EDITORIAL
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Autho(rs): Rubens Chojniak |
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O diagnóstico diferencial das lesões hepáticas focais em população pediátrica inclui, principalmente, os cistos congênitos, os abscessos e as neoplasias malignas e benignas(1,2).
Os cistos hepáticos congênitos são raros, normalmente assintomáticos e incidentalmente diagnosticados. O manejo do cisto hepático congênito é geralmente conservador, com monitoramento periódico por ultrassom, especialmente para cistos grandes. A maioria dos cistos hepáticos tem resolução espontânea, e a intervenção cirúrgica com aspiração, escleroterapia ou excisão é indicada apenas para casos com aumento progressivo de tamanho, hemorragia, torção ou se as características da imagem levarem a uma dúvida diagnóstica(3). O abscesso hepático é também incomum na população pediátrica, entretanto, é uma doença infecciosa grave, responsável por hospitalização e até morte. A maioria dos abscessos é causada por infecção bacteriana, mas podem ocorrer casos de infecção por protozoários (amebíase) ou fungos (candidíase). O diagnóstico é geralmente feito com base nos dados clínicos e laboratoriais, acompanhados da presença de lesão hepática focal de características compatíveis com abscesso. O tratamento é a antibioticoterapia, que pode ser acompanhada de drenagem percutânea. A maioria dos pacientes portadores de abscesso hepático tem boa evolução, mas a mortalidade por abscesso hepático é uma ocorrência relatada na maioria das casuísticas(4). As neoplasias hepáticas na população pediátrica podem ser malignas ou benignas. A neoplasia hepática maligna mais comum é a metástase. As neoplasias hepáticas primárias representam uma porcentagem pequena de tumores sólidos que ocorrem em crianças, sendo o hepatoblastoma e o carcinoma hepatocelular as neoplasias primárias malignas mais comuns, representando cerca de dois terços de todas as neoplasias hepáticas pediátricas(1,2). O hepatoblastoma é o tumor hepático primário mais comum em crianças e suas células se assemelham ao fígado embrionário. A maioria dos casos se manifesta nos dois primeiros anos de vida e são poucos os casos congênitos ou diagnosticados após os cinco anos de idade. É descrita uma ligeira predominância de ocorrência em homens. A apresentação típica é uma criança com menos de três anos de idade com massa abdominal, anemia e vômitos. Os níveis da dosagem sérica da alfafetoproteína (AFP) estão elevados na maioria dos casos e o estadiamento é feito com base na localização do tumor, que se correlaciona diretamente com a sobrevida dos pacientes. A ressecção cirúrgica completa continua sendo o objetivo da terapia atual para hepatoblastoma, tanto como primeiro tratamento ou após a quimioterapia neoadjuvante(5,6). O carcinoma hepatocelular é menos frequente que o hepatoblastoma, representa cerca de um quarto das neoplasias hepáticas pediátricas e se apresenta com dois picos de incidência: o primeiro entre 0 e 4 anos e o segundo entre 10 e 14 anos. As condições predisponentes incluem fibrose hepática e cirrose secundárias a doença hepática metabólica, hepatite viral, atresia biliar extra-hepática, nutrição parenteral total e fibrose induzida por quimioterapia. Os níveis da dosagem sérica de AFP estão elevados em aproximadamente metade dos casos. As metástases geralmente ocorrem nos pulmões e nos linfonodos. O sistema de estadiamento é semelhante ao usado no hepatoblastoma. Mais de 70% desses tumores são considerados irressecáveis no momento da apresentação e, diferentemente dos hepatoblastomas, não costumam responder bem à quimioterapia. A ressecção cirúrgica completa ou o transplante costuma ser a única chance de cura. Estratégias terapêuticas mais recentes incluem quimioembolização, quimioterapia intra-arterial e crioterapia intraoperatória. A taxa geral de sobrevida é baixa e as crianças com doença inicialmente ressecável têm prognóstico muito melhor do que as que apresentam doença avançada ou disseminada(6,7). Outros tumores primários malignos do fígado incluem sarcoma indiferenciado, rabdomiossarcoma biliar, angiossarcoma e tumores rabdoides(1,2). Cerca de um terço das neoplasias hepáticas primárias em crianças é benigna. Os tumores benignos do fígado mais comuns são os hemangiomas, os hamartomas e a hiperplasia nodular focal (HNF)(1,2). Os hemangiomas são os tumores benignos do fígado mais comuns em crianças e geralmente ocorrem em fetos, neonatos e nos primeiros seis meses de vida. Eles têm espaços vasculares endoteliais e variam de pequenas massas encontradas incidentalmente a grandes hemangiomas cavernosos que se distinguem por grandes espaços vasculares e baixa celularidade. A história natural dos hemangiomas é a regressão espontânea nos primeiros dois anos de vida; no entanto, o tratamento pode ser necessário quando houver sintomas ou complicações como a insuficiência cardíaca(2,8). Os hamartomas mesenquimais são tumores hepáticos benignos pediátricos incomuns. São observados principalmente em crianças com menos de dois anos de idade e alguns autores os consideram como anomalias do desenvolvimento e não como neoplasias. Assim como em outros hamartomas, os hamartomas mesenquimais hepáticos são lesões desorganizadas, geralmente císticas e com quantidade variável de tecidos moles associados. Eles geralmente crescem durante os primeiros meses de vida e podem então se estabilizar, continuar crescendo ou regredir. São geralmente assintomáticos e de bom prognóstico, podendo ser ressecados ou observados(2,8,9). A HNF e o adenoma hepático são raramente diagnosticados na infância. Ambas as lesões, benignas, têm associação com ambiente de alto estrogênio e ocorrem frequentemente em meninas adolescentes. Os adenomas hepáticos estão associados ao uso de contraceptivos orais. Sinais e sintomas podem estar ausentes ou são inespecíficos, incluindo dor e massa abdominal. A HNF não tem potencial maligno, é geralmente assintomática e pode ser monitorada por ultrassonografia seriada. As lesões sintomáticas ou com aumento rápido de dimensões podem ser tratadas por ressecção ou embolização. Os adenomas hepáticos maiores podem ser tratados com excisão cirúrgica completa, porque essas lesões apresentam pequeno risco de ruptura ou hemorragia(2,8). A maioria dos pacientes pediátricos com massas hepáticas focais é investigada em razão da presença de dor abdominal ou de achados físicos anormais, como massa ou distensão abdominal. O diagnóstico de tumores hepáticos pediátricos é feito com base em características clínicas, nível sérico da AFP, idade da criança e características de imagem. O ultrassom é a modalidade de imagem inicial de escolha, pois não emite radiação ionizante, não requer sedação e permite detectar, caracterizar e fornecer informação sobre a extensão das lesões hepáticas focais(1,2,6,8,10). No ensaio iconográfico publicado no número anterior da Radiologia Brasileira, Rocha et al.(11) apresentam uma variedade de lesões hepáticas focais pediátricas que podem apresentar aspecto hiperecogênico na ultrassonografia. São lesões traumáticas, doença hepática gordurosa, lesões congênitas e neoplasias benignas e malignas. A avaliação com Doppler colorido pode sugerir uma natureza vascular do tumor, como no hemangioma infantil ou na HNF. Apesar de uma massa hepática poder às vezes apresentar uma aparência ultrassonográfica característica, a TC ou a RM são frequentemente realizadas posteriormente para melhor caracterização, avaliação de uma extensão precisa e detecção de doença metastática associada nos casos de neoplasia hepática maligna. No uso da TC, os riscos de radiação podem ser reduzidos usando técnicas de redução de dose descritas nas diretrizes publicadas pelo Image Gently(12). A RM não submete o paciente a riscos de radiação e pode ser considerada se um estudo contrastado multifásico for indicado, mas, geralmente, é necessária sedação para pacientes mais novos. Apesar de todos esses recursos, em muitos casos somente os achados da biópsia poderão fornecer o diagnóstico definitivo de uma massa hepática identificada na infância(11). Enfim, o conhecimento do espectro patológico das lesões hepáticas em crianças, suas características epidemiológicas e como são representadas na imagem ajuda o radiologista a direcionar a avaliação e o tratamento adequado de crianças com massas hepáticas focais, minimizando os riscos da investigação. REFERÊNCIAS 1. Stocker JT. Hepatic tumors in children. Clin Liver Dis. 2001;5:259–81. 2. Adeyiga AO, Lee EY, Eisenberg RL. Focal hepatic masses in pediatric patients. AJR Am J Roentgenol. 2012;199:W422–40. 3. Recinos A, Zahouani T, Guillen J, et al. Congenital hepatic cyst. Clin Med Insights Pediatr. 2017;11:1179556517702853. 4. Salahi R, Dehghani SM, Salahi H, et al. Liver abscess in children: a 10-year single centre experience. Saudi J Gastroenterol. 2011;17:199–202. 5. Herzog CE, Andrassy RJ, Eftekhari F. Childhood cancers: hepatoblastoma. Oncologist. 2000;5:445–53. 6. Chung EM, Lattin GE Jr, Cube R, et al. From the archives of the AFIP: Pediatric liver masses: radiologic-pathologic correlation Part 2. Malignant tumors. Radiographics. 2011;31:483–507. 7. Schmid I, von Schweinitz D. Pediatric hepatocellular carcinoma: challenges and solutions. J Hepatocell Carcinoma. 2017;4:15–21. 8. Chung EM, Cube R, Lewis RB, et al. From the archives of the AFIP: Pediatric liver masses: radiologic-pathologic correlation Part 1. Benign tumors. Radiographics. 2010;30:801–26. 9. Rosado E, Cabral P, Campo M, et al. Mesenchymal hamartoma of the liver— a case report and literature review. J Radiol Case Rep. 2013;7:35–43. 10. Di Serafino M, Severino R, Gioioso M, et al. Paediatric liver ultrasound: a pictorial essay. J Ultrasound. 2020;23;87–103. 11. Rocha SMS, Yamanari MGI, Matsuoka MW, et al. Lesões hepáticas hiperecogênicas focais em crianças: muito além dos hemangiomas – ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2020;53:122–9. 12. Image Gently. Image Gently development of pediatric CT protocols 2014. [cited 2020 May 4]. Available from: https://www.imagegently.org/Portals/6/Procedures/IG%20CT%20Protocols%20111714.pdf. Departamento de Imagem, A.C.Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: chojniak@accamargo.org.br https://orcid.org/0000-0002-8096-252X |