ARTIGOS ORIGINAIS
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Autho(rs): Samuel Silva Ferreira1,a; Adriene Moraes Campos1,b; Patrícia Lima Fernandes1,c; Izabela Machado Pereira1,d; Flavia Maria Rodrigues1,e; Antônio Fernando Braga Ferreira Victor2,f; Ivie Braga de Paula1,g |
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Descritores: Neoplasias de mama/diagnóstico por imagem; Ressonância magnética; Detecção precoce de câncer/métodos. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
O câncer de mama é a neoplasia mais frequente nas mulheres no mundo, excetuando-se o câncer de pele não melanoma. No Brasil, são esperados cerca de 59.700 novos casos para cada ano no biênio 2018-2019(1). A mamografia possui papel bem estabelecido no rastreamento e no diagnóstico do câncer de mama, sendo capaz de detectar a doença em estágios iniciais com diagnóstico precoce, e quando aliada a tratamento adequado, pode reduzir a mortalidade pela doença em cerca de 60%(2). A ultrassonografia (US) não é incluída como método de rastreamento do câncer de mama na maior parte das diretrizes internacionais, sendo considerada método de imagem complementar, sobretudo em mulheres de alto risco e/ou com mamas densas, e como avaliação diagnóstica em pacientes com idade inferior a 40 anos. A ressonância magnética (RM) tem sido utilizada para detecção do câncer de mama há mais de 25 anos. Apresenta sensibilidade maior que a mamografia, com taxa de detecção maior que 90%, mas com especificidade variável (entre 30% e 90%)(3). Na avaliação do componente in situ, apresenta maior sensibilidade em relação à mamografia e à US, com vantagens no diagnóstico das lesões de alto grau nuclear, ou seja, na detecção do câncer biologicamente relevante(4,5). Apresenta como desvantagem o custo mais elevado, comparado aos outros métodos, e a baixa disponibilidade no nosso meio. A RM pode ser utilizada para o rastreamento do câncer de mama ou como ferramenta adicional à mamografia e à US para esclarecimento diagnóstico. O seu papel no rastreamento de pacientes de alto risco já está estabelecido, porém, esta indicação, apesar de cada vez mais frequente, ainda não representa a maior parte dos exames realizados nos EUA(6). No Brasil, existem poucos dados sobre o perfil das indicações de RM das mamas, o que reflete a forma de inserção deste método de imagem na abordagem das pacientes em nosso meio. O objetivo deste estudo é descrever o perfil de indicações de RM das mamas realizadas em um hospital terciário referência no tratamento de lesões mamárias. MATERIAIS E MÉTODOS Este é um estudo observacional descritivo, retrospectivo, em que foi feita análise de dados de arquivo com as solicitações médicas dos exames de RM das mamas realizados em um hospital terciário, onde funciona um centro de referência no diagnóstico e tratamento do câncer de mama, no período de 2014 a 2018. A coleta de informações foi feita com base nos dados do arquivo, utilizando-se a ferramenta Google Docs. Os dados foram importados e analisados pelo programa SPSS Statistics versão 23 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA). RESULTADOS Foram avaliados 1353 exames de RM das mamas. A indicação mais frequente foi complemento de mamografia/US, correspondendo a 43,6% (n = 590) do total de exames. O estadiamento do câncer de mama correspondeu a 25,1% (n = 339) dos exames. Em 17,4% (n = 236) dos exames a indicação foi o rastreamento de pacientes de risco elevado para câncer de mama. Em 10,1% (n = 136) os exames foram realizados para avaliação de implantes e em 3,8% (n = 52), para avaliação de resposta a tratamento por quimioterapia neoadjuvante. Nos casos em que houve dúvidas sobre a indicação do exame, eram buscadas informações nos questionários para melhor entendimento do intuito da solicitação e consequente inclusão da indicação em algum dos subgrupos previamente descritos. Destaca-se que todas as pacientes submetidas a RM das mamas no serviço de radiologia da instituição são pessoalmente entrevistadas por médicos imediatamente antes da realização do exame, que avaliam seus questionários. DISCUSSÃO O perfil de indicações dos exames no nosso serviço é semelhante ao observado na literatura, encontrado em serviços de referência americanos, onde a complementação de outros métodos de imagem é responsável por 40,3% dos exames, o rastreamento de alto risco representa 31,7% e o estadiamento do câncer de mama, 16,2%. As demais indicações somam 11,8%(6). Existe ampla literatura a respeito das indicações de RM das mamas(7–13), sendo o rastreamento de pacientes de alto risco, ou seja, mulheres que apresentam risco maior do que 20% de desenvolver câncer de mama ao longo da vida, a indicação com maior índice de evidência científica. Este grupo inclui portadoras de mutações dos genes BRCA, mulheres submetidas a radioterapia torácica por linfoma entre os 10 e 30 anos de idade, pacientes portadoras de síndromes associadas ao câncer de mama, como as síndromes de Li-Fraumeni e de Cowden (Figura 1), e mulheres com fortes antecedentes hereditários que as coloquem na faixa de risco de acordo com cálculo realizado em modelos de risco existentes, como o de Gail e o de Tyrer-Cuzick. Figura 1. Paciente de 46 anos, portadora de síndrome de Cowden, com US categoria BI-RADS 2 por presença de cistos bilaterais e mamografia categoria BI-RADS 3 em razão de focos de calcificações puntiformes no quadrante inferomedial e região central da mama direita. RM das mamas mostrou área de realce não nodular com distribuição segmentar na região central da mama direita, estendendo-se ao quadrante superomedial, em correspondência com as calcificações observadas na mamografia. Demonstrou-se, ainda, área focal de realce não nodular na união dos quadrantes laterais da mama esquerda, com isossinal nas sequências ponderadas em T2 e hipersinal na sequência ponderada em difusão com valores de b elevados. Foram realizadas biópsias das lesões de ambas as mamas, com anatomopatológico compatível com carcinoma ductal in situ de grau intermediário bilateral. Em pacientes com câncer de mama já diagnosticado, a RM pode detectar sítios adicionais ipsilaterais em 6% a 34% dos casos e na mama contralateral, em 4% a 24% dos casos(12). No estadiamento pré-operatório do carcinoma mamário, apesar de existirem críticas, o benefício é bem estabelecido nos casos de carcinomas agressivos em mamas densas, em que a mamografia apresenta menor sensibilidade, na avaliação de carcinoma lobular devido ao aumento do risco de multifocalidade e multicentricidade, e ainda nos casos de carcinoma ductal in situ extenso. Na avaliação de resposta a quimioterapia neoadjuvante (Figura 2), a RM apresenta melhor correlação com achados da anatomia patológica da peça cirúrgica. Figura 2. Paciente de 49 anos, com diagnóstico de carcinoma ductal invasor da mama esquerda. A: RM mostrando lesões multifocais, com nódulos irregulares e focos de realce na mama esquerda, compatíveis com o diagnóstico de neoplasia. B: RM realizada seis meses depois, após término da quimioterapia neoadjuvante, indicando desaparecimento das lesões na mama esquerda, compatível com resposta imaginológica completa ao tratamento quimioterápico. Na pesquisa de ruptura de próteses e implantes, assim como outras complicações relacionadas a mamoplastia de aumento, a RM é mais eficaz do que os demais métodos de imagem, com sensibilidade e especificidade maior do que 90% em rupturas (Figura 3)(13). Figura 3. Mulher de 48 anos submetida a RM das mamas para avaliação da integridade de implantes mamários. Imagem de RM na sequência axial inversion recovery com supressão do sinal da água demonstrando múltiplas linhas hipointensas curvilíneas e irregulares na mama direita, compatível com “sinal do linguine”, indicando ruptura intracapsular. A RM é utilizada na detecção de carcinoma mamário oculto em pacientes com doença metastática em linfonodos axilares e sem indícios de lesão primária nas mamas pelos outros métodos de imagem. Vários estudos demonstram que a RM pode detectar o tumor de mama primário na maioria das mulheres com apresentação inicial de metástase de adenocarcinoma em linfonodos axilares(13). A avaliação complementar à mamografia e à US representa grande parte das indicações de RM. Apesar de ser discutível seu uso em várias situações, como substituir a avaliação adequada em um exame de baixa qualidade técnica, o uso da RM pode corroborar a decisão de controlar clinicamente as lesões duvidosas depois de esgotada toda a propedêutica com mamografia e US. Entretanto, não deve ser uma opção à biópsia em achados suspeitos ou calcificações agrupadas(14,15). Situações especiais como avaliação de derrame papilar patológico, extensão da lesão na doença de Paget, estudo de lesão residual no pós-operatório de cirurgia conservadora com margens comprometidas, assim como método auxiliar na diferenciação entre alterações pós-cirúrgicas e recorrência tumoral, são também indicações para realização de exames de RM das mamas (Figura 4). Figura 4. Paciente de 48 anos, com diagnóstico recente de carcinoma lobular invasor e carcinoma lobular in situ na mama esquerda, apresentando margens comprometidas na peça cirúrgica em cirurgia conservadora. A RM mostrou áreas de realce não nodular na mama esquerda junto às margens cirúrgicas. O perfil das pacientes descritas neste artigo pode apresentar viés de seleção, pois os exames foram realizados em serviço de imagem localizado em um hospital que é referência para o diagnóstico e tratamento do câncer de mama, onde é realizado maior número de exames pré-cirúrgicos comparativamente aos serviços de imagem não hospitalares. Além disso, a maior parte dos médicos solicitantes que encaminham as pacientes para os exames é referência no tratamento do câncer de mama. CONCLUSÃO A despeito das fortes evidências em favor do uso da RM das mamas, o método ainda é subutilizado no nosso meio, não só para o rastreamento de mulheres de alto risco para câncer de mama, mas também para o estadiamento da doença e avaliação de resposta a quimioterapia neoadjuvante. O perfil de indicações mostra que o rastreamento de pacientes de alto risco ainda representa um número pequeno dentro do total de exames. Esta indicação, entretanto, apresenta o maior número de evidências científicas em relação à sua importância. Já o esclarecimento de achados dos exames de mamografia e US representa o maior número de indicações, justamente quando a aplicação da RM é mais controversa. Novos dados referentes à utilização do método no rastreamento de pacientes de risco habitual surgem à medida que o método torna-se mais acessível. Evidências sobre sua utilização no planejamento pré-tratamento, por meio de estadiamento mais adequado, e a identificação de perfis tumorais mais ou menos favoráveis apontam para perspectivas futuras de sua aplicação. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto de Câncer. Estimativa 2018: incidência de câncer no Brasil. [cited 2019 Feb 28]. Available from: www.inca.gov.br/estimativa/2018/estimativa-2018.pdf. 2. Tabár L, Dean PB, Chen THH, et al. The incidence of fatal breast cancer measures the increased effectiveness of therapy in women participating in mammography screening. Cancer. 2018;125(Suppl 1):515–23. 3. American Society of Breast Surgeons. Consensus guideline on diagnostic and screening magnetic resonance imaging of the breast. [cited 2017 Jun 22]. Available from: www.breastsurgeons.org/docs/statements/Consensus-Guideline-on-Diagnostic-and-Screening-Magnetic-Resonance-Imaging-of-the-Breast.pdf. 4. Kuhl CK, Strobel K, Bieling H, et al. Impact of preoperative breast MR imaging and MR-guided surgery on diagnosis and surgical outcome of women with invasive breast cancer with and without DCIS component. Radiology. 2017;284:645–55. 5. Pinker K, Helbich TH, Morris EA. The potential of multiparametric MRI of the breast. Br J Radiol. 2017;90:20160715. 6. Wernli KJ, DeMartini WB, Ichikawa L, et al. Patterns of breast magnetic resonance imaging use in community practice. JAMA Intern Med. 2014;174:125–32. 7. Murphy CD, Lee JM, Drohan B, et al. The American Cancer Society guidelines for breast screening with magnetic resonance imaging: an argument for genetic testing. Cancer. 2008;113:3116–20. 8. Oeffinger KC, Fontham ETH, Etzioni R, et al. Breast cancer screening for women at average risk: 2015 guideline update from the American Cancer Society. JAMA. 2015;314:1599–614. 9. Febrasgo. Ressonância magnética das mamas – quando e porque. [cited 2017 Jul 12]. Available from: https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/145-ressonancia-magnetica-das-mamas%20quando-e-porque. 10. Saslow D, Boetes C, Burke W, et al. American Cancer Society guidelines for breast screening with MRI as an adjunct to mammography. CA Cancer J Clin. 2007;57:75–89. 11. Sung JS, Li J, Da Costa G, et al. Preoperative breast MRI for early-stage breast cancer: effect on surgical and long-term outcomes. AJR Am J Roentgenol. 2014;202:1376–82. 12. Carneiro GAC, Arantes Pereira FP, Lopes FPPL, et al. Magnetic resonance imaging-guided vacuum-assisted breast biopsy: experience and preliminary results of 205 procedures. Radiol Bras. 2018; 51:351–7. 13. Slanetz PJ. MRI of the breast and emerging technologies. UpToDate. [cited 2019 Jul 25]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/mri-of-the-breast-and-emerging-technologies. 14. Moy L, Elias K, Patel V, et al. Is breast MRI helpful in the evaluation of inconclusive mammographic findings? AJR Am J Roentgenol. 2009;193:986–93. 15. Sanders LM, El-Madany M, Persing A, et al. Use of contrast-enhanced MRI in management of discordant core biopsy results. AJR Am J Roentgenol. 2019;212:1157–65. 1. Hospital Felício Rocho – Radiologia, Belo Horizonte, MG, Brasil 2. FAME – Faculdade de Medicina de Barbacena, Barbacena, MG, Brasil. a. https://orcid.org/0000-0003-2802-0081 b. https://orcid.org/0000-0001-6960-3211 c. https://orcid.org/0000-0001-5943-3853 d. https://orcid.org/0000-0002-3296-9006 e. https://orcid.org/0000-0002-9192-684X f. https://orcid.org/0000-0002-5747-2119 g. https://orcid.org/0000-0001-7040-6549 Correspondência: Dr. Samuel Silva Ferreira Hospital Felício Rocho – Radiologia Avenida do Contorno, 9530, Barro Preto Belo Horizonte, MG, Brasil E-mail: samuelsifer@gmail.com Recebido para publicação em 1/10/2019 Aceito, após revisão, em 17/4/2020 |