ARTIGO ESPECIAL
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Autho(rs): Marcia Wang Matsuoka1,2,a; Silvia Maria Sucena da Rocha1,2,b; Maria Augusta Bento Cicaroni Gibelli1,c; Carla Marques Nicolau1,d; Werther Brunow de Carvalho3,e; Lisa Suzuki1,f |
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Descritores: Ultrassonografia; Pulmão/diagnóstico por imagem; Infecções por coronavírus/diagnóstico por imagem; Coronavírus; Recém-nascido. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Desde o início da pandemia da COVID-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2, muito tem sido divulgado sobre o uso da ultrassonografia (US) pulmonar como método de imagem no diagnóstico e acompanhamento evolutivo nos pacientes adultos e pediátricos com esta doença(1–3). Vários trabalhos têm sido publicados divulgando para a comunidade médica as alterações provocadas pelo SARS-CoV-2 nas diferentes faixas etárias, nos diferentes estágios da doença e nos diversos órgãos(3–5). Por se tratar de uma doença nova, muitas alterações que provocam no organismo ainda estão sendo elucidadas. Nos recém- nascidos (RNs) em particular, estudos das alterações pulmonares decorrentes da COVID-19 também vêm sendo realizados(6,7). No presente trabalho, os autores procuram divulgar as imagens ultrassonográficas pulmonares obtidas de RNs nascidos de mães COVID-19 suspeitas ou positivas neste período de pandemia, demonstrando imagens ultrassonográficas pulmonares de alterações presentes em RNs COVID-19 positivos, além de imagens ultrassonográficas presentes nas doenças inerentes ao período neonatal. MÉTODO Foram realizados exames ultrassonográficos pulmonares de RNs durante o período em que permaneceram internados logo após o nascimento em hospital de nível terciário modificado para atender apenas pacientes COVID-19 suspeitos ou confirmados durante a fase da pandemia. Os RNs avaliados apresentavam-se assintomáticos para COVID-19, estando internados pelo período habitual pós-nascimento e recebendo os cuidados clínicos que normalmente receberiam, independentemente do contexto da pandemia. Dados clínicos e laboratoriais foram coletados e os exames ultrassonográficos foram realizados por médico especialista em US pediátrica, com transdutor linear de 7,5 a 10 MHz, com os cuidados de higiene relacionados à COVID-19 protocolados pelo hospital(8). Nos exames de US pulmonar, as varreduras pulmonares foram realizadas em paredes torácicas anterior, lateral e posterior. Foram obtidas imagens em planos longitudinal e transversal. Foram avaliados 27 RNs, com idade gestacional no momento do parto variando desde 26 semanas e 2 dias a 38 semanas, e peso de nascimento variando de 680 a 3600 gramas. Foram avaliados RNs assintomáticos da parte respiratória, COVID negativos e positivos, e RNs sintomáticos para a parte respiratória, COVID-negativos, observados na taquipneia transitória do recém-nascido e na síndrome do desconforto respiratório. As imagens ultrassonográficas obtidas nos RNs assintomáticos, com resultado negativo para pesquisa de COVID-19, variaram desde o padrão descrito como normal (presença de linhas A, poucas linhas B, linha pleural fina e linear, ausência de efusão pleural) (Figura 1), assim como foi observada presença de linhas B coalescentes e espessamento pleural (Figura 2), presença de imagem hiperecogênica pulmonar difusa acometendo todo o pulmão, sem caraterização das linhas A (Figura 3), e presença de superfície pleural irregular, com consolidação superficial e broncogramas aéreos (Figura 4). Foram observados, também, RNs com áreas de condensação pulmonar na face posterior do tórax (Figura 5), assintomáticos da parte respiratória. Figura 1. RN assintomático, COVID-19 negativo. Exame normal. Presença de linhas A (setas finas), poucas linhas B (seta cheia), linha pleural regular (seta azul). Figura 2. RN assintomático, COVID-19 negativo. Linhas B coalescentes (setas), espessamento pleural (setas verdes). Figura 3. RN assintomático, COVID-19 negativo. Taquipneia transitória do recém-nascido. Hiperecogenicidade difusa, sem a caracterização das linhas A. Figura 4. RN assintomático, COVID-19 negativo. Síndrome do desconforto respiratório. Espessamento pleural associado a condensação pulmonar superficial com broncogramas aéreos (setas). Figura 5. RN assintomático, COVID-19 negativo. Área de condensação pulmonar focal (seta). Destaca-se a presença de dois RNs COVID-19 positivos, assintomáticos, que tiveram padrão ultrassonográfico pulmonar com múltiplas linhas B coalescentes, principalmente em faces pulmonares posteriores, espessamento pleural e áreas de condensação (Figuras 6 e 7). Destaca-se ainda a presença de RN COVID-19 positivo, com área de condensação importante na face pulmonar posterior, assintomático (Figura 8). Figura 6. RN assintomático, COVID-19 positivo. Condensação focal pulmonar (seta verde) e linhas B coalescentes (setas brancas). Figura 7. RN assintomático, COVID-19 positivo. Condensação focal pulmonar (setas). Figura 8. RN assintomático, COVID-19 positivo. Condensação pulmonar extensa (setas). DISCUSSÃO A US é um método de imagem que apresenta características bastante favoráveis para o uso em crianças, como ausência da radiação, podendo por isso ser repetido quantas vezes forem necessárias, disponibilidade, inócuo, não necessitar de sedação da criança e ser realizado à beira do leito. Além da US, outro método de imagem também utilizado na avaliação dos pacientes acometidos pela COVID-19 é a tomografia computadorizada (TC) de tórax, principalmente em adultos. Entretanto, este método de imagem utiliza radiação ionizante e sua realização em neonatos e crianças deve ser criteriosa e evitada sempre que houver outras opções. Além disso, a TC nem sempre é disponível e há a necessidade do transporte do paciente, muitas vezes em incubadoras e com necessidade de suporte ventilatório, ao local onde se encontra o equipamento. No contexto da COVID-19, a possibilidade de redução no transporte do paciente pelos diferentes setores evidencia outra característica favorável ao uso da US(5). A radiografia de tórax, utilizada nos primeiros casos de COVID-19(9), é menos específica para esta doença. O papel da US na avaliação pulmonar do RN acometido pela COVID-19 em particular tem-se mostrado importante em razão das características da doença, que provoca alterações na superfície pulmonar(10,11), permitindo a avaliação do pulmão de maneira bastante satisfatória nos neonatos, reservando-se a TC de tórax para os casos em que a US pulmonar seja insuficiente. A US pulmonar nos RNs apresenta condições favoráveis para a sua realização, em função da superfície pequena do tórax do RN, demandando varreduras menos extensas quando comparada à dos adultos. Além disso, a obtenção das imagens da superfície pulmonar é facilitada pela menor espessura da parede torácica do RN. Muito tem sido divulgado a respeito do uso da US pulmonar na COVID-19. Nos RNs com COVID-19, as alterações ultrassonográficas pulmonares descritas na literatura são as mesmas observadas em crianças maiores e em adultos: ausência de linhas A, linhas B coalescentes, espessamento pleural, presença de condensações pulmonares subpleurais(10,11). É importante lembrar que no período neonatal o RN possui características pulmonares inerentes à sua idade, assim como apresenta características fisiológicas em consonância com o período pós-natal em que se encontra. No RN prematuro, características pulmonares relacionadas à síndrome do desconforto respiratório por deficiência do surfactante(12,13), ou características relacionas às primeiras 72 horas de vida, quando pode ocorrer taquipneia transitória do recém-nascido(14), são exemplos em que a US pulmonar pode apresentar alterações decorrentes dessas fases, não relacionadas especificamente à COVID-19(14). Trabalhos publicados têm mostrado a importância da correlação dos dados clínicos com os achados ultrassonográficos em adultos e em crianças, incluindo os RNs, que por motivos ainda desconhecidos apresentam quadros respiratórios leves ou permanecem assintomáticos na infecção pelo SARS-CoV-2(10,15,16). Diferentemente do trabalho de De Rose et al.(10), em que os RNs COVID-19 positivos avaliados apresentaram quadros clínicos variados, desde sintomas respiratórios até sintomas gastrointestinais, os RNs avaliados no presente trabalho permaneceram assintomáticos durante o período de internação. CONCLUSÃO Com este trabalho, os autores procuram demonstrar a aplicabilidade do uso da US torácica dentro do contexto da pandemia da COVID-19, incluindo as doenças inerentes ao período neonatal. REFERÊNCIAS 1. Schwartz DA. An analysis of 38 pregnant women with COVID-19, their newborn infants, and maternal-fetal transmission of SARS-CoV-2: maternal coronavirus infections and pregnancy outcomes. Arch Pathol Lab Med. 2020 Mar 17. Online ahead of print. 2. Qiu H, Wu J, Hong L, et al. Clinical and epidemiological features of 36 children with coronavirus disease 2019 (COVID-19) in Zhejiang, China: an observational cohort study. Lancet Infect Dis. 2020;20:689–96. 3. Gregorio-Hernández R, Escobar-Izquierdo AB, Cobas-Pazos J, et al. Point-of-care lung ultrasound in three neonates with COVID-19. Eur J Pediatr. 2020;179:1279–85. 4. Musolino AM, Supino MC, Buonsenso D, et al. Lung ultrasound in children with COVID-19: preliminary findings. Ultrasound Med Biol. 2020;46:2094–8. 5. 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Coronavirus infections in children including COVID-19: an overview of the epidemiology, clinical features, diagnosis, treatment and prevention options in children. Pediatr Infect Dis J. 2020;39:355–68. 12. Gregorio-Hernández R, Arriaga-Redondo M, Pérez-Pérez A, et al. Lung ultrasound in preterm infants with respiratory distress: experience in a neonatal intensive care unit. Eur J Pediatr. 2020;179:81–9. 13. Abdelsadek A, Khair MDA, Naga OA. Lung ultrasound as early diagnostic tool in neonatal respiratory distress syndrome (RDS). Egypt J Chest Dis Tuberc. 2016;65:377–82. 14. Liu J, Wang Y, Fu W, et al. Diagnosis of neonatal transient tachypnea and its differentiation from respiratory distress syndrome using lung ultrasound. Medicine (Baltimore). 2014;93:e197. 15. Shalish W, Lakshminrusimha S, Manzoni P, et al. COVID-19 and neonatal respiratory care: current evidence and practical approach. Am J Perinatol. 2020;37:780–91. 16. Lu Q, Shi Y. Coronavirus disease (COVID-19) and neonate: what neonatologist need to know. J Med Virol. 2020;92:564–7. 1. Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICr/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil 2. Centro Diagnóstico do Laboratório Fleury Medicina e Saúde, São Paulo, SP, Brasil 3. Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil a. https://orcid.org/0000-0001-6856-0512 b. https://orcid.org/0000-0001-8640-4900 c. https://orcid.org/0000-0001-9074-7500 d. https://orcid.org/0000-0001-5627-3751 e. https://orcid.org/0000-0002-9164-616X f. https://orcid.org/0000-0001-6045-0191 Correspondência: Dra. Marcia Wang Matsuoka Instituto da Criança – HC-FMUSP Avenida Doutor Enéas Carvalho de Aguiar, 647, Cerqueira César São Paulo, SP, Brasil, 05403-000 E-mail: marcia.matsuoka@hc.fm.usp.br Recebido para publicação em 26/7/2020 Aceito, após revisão, em 24/8/2020 |