EDITORIAL
|
|
|
|
Autho(rs): Fabio Noro |
|
Os nossos grandes mestres da neurorradiologia, que viveram uma época pré-tomografia computadorizada, gostam de dizer que são de uma era em que o crânio era “oco” para o radiologista. Relatam também que as únicas estruturas que os permitiam ter uma ideia aproximada do que estava acontecendo dentro da cavidade intracraniana eram as calcificações. As deformações que as doenças causavam no encéfalo eram notadas direta ou indiretamente nas arteriografias cerebrais e na pneumoventriculografia. Porém, a análise não invasiva da cavidade intracraniana só era produtiva quando havia calcificações intracranianas para os ajudar a entender o que estava acontecendo.
Nesse tempo, não só as calcificações patológicas eram importantes na interpretação das radiografias do crânio, mas também as fisiológicas, uma vez que a mudança de posição de uma estrutura conhecida calcificada poderia representar uma deformação causada por um efeito de massa. Os neurorradiologistas do passado buscavam nas radiografias frontais e laterais de crânio um possível desvio da pineal calcificada para diagnosticar uma lesão expansiva de qualquer natureza, sejam tumores ou hematomas parenquimatosos e extra-axiais nos casos de trauma fechado. Este sinal do desvio da pineal representando uma lesão expansiva foi descrito primeiramente em 1912 por Schüller(1), num caso de tumor primário, e foi usado durante muito tempo como uma das principais ferramentas do neurorradiologista pioneiro. Além da pineal, há várias outras estruturas anatômicas que se calcificam fisiologicamente, tais como habênulas, meninges e plexos coroides. Em algumas delas o processo de calcificação ocorre já a partir da infância. Desvios posicionais dessas outras calcificações também foram usados como referência no diagnóstico de lesões expansivas, assim como foi feito com a pineal calcificada. Em 1941, Childe(2) descreveu como fez o diagnóstico de lesões expansivas em oito pacientes, usando como referência plexos coroides desviados. Adicionalmente, diagnósticos diretos de determinadas doenças também podiam ser feitos quando as lesões apresentavam calcificações. Pacientes com calcificações aglomeradas, localizadas, na periferia do encéfalo eram sugestivas de meningiomas ou osteomas. Calcificações no meio do encéfalo sugeriam tumores, como oligodendrogliomas. Na região suprasselar poderiam ser craniofaringiomas. Na fossa posterior de crianças havia os meduloblastomas. Estruturas nodulares com calcificações periféricas, no trajeto de vasos arteriais, sugeriam aneurismas. Durante muitos anos as calcificações intracranianas foram as principais companheiras dos neurorradiologistas. A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) trouxeram para o neurorradiologista a vantagem que só os neurocirurgiões tinham: a visão de todo o encéfalo. A TC é melhor do que a RM para visualização de calcificações, principalmente quando são muito pequenas. A disparidade já foi maior, e o aprimoramento das sequências gradiente-eco foi o fator responsável pela melhora da performance da RM(3,4). Usualmente, as calcificações intracranianas são divididas em intra-axiais ou extra-axiais. As extra-axiais fisiológicas são muito mais comuns, em razão da localização das estruturas que habitualmente se calcificam: pineal, plexos coroides e meninges. No entanto, quando estas calcificações se apresentam de forma mais exuberante que o habitual, elas sugerem doença, como, por exemplo, nos casos de papilomas calcificados do plexo coroide(5). Das lesões extra-axiais que se calcificam com frequência, os meningiomas merecem destaque. Mais de 60% deles têm algum tipo de calcificação, seja granular difusa, marginal ou completa. Além disso, a presença desses tumores junto à calota induzem um outro tipo de calcificação patológica, que é a hiperostose focal(6). As calcificações fisiológicas intra-axiais mais comuns são as dos globos pálidos, habênulas e do cerebelo. Entretanto, quando muito exuberantes, também sugerem doença, como, exemplo, a doença de Fahr(6,7). Numerosas lesões intra-axiais neoplásicas, vasculares, infecciosas, congênitas e metabólicas podem se calcificar. Algumas vezes a presença da calcificação muda a linha de raciocínio de diagnóstico diferencial. Podemos exemplificar com a situação de uma neoplasia primária frontal que, se tiver calcificação, sugere oligodendroglioma. Ou ainda, metástases calcificadas sugerem tumor osteogênico ou mucinoso(4,6). A revolução provocada pelas imagens de TC e RM tirou o protagonismo absoluto das calcificações e as colocou num papel coadjuvante. Porém, elas passaram a ser mais bem percebidas, estudadas, descritas e, eventualmente, retomam o papel principal em algumas situações clínicas. E é exatamente nesse contexto que o ensaio iconográfico feito por Guedes et al.(8), publicado neste número da Radiologia Brasileira, vem a somar. Com a atenção especial sobre as características das calcificações, os autores descrevem detalhes importantes que dão suporte ao diagnóstico diferencial. Apesar do grande avanço tecnológico nas imagens do sistema nervoso central, ainda hoje as calcificações intracranianas continuam sendo as eternas companheiras no cotidiano dos neurorradiologistas. REFERÊNCIAS 1. Schüller A. Roentgendiagnostik der Erkrankungen des Kopfes. Wien u. Leipzig: A. Hölder; 1912. 2. Childe AE. Calcification of the choroid plexus and its displacement by expanding intracranial lesions. Am J Roentgen. 194l;45:523–36. 3. Tsuruda JS, Bradley WG. MR detection of intracranial calcification: a phantom study. AJNR Am J Neuroradiol. 1987;8:1049–55. 4. Celzo FG, Venstermans C, De Belder F, et al. Brain stones revisited—between a rock and a hard place. Insights Imaging. 2013;4:625–35. 5. Picht T, Stendel R, Stoltenburg-Didinger G, et al. Giant intracerebral choroid plexus calcification. Acta Neurochir (Wien). 2004;146:1259–61. 6. Makariou E, Patsalides AD. Intracranial calcifications. Appl Radiol. 2009; 38:48–50. 7. Kiroglu Y, Calli C, Karabulut N, et al. Intracranial calcifications on CT. Diagn Interv Radiol. 2010;16:263–9. 8. Guedes MS, Queiroz IC, Castro CC. Classificação e significado clínico das calcificações intracranianas: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2020;53: 273–8. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: fncursos@gmail.com. https://orcid.org/0000-0002-5193-5434 |