseas em um exame contrastado, seguida da caracterização das pseudolesões ósseas e a identificação de uma condição que gera alteração do fluxo venoso, em geral trombose (Figuras 8 e 9). Figura 8. A: TC de tórax com contraste intravenoso de paciente do sexo masculino, 50 anos de idade, diagnosticado com carcinoma de pequenas células evoluindo com trombose da veia cava superior (seta). B,C: Na fase sem contraste intravenoso (B) notam-se corpos vertebrais preservados e na fase pós-contraste (C) observa-se realce dos corpos vertebrais torácicos superiores, decorrente do refluxo do meio de contraste pelo plexo venoso vertebral (setas). Figura 9. Paciente do sexo feminino, 34 anos de idade, com nutrição parenteral periférica por enterectomia maciça decorrente de isquemia mesentérica há três anos, evoluindo com dor de leve intensidade no pescoço e região supraclavicular à direita. A: Angiotomografia mostrando trombose da veia cava superior (VCS). B,C: Nas imagens que incluem a coluna torácica notam-se hiperdensidades dos corpos vertebrais no segmento torácico superior. D: No estudo de controle sem contraste intravenoso tais hiperdensidades não são identificadas. VJID, veia jugular interna direita; VBCD, veia braquiocefálica direita; VSCD, veia subclávia direita. A pseudolesão óssea ocorre preferencialmente nos corpos vertebrais. Embora possa acometer pedículos, lâminas e processos espinhosos, o envolvimento desses sítios é raramente isolado. O padrão de contrastação assimétrico ou unilateral de uma vértebra foi associado com o lado da administração do contraste(2). No interior do corpo vertebral a alteração acomete, em geral, o terço médio e as porções centrais, correspondendo à localização anatômica da veia basivertebral. Embora exista preferência por vértebras, tais alterações também podem ser observadas em outros ossos, como o esterno(5). A hiperatenuação das pseudolesões pode ter aspecto bem definido ou mal definido, apresentando maiores dimensões e menor densidade quanto mais tardia for a aquisição. A forma da pseudolesão varia de ovalado e focal ou poligonal e mais difuso(5), podendo envolver difusamente o corpo vertebral. A identificação de vasos ectasiados no interior da vértebra ou nas partes moles adjacentes à pseudolesão aumenta a confiança diagnóstica(2). A identificação de trombose ou alterações que predispõem circulação colateral é fundamental para o diagnóstico. Na TC com contraste intravenoso a trombose é facilmente diagnosticada pela presença de falhas de enchimento centrais ou excêntricas nas veias. Em casos de trombose recente, o calibre do vaso pode estar aumentado, e em casos mais crônicos, geralmente há redução difusa do calibre. Vale ressaltar, ainda, que trombos decorrentes de tumores mediastinais malignos apresentam contornos lobulados e podem ter realce heterogêneo ao contraste(8). Identificar e delimitar o local da obstrução também é relevante para a interpretação das lesões ósseas. Em geral, quando há obstrução na veia cava superior ou próximo à confluência desta e da veia inominada, o fenômeno é observado na coluna cervical inferior e/ou na coluna torácica superior. Já quando há acometimento das veias hemiázigos, a pseudolesão é mais evidente na coluna torácica inferior(2,9). Por fim, na persistência de dúvida diagnóstica, a correlação com uma TC sem contraste (seja ela um exame anterior recente ou uma nova aquisição) é suficiente para definir a natureza vascular da pseudolesão e excluir uma lesão óssea verdadeira(4,5). CONCLUSÃO O fenômeno do VBM ainda é uma condição subdiagnosticada. Geralmente ocorre na oclusão da veia cava superior ou da veia braquiocefálica e o achado radiológico típico é foco ou área hiperatenuante no corpo vertebral torácico em TC com contraste, representando realce do plexo venoso colateral no corpo vertebral. Esta condição pode ser diagnosticada com base nos achados de imagem, tanto pelas características da alteração óssea quanto pelos achados vasculares. Em casos de dúvida, a correlação com uma TC sem contraste é suficiente para definir o diagnóstico. REFERÊNCIAS 1. Thomas N, Oliver TB, Sudarshan T. Vanishing bone metastases—a pitfall in the interpretation of contrast enhanced CT in patients with superior vena cava obstruction. Br J Radiol. 2011;84:e176–8. 2. Kara M, Pradel C, Phan C, et al. CT features of vertebral venous congestion simulating sclerotic metastases in nine patients with thrombosis of the superior vena cava. AJR Am J Roentgenol. 2016;207:80–6. 3. Kapur S, Paik E, Rezaei A, et al. Where there is blood, there is a way: unusual collateral vessels in superior and inferior vena cava obstruction. Radiographics. 2010;30:67–8. 4. Beck KS, Han DH. Vertebral venous congestion mimicking sclerotic metastasis in the absence of venous obstruction. AJR Am J Roentgenol. 2017;208:W157–8. 5. Kim YK, Sung YM, Hwang KH, et al. Pseudopathologic vertebral body enhancement in the presence of superior vena cava obstruction on computed tomography. Spine J. 2015;15:1295–301. 6. Berritto D, Abboud S, Kosmas C, et al. Vertebral body enhancement mimicking sclerotic osseous lesions in the setting of bilateral brachiocephalic vein thrombosis. Skeletal Radiol. 2015;44:303–5. 7. Stringer MD, Restieaux M, Fisher AL, et al. The vertebral venous plexuses: the internal veins are muscular and external veins have valves. Clin Anat. 2012;25:609–18. 8. Sonavane SK, Milner DM, Singh SP, et al. Comprehensive imaging review of the superior vena cava. Radiographics. 2015;35:1873–92. 9. Pruente R, Strickland CD, Koo PJ. Vanishing bone metastases: a pitfall in contrast-enhanced CT in patients with venous thrombosis. BJR Case Rep. 2015;1:20150149. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil Correspondência: Dra. Erina Megumi Nagaya Fukamizu Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) Avenida Doutor Arnaldo, 251, Cerqueira César São Paulo, SP, Brasil, 01246-000 E-mail: erina@nagaya.com.br a. https://orcid.org/0000-0002-1172-5467 b. https://orcid.org/0000-0002-8110-4869 c. https://orcid.org/0000-0002-6851-7845 d. https://orcid.org/0000-0002-9424-9776 e. https://orcid.org/0000-0003-4747-5081 f. https://orcid.org/0000-0002-5709-6029 Recebido para publicação em 20/8/2020 Aceito, após revisão, em 16/10/2020 |