ARTIGO ESPECIAL
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Autho(rs): Regina Lucia Elia Gomesa; Luisa Leitão de Fariab; Hernane Ajuz Holzmannc; Natalia Kimie de Faria Fujiwarad; Sabrina de Mello Andoe; Marcio Valente Yamada Sawamuraf; Claudia da Costa Leiteg; Giovanni Guido Cerrih |
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Descritores: Pandemias; Radiologia; Internato e residência. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
No mundo todo, os programas de residência médica em radiologia, por meio de seus supervisores e em conjunto com os médicos preceptores, desenvolveram uma estratégia de combate à pandemia da COVID-19, para garantir a segurança e o bem-estar dos médicos residentes, que constituem uma força de trabalho saudável com demandas crescentes, sempre procurando manter os treinamentos destes quando possível(1). Com base na experiência relatada por outros países, conseguimos organizar com antecedência essa nova realidade, buscando orientar a todos os envolvidos. Antes mesmo do início da pandemia da COVID-19 no Brasil, foram tomadas medidas para fornecer suporte e estrutura para os médicos residentes, de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação e Cultura, do Governo do Estado de São Paulo, da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) e da Comissão de Ensino de Aperfeiçoamento e Residência (CEAR) do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR). Os médicos preceptores, chefes dos residentes, desempenham um papel de liderança fundamental nos programas, fazendo a ponte entre os supervisores dos programas e os residentes, ajudando-os a atingir suas metas, desenvolver habilidades e as demais peculiaridades de cada programa de residência médica, e neste período de incertezas, se tornaram ainda mais importantes na elaboração e manutenção das respostas às demandas da COVID-19(2). Por determinação do Governo do Estado de São Paulo, por meio do decreto 64.862 de 13 de março de 2020(3), os médicos assistentes e residentes tiveram as férias canceladas durante o período da pandemia, a serem remanejadas posteriormente, com o objetivo de manter a força de trabalho completa e disponível no pico da crise. Os supervisores do programa e os preceptores elaboraram em conjunto um planejamento estratégico para o enfrentamento da pandemia, com início do planejamento em 15 de março de 2020. O objetivo, ao divulgá-lo, é poder compartilhar a experiência ainda nessa fase em que o Brasil não atingiu o pico de incidência ou de mortes pela doença, que ainda está se alastrando por vários Estados e cidades. A circular nº 1/2020, de 19 de março, da CNRM e do Ministério da Educação e Cultura, apoiada pela CEAR-CBR em 25 de março, norteou nossa estratégia(4,5). Nesse planejamento estratégico, os aspectos levados em consideração para a reorganização da grade dos residentes por três meses durante a pandemia foram: localização, comorbidades, voluntários para a linha de frente, rodízios, treinamento em imagem COVID-19, ferramentas de atividades on-line, na tentativa de minimizar os efeitos desta pandemia no ensino da radiologia e ao mesmo tempo dar suporte ao atendimento de pacientes com COVID, focando num plano de apoio emocional durante a crise (Tabela 1). LOCALIZAÇÃO Os vários institutos foram divididos em áreas de maior e menor risco, relacionadas à presença ou ausência de pacientes com COVID-19, respectivamente. Com isso em mente, começamos a organizar a divisão de médicos residentes nos dois grupos, maior risco e menor risco, cada grupo possibilitando o rodízio mensal apenas entre os próprios residentes. Além disso, ao contrário das salas de laudo de portas abertas que tínhamos, para manter o isolamento social preconizado, providenciamos a restrição ao acesso à sala de laudos em todos os institutos, disponibilizando os ramais telefônicos para resolução de dúvidas dos médicos clínicos e cirurgiões, mantendo assim a importante atividade do radiologista como um consultor, sempre disposto a ajudar na análise e interpretação dos métodos de imagem com os colegas de outras especialidades, compartilhando conhecimentos em prol dos pacientes. COMORBIDADES Residentes com histórico pessoal de fatores de risco para COVID-19 definidos pela Organização Mundial da Saúde e pelo Ministério da Saúde, como hipertensão, diabetes mellitus, asma, obesidade, cardiopatia, doenças pulmonares e outras comorbidades, foram diretamente designados para a área de menor risco(6). VOLUNTÁRIOS Dos 115 residentes e fellows, 65 (56,5%) ficaram na área de maior risco. Entre os 71 residentes, 12 (17%) se ofereceram para trabalhar no atendimento clínico dos pacientes com COVID-19. Todos os voluntários foram treinados antes de iniciar suas atividades no atendimento clínico, pela equipe do Programa de Residência Médica da Clínica Médica, para padronizar todas as condutas relativas às adotadas pela instituição e atualização das melhores práticas. Os 65 residentes e fellows ficaram na retaguarda no pronto-socorro ou em outras áreas de maior risco, como os setores de ultrassonografia e tomografia computadorizada. RODÍZIO O rodízio foi feito de acordo com a divisão das áreas de maior e menor risco, para que cada grupo possa rodar apenas em sua respectiva área, de modo a evitar contaminação e preservar os residentes com algum fator de risco ou comorbidade. Foi realizada uma nova grade com duração de três meses, segundo a divisão dos grupos pelas áreas de maior e menor risco, um mês em cada. Ao longo dos três meses, o rodízio foi efetuado, estando o grupo de maior risco no pronto-socorro, na sala de laudos e no console da tomografia computadorizada para eventuais pacientes COVID-19 e realizando exames ultrassonográficos no leito de pacientes COVID-19, nas enfermarias e nas unidades de terapia intensiva, com acesso a exames das diversas especialidades e ênfase nas urgências e nos achados relacionados à COVID-19. O grupo de menor risco estava localizado nos demais institutos, com ênfase nas áreas de pediatria, oncologia, neurologia, musculoesquelético e cardiotorácica. Toda a equipe de assistentes permaneceu disponível para ensinar presencialmente. Os médicos radiologistas e residentes não executaram suas atividades em casa (home-office), ao contrário de várias instituições no Brasil e no exterior. Tal orientação levou em consideração que radiologistas são médicos atuando na linha de frente do combate à COVID-19, como os demais colegas, dessa forma tornando semelhante a participação dos médicos das diversas especialidades, ficando todos presenciais, independentemente da possibilidade de se fazer ou não home-office(7). Com base nessa concepção, os residentes foram instruídos pelos supervisores e preceptores a se dividirem em dois turnos, para reduzir o número de pessoas que circulavam nas salas de laudos e em outras áreas comuns da radiologia, como salas das workstations, sala do corpo clínico e biblioteca, para onde foram levadas as workstations, tendo em vista reduzir a aglomeração. O primeiro turno começa às 7h00 e termina às 14h00 (com horário de almoço incluído) e o segundo inicia-se às 14h00 e termina às 20h00, e dessa forma apenas metade dos residentes habituais fica presente. No meio do rodízio mensal, esses turnos são invertidos entre os grupos. Os residentes que assim o desejassem, poderiam também acompanhar de casa as atividades realizadas fora de seus turnos. TREINAMENTO DE IMAGEM COVID-19 Todos os 115 residentes e fellows foram treinados anteriormente, em março, para identificar os principais aspectos da imagem relacionados à COVID-19, particularmente achados torácicos, mas também achados menos frequentes, como achados abdominais e neurológicos. O treinamento incluiu achados em radiografia, ultrassonografia e tomografia computadorizada de tórax e foi realizado com base em seleção de artigos recentes sobre o tema, atividades oferecidas on-line, além das aulas ministradas pela equipe de professores da instituição no Imagine, o primeiro curso oficial do calendário radiológico, inovador por ser completamente virtual em 2020(8). Posteriormente, foi aplicada prova pelos preceptores para avaliação do desempenho. Foram também treinados no uso de equipamentos de proteção individual, paramentação e desparamentação, por meio de vídeos institucionais. FERRAMENTAS DE ATIVIDADE ON-LINE Além das ferramentas já consagradas na rotina do Programa de Residência, como grupos de WhatsApp e Workplace, durante a pandemia iniciamos mais um grupo específico, o COVID-InRad no WhatsApp, para que os supervisores e preceptores pudessem acompanhar de perto os médicos residentes voluntários durante sua atuação no front clínico, para um apoio constante. No decorrer da pandemia, houve o rodízio desses voluntários, para redução tanto do desgaste emocional quanto da perda de atividades radiológicas, porém, os voluntários que se desligaram do front clínico permaneceram no grupo, contribuindo para o apoio aos novos voluntários com sua experiência adquirida. As atividades de ensino foram realizadas a distância, embora dentro do hospital, para reduzir a aglomeração, durante os turnos dos residentes, usando o Meet da Google, ferramenta institucional. O Meet proporciona que a liberação de exames ocorra facilmente, com o compartilhamento da tela do computador do picture archiving and communication system, bem como com o acompanhamento dos comentários e da discussão dos achados mais relevantes e a visualização da correção da prévia do laudo e posterior liberação. Possibilita também a gravação da atividade realizada, o que tem sido feito para ser disponibilizada aos voluntários que estão no atendimento clínico, para que possam rever a liberação depois. Além disso, diversas videoconferências têm sido realizadas em cada grupo de especialidades do rodízio, reuniões gerais, apresentação de casos e seminários, reduzindo o impacto da pandemia. Adicionalmente, grandes entidades nacionais e internacionais de radiologia disponibilizaram material didático gratuito on-line, que veio a consolidar o treinamento teórico(9,10). Houve um aumento das atividades educacionais on-line em relação ao período pré-pandemia, que com certeza poderão ser aproveitadas depois para a retomada das atividades, possibilitando maior integração entre todos, apesar das distâncias entre os institutos. SUPORTE EMOCIONAL Quanto ao apoio emocional, o Projeto Mentoria do Departamento de Radiologia e o grupo de apoio COMVC-19 do Instituto de Psiquiatria têm sido essenciais, além do próprio apoio da supervisão e da preceptoria. O distanciamento social e o isolamento por si sós podem levar a impactos psicológicos negativos, principalmente considerando que muitos desses residentes não são da cidade de São Paulo e têm suas famílias distantes neste momento. A redução no agendamento de exames ambulatoriais, o impacto da pandemia nas atividades de ensino, a diminuição da confiança, que pode resultar em um volume reduzido de casos para o aprendizado da especialidade, e a chance de redistribuição para um serviço clínico são fatores estressantes que podem levar ao burn-out, fadiga e depressão entre os residentes. Os supervisores do programa devem ter reuniões confidenciais com os residentes para avaliar se há problemas pessoais, sociais ou de saúde que podem afetar a segurança de suas famílias. Por exemplo, um aluno ou seu membro da família pode ser imunossuprimido. Isso levaria em consideração as decisões de liderança sobre como alocar residentes(9,11,12). Projeto Mentoria O projeto de mentoria em nossa instituição existe há quase quatro anos e visa a auxiliar a alcançar o sucesso na carreira e na vida pessoal através da reunião mensal de cada mentor com seu grupo. De maneira proativa quanto ao apoio emocional, a orientação foi intensificada durante a pandemia, com a sugestão da frequência da reunião mensal mudar para semanal, e de presencial para on-line. COMVC-19 O grupo de apoio psiquiátrico e psicológico, com mais de 25 anos de tradição, estendeu suas atividades a todos os funcionários do hospital, além de estudantes universitários e médicos residentes, com um intenso trabalho de orientação e de detecção precoce dos possíveis casos de burnout, fadiga ou depressão. O programa de cuidado de saúde mental dos colaboradores, o COMVC-19, é um programa que envolve ações de promoção de saúde, prevenção e tratamento das reações ao estresse e transtornos mentais. Paralelamente, o programa envolve um componente de treinamento para residentes e profissionais de saúde voltado à assistência à saúde mental, visando a multiplicar ações e monitorar a saúde mental dos colaboradores, fatores de risco e de proteção, o que servirá como ferramenta para promover o bem-estar e a segurança de todos, inclusive os funcionários não médicos(13,14). REFERÊNCIAS 1. Chong A, Kagetsu NJ, Yen A, et al. Radiology residency preparedness and response to the COVID-19 pandemic. Acad Radiol. 2020; 27:856–61. 2. Rakowsky S, Flashner BM, Doolin J, et al. Five questions for residency leadership in the time of COVID-19: reflections of chief medical residents from an internal medicine program. Acad Med. 2020;95:1152–4. 3. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Secretaria Geral Parlamentar. Departamento de Documentação e Informação. Decreto nº 64.862, de 13/03/2020. Dispõe sobre a adoção, no âmbito da Administração Pública direta e indireta, de medidas temporárias e emergenciais de prevenção de contágio pelo COVID-19 (Novo Coronavírus), bem como sobre recomendações no setor privado estadual. [cited 2020 Mar 13]. Available from: https://www.al.sp.gov.br/norma/193314. 4. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Comissão Nacional de Residência Médica. Circular nº 01/2020 – CNRM/CGRS/DDES/SESU/MEC. Recomendações quanto ao desenvolvimento das atividades dos programas de residência médica em relação aos planos de enfrentamento ao COVID-19. [cited 2020 Mar 19]. Available from: http://www2.ebserh.gov.br/documents/221436/5033452/Recomenda%C3%A7%C3%B5es+quanto+ao +desenvolvimento+das+atividades+dos+Programas+de+Resid%C3%AAncia+M%C3%A9dica+em+rela %C3%A7%C3%A3o+aos+planos+de+enfretamento+ao+COVID-19..pdf/ 98517ce8-376a-41da-b096-a14a89006b37. 5. CEAR-CBR. Recomendações quanto ao desenvolvimento das atividades dos Programas de Aperfeiçoamento e Residência Médica em relação aos planos de enfretamento ao COVID-19. [cited 2020 Mar 27]. Available from: https://cbr.org.br/wp-content/uploads/2020/03/CBR_Recomendac%CC%A7o%CC%83es-da-CEAR-sobre-o-documento-da-CNRM-Covid-19.pdf. 6. OPAS Brasil. Folha informativa – COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus). [cited 2020 Aug 6]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875. 7. Mossa-Basha M, Meltzer CC, Kim DC, et al. Radiology department preparedness for COVID-19: Radiology Scientific Expert Review Panel. Radiology. 2020 Mar 16. Published online. 8. APDR. Online education resources. [cited 2020 Mar 19]. Available from: https://www.apdr.org/en/trainees/online-education-resources. 9. England E, Kanfi A, Flink C, et al. Radiology residency program management in the COVID era – strategy and reality. 2020. Acad Radiol. 2020;27:1140–6. 10. Phillips CD, Shatzkes DR, Moonis G, et al. From the eye of the storm: multi-institutional practical perspectives on neuroradiology from the COVID-19 outbreak in New York City. AJNR Am J Neuroradiol. 2020;41:960–5. 11. Warhadpande S, Khaja MS, Sabri SS. The impact of COVID-19 on interventional radiology training programs: what you need to know. Acad Radiol. 2020;27:868–71. 12. Prabhakar AM, McKinley Glover IV, Schaefer PW, et al. Academic radiology departmental operational strategy related to the coronavirus disease 19 (COVID-19) pandemic. J Am Coll Radiol. 2020;17:P730–3. 13. Kooraki S, Hosseiny M, Myers L, et al. Coronavirus (COVID-19) outbreak: what the department of radiology should know. J Am Coll Radiol 2020;17:447–51. 14. Slanetz PJ, Parikh U, Chapman T, et al. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) and radiology education – strategies for survival. J Am Coll Radiol. 2020;17:743–5. Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil a. https://orcid.org/0000-0002-6247-9673 b. https://orcid.org/0000-0003-4600-0375 c. https://orcid.org/0000-0002-3530-4798 d. https://orcid.org/0000-0003-3358-5351 e. https://orcid.org/0000-0002-5097-5282 f. https://orcid.org/0000-0002-9424-9776 g. https://orcid.org/0000-0002-6203-8341 h. https://orcid.org/0000-0002-6707-8721 Correspondência: Dra. Regina Lucia Elia Gomes Instituto de Radiologia – HC-FMUSP Avenida Doutor Enéas Carvalho de Aguiar, 255, Cerqueira César São Paulo, SP, Brasil, 05403-000 E-mail: regina.gomes@hc.fm.usp.br Recebido para publicação em 22/5/2020 Aceito, após revisão, em 23/7/2020 |