ENSAIO PICTÓRICO
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Autho(rs): Marcelo dos Santos Guedes1,2,a; Isadora Carvalho Queiroz1,b; Cláudio Campi de Castro2,c |
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Descritores: Calcificações intracranianas; Tomografia computadorizada; Ressonância magnética. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Calcificações intracranianas fazem parte da rotina do médico radiologista, podendo ter origem fisiológica ou patológica(1,2). Este tipo de diferenciação pode representar um desafio, pois calcificações atribuídas como fisiológicas, dependendo da fase etária da apresentação, podem corresponder a calcificações de outras causas. Localização anatômica, distribuição, dimensões e morfologia das calcificações são importantes achados que, associados a história clínica e fase etária, ajudam no diagnóstico diferencial(2). O avanço tecnológico das últimas décadas, em especial dos métodos de imagem, tem propiciado uma melhora na sensibilidade e na especificidade da sua avaliação, o que facilita o diagnóstico e diminui a possibilidade de erros de conduta(3). O objetivo do presente estudo é demonstrar e classificar os diferentes tipos de calcificações intracranianas, permitindo a diferenciação entre achados fisiológicos e patológicos. Foram revisados exames de tomografia computadorizada (TC) multidetectores e/ou de ressonância magnética (RM) do crânio, realizados no período entre janeiro de 2012 e fevereiro de 2019, estando as imagens desses exames armazenadas no sistema de comunicação e arquivamento de imagens das unidades. Foram inclusos somente os casos que apresentaram calcificações com diagnóstico estabelecido, por meio de resultados anatomopatológicos, laboratoriais ou radiológicos, quando patognomônicos. Em seguida, os casos foram divididos em grupos, com base nas características de imagem, dados clínicos e/ou de fase etária, de acordo com sua etiologia e objetivo didático. Foram detectados 64 tipos de calcificações intracranianas entre fisiológicas e patológicas. CALCIFICAÇÕES FISIOLÓGICAS E DA IDADE Essas calcificações representam achado habitual em pacientes adultos e idosos, sendo elas: de plexo corioide, pineal, habênulas, globos pálidos, tentório, ligamento petroclinóideo, foice cerebral e de dura-máter, ressaltando-se as calcificações de pineal, que já podem ser observadas a partir dos 10 anos de idade, e as de globo pálido, que normalmente aparecem após os 40 anos. Esse tipo de calcificação pode assumir aspecto radiológico variado: puntiformes, confluentes, nodulares, “grosseiras” e às vezes extensas(1) (Figura 1). Figura 1. Imagens axiais de TC de crânio com janelas de partes moles, sem uso de meio de contraste, mostrando calcificações fisiológicas em globos pálidos, plexos corioides e pineal/habênulas (setas em A) e foice cerebral (seta em B). CALCIFICAÇÕES PATOLÓGICAS Infecções Grupo de doenças comumente associado a calcificações, sendo um dos representantes mais característicos o complexo toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes, com predomínio da toxoplasmose e do citomegalovírus. Entretanto, existe uma série de outras causas infecciosas que podem cursar com calcificações, como neurocisticercose, sífilis, varicela zoster, HTLV1, tuberculose, HIV e vírus Zika, ressaltando-se em nosso meio a alta incidência da neurocisticercose. Habitualmente, as calcificações são do tipo nodular, sendo a topografia bastante relevante no diagnóstico diferencial(4) (Figura 2). Figura 2. Imagens axial (A) e sagital (B) de TC de crânio com janela de partes moles, sem uso de meio de contraste, demonstrando calcificações periventriculares e particularmente subcorticais, em caso de neurocisticercose (A), e calcificações periventriculares e corticais, às vezes com aspecto em “cordão”, em criança com microcefalia com aspecto de crânio “desabado”, A B em caso de vírus Zika. Vascular Existe um grande número de doenças vasculares que podem apresentar calcificações de aspecto bastante variado, desde puntiformes, periféricas, de morfologia giral, a extensas, que incluem aterosclerose, aneurismas, hematoma, acidente vascular encefálico, anomalia do desenvolvimento venoso, cavernoma, malformação arteriovenosa, telangiectasias, lúpus eritematoso sistêmico, embolia calcificada e evento hipóxico-isquêmico, sendo a aterosclerose a mais prevalente(2,5) (Figura 3). Figura 3. Imagens axiais de TC de crânio com janela de partes moles, sem uso de meio de contraste, identificando calcificações de paredes de vasos sanguíneos (seta) em aterosclerose (A), múltiplas calcificações puntiformes e alongadas, com áreas de confluência extensas em ambos os hemisférios cerebrais (seta) em caso de lúpus (B) e calcificações vasculares puntiformes, por vezes nodulares (seta), em caso de malformação arteriovenosa. Distúrbios metabólicos e endócrinos Neste grupo existem três afecções com sinais radiológicos sobreponíveis, portanto, com difícil diferenciação do ponto de vista de imagem: doença de Fahr, hipoparatireoidismo e suas variantes e a doença de Fabry, caracterizadas por deposição bilateral e simétrica de cálcio nos núcleos denteados, núcleos da base, tálamos e substância branca subcortical(6) (Figura 4). Figura 4. Imagens axiais de TC de crânio com janela de partes moles, sem uso de meio de contraste (A,B), e imagem axial de RM GRE T2* de crânio (C) mostrando calcificações confluentes na região dos núcleos denteados (seta) em caso de pseudo-hipoparatireoidismo (A), calcificações confluentes na área dos núcleos da base (seta) na doença de Fahr (B) e imagens de marcado hipossinal, correspondendo a calcificações, na região de núcleos da base e pulvinar dos tálamos (setas), em caso de doença de Fabry (C). Síndromes neurocutâneas Existe uma série de doenças que apresentam em comum acometimento neurológico e cutâneo, algumas delas com a presença de calcificações, por vezes características e que permitem o diagnóstico definitivo: síndrome de Sturge-Weber, esclerose tuberosa, neurofibromatose tipos I e II e síndrome de Gorlin-Goltz, ressaltando-se nesta última calcificações grosseiras de foice em jovem, associadas a lesões de pele e odontogênicas(2,7) (Figura 5). Figura 5. Imagens axiais de TC de crânio com janela de partes moles, sem uso de meio de contraste, mostrando calcificações de aspecto giral (seta) com atrofia parenquimatosa em caso de síndrome de Sturge-Weber (A) e pequenas calcificações intraventriculares, periventriculares e subependimárias (seta) em caso de esclerose tuberosa (B). Síndromes neurometabólicas e raras Síndromes neurometabólicas raramente apresentam calcificações, ressaltando-se a síndrome de Cockayne com calcificações palidais e a leucoencefalopatia com cistos e calcificações periventriculares (síndrome de Duane). Destacamos ainda as calcificações associadas a outras síndromes incomuns, como a doença de Nasu-Hakola e as síndromes de Urbach-Wiethe e Moebius, esta última uma malformação congênita em que calcificações de aspecto puntiforme podem ocorrer na região posterior do tronco cerebral, no sítio do núcleo dos nervos abducentes(2,8) (Figura 6). Ressaltamos também as calcificações da região temporal mesial/hipocampal, pela sua relevância clínica, particularmente no contexto da epilepsia, que podem ser fisiológicas (p. ex., de plexo corioide) ou patológicas (p. ex., originadas de sequelas, infecciosas ou neoplásicas). Figura 6. A: Imagem axial de RM GRE T2* de crânio mostrando imagens de marcado hipossinal, correspondendo a calcificações, na área dos núcleos lentiformes (seta) em caso de síndrome de Cockayne. B: Imagem axial de TC de crânio com janela de partes moles, sem uso de meio de contraste, mostrando pequenas calcificações no aspecto posterior do tronco cerebral, na região dos núcleos dos nervos abducentes (seta), em caso de síndrome de Moebius. Lesões expansivas não neoplásicas Existe uma série de lesões que apresentam caráter expansivo, porém não neoplásico, que eventualmente podem apresentar calcificações, predominantemente do tipo nodular, mas também ser do tipo grosseira e até com aspecto “odontogênico”, sendo elas: cisto dermoide, cisto epidermoide, em algumas apresentações o cisto coloide do terceiro ventrículo e a rara meningoangiomatose hamartomatosa(2,9) (Figura 7). Figura 7. Imagens axiais de TC de crânio com janela de partes moles, sem uso de meio de contraste, mostrando lesão com atenuação de gordura com calcificação nodular (seta) em seu aspecto anterior, em caso de cisto dermoide (A), e formações “expansivas” hemorrágicas intrameníngeas, às vezes com calcificações de aspecto odontogênico (seta), em caso de meningoangiomatose hamartomatosa hemorrágica (B). Lesões neoplásicas Uma série de lesões neoplásicas pode apresentar calcificações de tipos variados, como puntiformes, nodulares, “grosseiras” ou até mesmo extensas, podendo-se citar: meningioma, craniofaringioma, astrocitoma pilocítico, oligodendroglioma, ganglioglioma, ependimoma, astrocitoma subependimário de células gigantes, papiloma e carcinoma de plexo corioide, teratomas, “meduloblastomas e outros tumores embrionários”, pineocitoma, pineoblastoma, cordoma e metástases(2,10) (Figura 8). Figura 8. Imagens axiais de TC de crânio com janela de partes moles, sem uso de meio de contraste, identificando calcificações grosseiras e periféricas (seta) associadas a lesão “cística” temporal em caso de ganglioglioma (A), múltiplas pequenas calcificações confluentes (seta) em lesão expansiva de fossa posterior, em caso de ependimoma (B), pequenas calcificações esparsas (seta) em volumosa lesão expansiva supratentorial em criança com tumor pineal (C) e pequenas calcificações esparsas (seta) em lesão expansiva de fossa posterior em caso de meduloblastoma (D). CONCLUSÃO Calcificações intracranianas podem se manifestar em diversas situações, sendo fundamental o médico radiologista saber identificá-las e classificá-las da forma mais precisa possível, devendo, para isso, usar as características radiológicas dessas calcificações, faixa etária e os aspectos clínicos envolvidos. Dessa forma, podemos evitar erros de conduta e facilitar o diagnóstico diferencial. REFERÊNCIAS 1. Sedghizadeh PP, Nguyen M, Enciso R. Intracranial physiological calcifications evaluated with cone beam CT. Dentomaxilofac Radiol. 2012;41:675–8. 2. Chattopadhyay A, Coates J, Craven I, et al. Intracranial calcifications – a pictorial review. ECR 2018. [cited 2020 May 15]. Available from: https://epos.myesr.org/poster/esr/ecr2018/C-3273. 3. Bradley WG Jr, Bydder GM. Advanced MR imaging techniques. London, UK: Martin Dunitz Ltd.; 1997. 4. Fink KR, Thapa MM, Ishak GE, et al. Neuroimaging of pediatric central nervous system cytomegalovirus infection. Radiographics. 2010;30:1779–96. 5. Geibprasert S, Pongpech S, Jiarakongmun P, et al. Radiologic assessment of brain arteriovenous malformations: what clinicians need to know. Radiographics. 2010;30:483–501. 6. Hegde AN, Mohan S, Lath N, et al. Differential diagnosis for bilateral abnormalities of the basal ganglia and thalamus. Radiographics. 2011;31:5–30. 7. Umeoka S, Koyama T, Miki Y, et al. Pictorial review of tuberous sclerosis in various organs. Radiographics. 2008;28:e32. 8. van der Knaap MS, Valk J. Magnetic resonance of myelination and myelin disorders. Berlin Heildelberg New York: Springer; 2005. 9. Osborn AG, Preece MT. Intracranial cysts: radiologic-pathologic correlation and imaging approach. Radiology. 2006;239:650–64. 10. Greenberg HS, Chandler WF, Sandler HM. Brain tumors. New York, NY: Oxford University Press; 2009. 6/6 1. Hospital Alvorada, São Paulo, SP, Brasil 2. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil a. https://orcid.org/0000-0002-6607-7006 b. https://orcid.org/0000-0002-1349-4172 c. https://orcid.org/0000-0002-3531-4232 Correspondência: Dr. Marcelo dos Santos Guedes Hospital Alvorada Avenida Ministro Gabriel de Rezende Passos, 550, Moema São Paulo, SP, Brasil, 05421-022 E-mail: maguedes1@uol.com.br Recebido para publicação em 23/7/2019 Aceito, após revisão, em 19/9/2019 Publicado em: 25/06/2020 |