ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Lucas de Pádua Gomes de Fariasa; Daniel Cunha Menezesb; Igor Schneider Faéc; Pedro Henrique Coelho de Arrudad; João Manoel Miranda Magalhães Santose; Gustavo Borges da Silva Telesf |
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Descritores: Arcos costais; Variantes anatômicas; Tomografia computadorizada multidetectores. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
As variantes anatômicas dos arcos costais são, geralmente, achados incidentais nos exames de imagem, em razão do seu comportamento assintomático ou quadro inespecífico, podendo constituir alterações isoladas ou relacionadas a anomalias e síndromes clínicas(1,2). Essas alterações são facilmente negligenciadas na radiografia convencional e na tomografia computadorizada se não forem investigadas ativamente(1,2), principalmente quando a maioria das indicações do estudo radiológico do tórax tem como objetivo a avaliação do parênquima pulmonar e das estruturas mediastinais. O objetivo deste artigo é demonstrar, por meio da tomografia computadorizada multidetectores (TCMD), os aspectos de imagem das principais variantes anatômicas e anomalias congênitas dos arcos costais. ANATOMIA NORMAL O arcabouço ósseo torácico (Figura 1) é constituído de 12 pares de arcos costais, o esterno, as clavículas e o segmento torácico da coluna vertebral. Os arcos costais são ossos chatos e elásticos que se articulam anteriormente ao esterno, posteriormente aos corpos vertebrais, e que podem ser classificados de acordo com a sua articulação esternal (verdadeiros, falsos e flutuantes) ou de acordo com a sua morfologia (típicos ou atípicos)(3,4). Figura 1. Anatomia dos arcos costais. TCMD (A,B,C – reconstruções tridimensionais) mostra anatomia habitual dos arcos costais em um adulto jovem caracterizados por 12 pares de costelas articuladas posteriormente aos respectivos corpos vertebrais (T1 a T12). Do 1º ao 7º arcos costais (arcos costais verdadeiros) articulam-se diretamente ao esterno por meio das cartilagens esternocondrais, enquanto as cartilagens condrocostais do 8º ao 10º (arcos costais falsos) estão articulados à cartilagem esternocondral do 7º arco costal ipsilateral, e os 11º e 12º (arcos costais flutuantes) são pontos de origem e inserção miotendínea, sem se articular ao esterno. Notar os componentes anatômicos do arco costal, por meio da sua visão inferior, em C, e a projeção das cartilagens costais hialinas (transparência vermelha). Os arcos costais são denominados verdadeiros quando se articulam diretamente ao esterno por meio das respectivas cartilagens costais (sincondrose no 1º par e sinoviais do 2º ao 7º pares), falsos quando se articulam indiretamente ao esterno por meio da cartilagem costal adjacente superiormente (sincondroses), e flutuantes quando não há articulação costal anterior, terminando juntamente à parede abdominal. Os primeiros sete arcos costais são verdadeiros, do 8º ao 10º são flutuantes e os dois últimos são falsos(3–5). Quanto à morfologia, são considerados típicos (do 3º ao 10º) quando possuem facetas articulares em cada extremidade e um corpo alongado ligado à cabeça pelo colo e um tubérculo (Figura 1C). A cabeça articula-se com o corpo vertebral, formando a articulação costovertebral, e o tubérculo articula-se com o processo transverso da vértebra, formando a articulação costotransversa, sendo as duas articulações sinoviais. Os arcos costais 1º, 2º, 11º e 12º são considerados atípicos por não possuírem características comuns aos demais arcos, e deles, o 1º e o 2º possuem características de transição cervicotorácica. O 1º arco é mais curto e largo, apresenta sulcos relacionados aos vasos subclávios e um tubérculo para fixação dos músculos escalenos, enquanto o 2º arco, mais fino e longo que o 1º arco, apresenta uma tuberosidade para fixação do músculo serrátil anterior. Os arcos costais 11º e 12º são atípicos por não possuírem facetas articulares anteriores, colo e tubérculo. Todos os arcos costais apresentam um sulco costal inferior, relacionado ao feixe vasculonervoso intercostal, e do 2º ao 9º há ainda uma segunda face articular na sua cabeça para articulação com o corpo vertebral superior adjacente(3,4). CALCIFICAÇÕES FISIOLÓGICAS COSTOCONDRAIS E PSEUDOARTROSE DO PRIMEIRO ARCO COSTAL As cartilagens costocondrais geralmente apresentam calcificações após o fim da segunda ou início da terceira décadas de vida, podendo estar associadas a condições patológicas quando presentes em adolescentes e adultos jovens, como insuficiência renal, doenças autoimunes, tireoidopatias e neoplasias(4). Com a calcificação cartilaginosa progressiva do primeiro par de arcos costais, a pseudoartrose torna-se um achado bastante frequente (Figura 2)(3,6). O padrão de calcificação pode ajudar na distinção entre pacientes do sexo masculino ou feminino: mulheres tendem a ter calcificações centrais e nodulares, com aspecto em língua (Figura 2), enquanto os homens apresentam calcificações lineares periféricas paralelas, com aspecto em trilho de trem (Figura 3)(4,5). Figura 2. Pseudoartrose e calcificações costocondrais fisiológicas. TCMD (reconstrução tridimensional) demonstra pseudoartrose no primeiro arco costal bilateral (setas) em uma paciente do sexo feminino de 45 anos de idade. Notar o padrão de calcificação nodular e periférico da cartilagem esternocostal bilateral. Figura 3. Calcificações costocondrais fisiológicas. TCMD (A – reconstrução tridimensional, B – coronal) mostra fusão dos primeiros arcos costais ao manúbrio esternal (setas) em um paciente do sexo masculino de 83 anos de idade, além da calcificação das demais cartilagens esternocostais e condrocostais bilaterais. Notar o padrão de calcificação em trilho de trem. ARCO COSTAL CERVICAL É um arco costal acessório ou supranumerário que se articula posteriormente com o sétimo corpo vertebral cervical (C7) (Figura 4). Sua prevalência na população varia de 0,2% a 2%, sendo mais comum no sexo feminino, entretanto, é um achado comum quando associado a síndrome de Klippel-Feil. É unilateral ou bilateral assimétrico e geralmente assintomático, podendo estar relacionado a neuropatia do plexo braquial e compressões vasculares, como a síndrome do desfiladeiro torácico e formação de aneurismas da artéria subclávia ipsilateral. Deve-se fazer o diagnóstico diferencial com processo transverso alongado de C7 ou um primeiro arco costal curto(1,2,7,8). Figura 4. Costela cervical. TCMD (A – reconstrução tridimensional, B –axial MIP) identifica arco costal supranumerário à direita (setas), articulando-se posteriormente com o corpo vertebral de C7, não havendo estrutura articular no seu aspecto anterior ao esterno ou qualquer estrutura óssea (flutuante). Notar sua próxima relação com o primeiro arco costal torácico e a clavícula ipsilaterais, o que pode estar relacionado, em alguns casos, a síndromes compressivas vasculares. ARCO COSTAL CURTO E HIPOPLÁSICO É caracterizado por um arco costal que não se estende anteriormente ao esterno, provavelmente devido a uma fusão precoce do centro epifisário (Figura 5)(2,7). Ocorre em aproximadamente 16% da população, sendo mais comum à direita do que à esquerda, podendo ser bilateral(7). Geralmente é assintomático, constituindo achado isolado, mas pode estar associado a displasias esqueléticas, como displasia tanatofórica, acondroplasia, displasia condroectodérmica de Ellis-van Creveld, displasia torácica asfixiante (ou síndrome de Jeune) e outras síndromes de arco costal curto-polidactilia(2). Figura 5. Arco costal curto. TCMD (A – reconstrução tridimensional, B – coronal, C – axial MIP oblíquo no eixo longitudinal do arco costal) revela hipoplasia do 5º arco costal direito, que apresenta inclinação inferior na sua extremidade anterior (setas brancas), justaposto ao aspecto médio do 6º arco costal ipsilateral (setas vermelhas). Notar a assimetria quando comparado ao arco costal contralateral nas imagens coronal e axiais, e a deformidade locorregional da caixa torácica (linha pontilhada). ARCO COSTAL BÍFIDO Também conhecido como arco costal bífido de von Luschka (Figura 6), é a variante mais comum, caracterizada por uma duplicidade na sua porção anterior, nos seus aspectos ósseos e/ou cartilaginosos, geralmente acometendo o 4º arco costal(1,2). É também associada a síndrome de Gorlin(2). Figura 6. Arco costal bífido. TCMD (reconstrução tridimensional) mostra o aspecto bífido do 5ª arco costal direito na sua porção anterior, incluindo a cartilagem hialina esternocostal, porém, sem determinar deformidades significativas na caixa torácica. Calcificações esternocostais e condrocostais fisiológicas bilateralmente. ARCO COSTAL INTRATORÁCICO É uma variante bastante rara caracterizada por uma proeminência óssea de um arco costal para o interior da cavidade torácica(9,10). Usualmente é um arco supranumerário, unilateral (mais comumente à direita) e assintomático, mas que pode ter inserção diafragmática e repercutir em disfunções ventilatórias(10,11). Há proposta de classificação(9) aliada a alterações genéticas em: tipo Ia – supranumerário com origem da porção anterolateral do corpo vertebral; tipo Ib – arco supranumerário com origem na porção posterior de outro arco costal, adjacente ao corpo vertebral (Figura 7); tipo II – mais raro, arco costal bífido com o segmento ósseo intratorácico na porção distal do arco; tipo III – depressão do arco costal para o interior da cavidade torácica. A coexistência de mais de um tipo também é possível. Figura 7. Arco costal intratorácico (tipo Ib). TCMD (A – reconstrução tridimensional, B – axial, C – sagital MIP) demonstra arco costal supranumerário (setas vermelhas) com origem na porção posterior do 3º arco costal esquerdo curto (setas brancas), com trajeto oblíquo lateral e inferior para o parênquima pulmonar. Notar que o arco costal não tem cavidade medular revelada no método. Não foram identificadas alterações nos corpos e arcos vertebrais posteriores. FUSÃO DE ARCOS COSTAIS A fusão de arcos costais pode ser completa ou parcial, acometendo suas porções anteriores (Figura 8) ou posteriores. Acredita-se que seja uma falha de segmentação, pois pode também estar relacionada a falhas de segmentação de corpos vertebrais(1). Figura 8. Fusão de arcos costais. TCMD (reconstrução tridimensional) mostra a fusão das porções corporais médias dos 4º e 5º arcos costais à direita, porém sem determinar deformidades significativas na caixa torácica. FORAME COSTAL Sem significado clínico, constitui uma imagem arredondada de corticais bem delimitadas centrada no componente ósseo do arco costal (Figura 9), podendo constituir diagnóstico diferencial com lesões ósseas, como o cisto ósseo aneurismático e o encondroma(12). Figura 9. Forame costal. TCMD (reconstrução tridimensional) demonstra forame bem circunscrito, de contornos corticalizados, situado na região anterior do 3º arco costal direito. EROSÃO COSTAL São deformidades de aspecto erosivo que acometem a superfície superior, inferior (sinal de Roesler) ou ambas do arco costal, podendo estar relacionadas a afecção vascular arterial (Figura 10) ou venosa, neurogênica, doença do tecido conjuntivo ou outras alterações que repercutam com pressão local sobre o arco costal(2), como a proeminente vascularização do sulco costal inferior em alguns casos de coarctação da aorta(13). Figura 10. Erosão costal. TCMD (A,B – axial oblíquo) identifica erosões ósseas nos aspectos posteriores dos arcos costais bilaterais, mais evidentes nos arcos costais superiores à direita, que acompanham a trajeto vascular arterial (seta). CONCLUSÃO Os arcos costais apresentam numerosas imagens radiológicas normais, variantes anatômicas e condições patológicas, por vezes simulando afecções do parênquima pulmonar na radiografia, sendo mais bem elucidadas por meio da TCMD. É de suma importância a sua correta avaliação, pois vários achados de imagem podem ser úteis como indicadores de displasia óssea, doença cardíaca, doença metabólica, trauma e neoplasias, sabidamente conhecidas ou não. Médicos radiologistas devem estar familiarizados com as variantes da normalidade, a fim de evitar confundi-las com condições patológicas. REFERÊNCIAS 1. Guttentag AR, Salwen JK. Keep your eyes on the ribs: the spectrum of normal variants and diseases that involve the ribs. Radiographics. 1999;19:1125–42. 2. Glass RBJ, Norton KI, Mitre SA, et al. Pediatric ribs: a spectrum of abnormalities. Radiographics. 2002;22:87–104. 3. Talbot BS, Gange CP Jr, Chaturvedi A, et al. Traumatic rib injury: patterns, imaging pitfalls, complications, and treatment. Radiographics. 2017;37:628–51. 4. Levine BD, Motamedi K, Chow K, et al. CT of rib lesions. AJR Am J Roentgenol. 2009;193:5–13. 5. Ontell FK, Moore EH, Shepard JA, et al. The costal cartilages in health and disease. Radiographics. 1997;17:571–7. 6. Gossner J. Pseudarthrosis of the cartilaginous part of the first rib is a common incidental finding on chest CT. Diagn Interv Imaging. 2016;97:53–6. 7. Kurihara Y, Yakushiji YK, Matsumoto J, et al. The ribs: anatomic and radiologic considerations. Radiographics. 1999;19:105–19. 8. Viertel VG, Intrapiromkul J, Maluf F, et al. Cervical ribs: a common variant overlooked in CT imaging. AJNR Am J Neuroradiol. 2012;33:2191–4. 9. Kamano H, Ishihama T, Ishihama H, et al. Bifid intrathoracic rib: a case report and classification of intrathoracic ribs. Intern Med. 2006;45:627–30. 10. Argyriou P, Pousios D, Tsocanas D, et al. Demonstration of an intrathoracic rib with computed tomography and three-dimensional reconstruction. Ann Thorac Surg. 2007;84:2117. 11. Carvalho FHG, Lopes GP. Intrathoracic rib: a case report. Radiol Bras. 2012;45:121–2. 12. Yochum TR, Rowe LJ. Essentials of skeletal radiology. 3rd ed. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins; 2002. 13. Babbitt DP, Cassidy GE, Godard JE. Rib notching in aortic coarctation during infancy and early childhood. Radiology. 1974;110:169–71. 1. UnitedHealth Group (UHG), São Paulo, SP, Brasil a. https://orcid.org/0000-0001-5195-9818 b. https://orcid.org/0000-0002-9309-8048 c. https://orcid.org/0000-0002-5671-0795 d. https://orcid.org/0000-0003-4701-9334 e. https://orcid.org/0000-0003-1273-3108 f. https://orcid.org/0000-0002-5405-5029 Correspondência: Dr. Lucas de Pádua Gomes de Farias Hospital Samaritano / UnitedHealth Group (UHG) Rua Conselheiro Brotero, 1486, Higienópolis São Paulo, SP, Brasil, 01232-010 E-mail: lucasdpadua@hotmail.com Recebido para publicação em 10/11/2019 Aceito, após revisão, em 9/12/2019 |