ARTIGO DE REVISÃO
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Autho(rs): Ana Paula Campos Rocha1,a; Rafael Lourenço Carmo2,b; Rodolfo Ferreira Queiroz Melo3,c; Daniel Nogueira Vilela4,d; Orlando Silqueira Leles-Filho3,e; Luciana Costa-Silva1,f |
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Descritores: Gravidez/efeitos da radiação; Feto/efeitos da radiação; Emergências; Radiografia/efeitos adversos; Tomografia computadorizada/efeitos adversos; Proteção radiológica. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
A frequência de realização dos exames de imagem na gravidez encontra-se aumentada a partir das últimas décadas, e embora a ultrassonografia (US) seja o principal método utilizado, a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM), principalmente esta, são muitas vezes necessárias para uma elucidação diagnóstica(1–3). Nesse contexto, surgiram questionamentos relacionados aos potenciais prejuízos à saúde do embrião e do feto, notadamente no que se refere ao uso da radiação ionizante e dos meios de contraste. Entretanto, os potenciais efeitos deletérios sobre o feto contrapõem-se aos danos causados pela não realização de um exame bem indicado, já que um diagnóstico protelado ou perdido pode ser ainda mais nocivo para a saúde materna e fetal. Portanto, é importante conhecer os principais métodos de imagem indicados para cada situação clínica, permitindo estimar o valor diagnóstico e os potenciais malefícios de cada um, justificando a sua utilização em benefício da paciente. MÉTODOS DE IMAGEM Os métodos de imagem isentos de radiação ionizante são preferenciais na gestação. A US e a RM apresentam vantagens sobre a TC. Entretanto, a TC pode fornecer dados importantes, contribuindo para o diagnóstico em diversas situações. É importante lembrar os princípios fundamentais de radioproteção, para reduzir os riscos a que serão expostos a gestante e o concepto. Dentre eles, destaca-se o princípio da limitação do uso, devendo-se utilizar sempre a menor dose necessária para se obter o diagnóstico, princípio reconhecido pela Comissão Internacional de Proteção Radiológica como as low as reasonably achievable (ALARA), que traduzido para o português significa “tão baixo quanto razoavelmente possível”(4). Um aspecto legal que deve ser considerado pelos obstetras e radiologistas antes da realização de estudos por imagem é a utilização do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). É considerada boa prática médica a obtenção desse termos das gestantes, para que seja documentada a compreensão da paciente acerca das alternativas diagnósticas, bem como os danos e benefícios relacionados ao exame que será realizado. Sugere-se a obtenção do TCLE de todas as gestantes submetidas a exames seccionais, incluindo RM e TC(5). US A US é um método de imagem de baixo custo e ampla disponibilidade, sendo o exame de escolha na maioria das situações clínicas na gestação, que apresenta ainda, como vantagem, a ausência de radiações ionizantes e meios de contraste. Não há relatos de efeitos biológicos embrionários ou fetais relacionados ao uso desse método(6,7). Como desvantagens relacionadas à US, destaca-se o fato de ser operador-dependente, apresentar reduzida acurácia em algumas situações clínicas, baixa resolução e me-nor penetração no abdome gravídico(5). Radiografia convencional e TC A radiografia convencional e a TC possuem relevância no diagnóstico de muitas doenças. A radiografia convencional é um método de baixo custo e alta disponibilidade, além de expor o paciente a doses de radiação relativamente baixas. Já a TC, apesar da menor disponibilidade e maior dose de radiação, elimina a desvantagem de sobreposição de estruturas, permitindo maior acurácia diagnóstica na maioria das situações clínicas. Não há estudos bem controlados em gestantes acerca dos riscos da radiação ionizante utilizada por esses métodos de imagem. A maioria das informações disponíveis atualmente é baseada em relatos de casos e extrapolação de dados baseados na investigação de sobreviventes de explosões nucleares no Japão e no acidente de Chernobyl(6). Para a gestante, os efeitos biológicos da radiação são os mesmos sofridos por uma mulher não grávida. Para o concepto, os efeitos biológicos indesejáveis incluem óbito intrauterino, malformações orgânicas (efeito teratogênico) e alterações de formação e migração do sistema nervoso central, condicionando variados graus de déficit cognitivo, dependendo da idade gestacional durante a exposição(8). Os efeitos biológicos da radiação são classificados como estocásticos e determinísticos. Os determinísticos são aqueles relacionados à exposição a altas doses de radiação e dependem diretamente da dose envolvida na exposição, como, por exemplo, o abortamento, possíveis malformações e outros efeitos teratogênicos ou déficits cognitivos no concepto. Os efeitos estocásticos ou aleatórios são aqueles não relacionados ao efeito direto e imediato da radiação, podendo ocorrer após meses ou anos da exposição. Tais efeitos não se relacionam à exposição a um limiar específico de dose de radiação, entretanto, a probabilidade de sua ocorrência é proporcional à dose, sendo as manifestações biológicas mais relevantes as mutações e a carcinogênese(9). A ocorrência dos efeitos biológicos depende da dose de radiação absorvida e relaciona-se, ainda, à idade gestacional do feto ou embrião. Geralmente, baixas doses de radiação absorvida podem provocar dano celular transitório e passível de ser reparado pelo organismo. Por outro lado, altas doses de radiação podem romper o desenvolvimento e a maturação celular, provocando a morte fetal ou malformações(9,10). O desenvolvimento fetal Em geral, fetos expostos a doses menores do que 50 mGy não se relacionam a anormalidades fetais ou abortamento(8,11). A Tabela 1 demonstra que a maioria dos exames de imagem utilizados na prática clínica não expõe o feto a doses próximas a este limiar, desde que realizados com protocolos otimizados para obter os diagnósticos utilizando a menor dose de radiação necessária (princípio ALARA). Efeitos biológicos da radiação ionizante e a idade gestacional O embrião é mais sensível aos efeitos da radiação ionizante nas duas primeiras semanas do período embrionário (equivalente a idade gestacional de 3–4 semanas), momento no qual o concepto exposto permanecerá intacto ou será reabsorvido ou abortado(6,8). Considera-se risco de óbito neste período quando a exposição for superior a 100 mGy(8). No período embrionário de 3–15 semanas (idade gestacional de 5–17 semanas) ocorre a embriogênese, e nesse período o embrião pode sofrer dano decorrente de morte celular induzida pela radiação, além de distúrbios na migração e proliferação celular. Nesta fase podem ocorrer malformações graves, inclusive no sistema nervoso central, que está em formação. Quando o feto é exposto a doses superiores a 100 mGy, pode haver ainda déficit cognitivo e redução no quociente de inteligência. Tais riscos aumentam em frequência e severidade de acordo com a dose de radiação(8). Ressaltamos, entretanto, que é improvável que o feto seja exposto a essas doses elevadas em exames diagnósticos de rotina, mesmo quando realizados com campo de radiação direto sobre o útero. Entre 18–27 semanas da idade gestacional (correspondente a idade fetal de 16–25 semanas), não há detecção de déficits de quociente de inteligência em qualquer dose diagnóstica. Após a 27ª semana da idade gestacional (acima de 25 semanas de idade fetal) não há riscos significativos ao feto no que se refere aos efeitos determinísticos (Tabela 2)(8). Meios de contrastes iodados Em relação ao uso de meio de contraste iodado intravenoso em gestantes, os estudos são limitados e seus efeitos em conceptos humanos ainda não são completamente compreendidos(12). Já foi demonstrado que os meios de contrastes iodados atravessam a placenta em quantidades mensuráveis, entretanto, testes em animais não demonstraram efeitos deletérios. Ainda não existem estudos bem controlados em seres humanos, entretanto, não há casos documentados de dano potencial ao embrião ou feto humanos decorrentes do uso intravenoso materno de meio de contraste iodado. O American College of Radiology(12) recomenda que o uso de meio de contraste iodado intravenoso não seja evitado em pacientes gestantes ou potencialmente gestantes quando for necessário para diagnósticos. Tal recomendação é suportada pela classificação da Food and Drug Administration da maioria dos meios de contrastes iodados como categoria B. RM As principais vantagens da RM envolvem a ausência do uso de radiação ionizante, a capacidade multiplanar e a excelente resolução na avaliação de partes moles(5). Os riscos potenciais ao concepto são o aquecimento tecidual pelos pulsos de alta frequência, os danos auditivos derivados dos ruídos de alta intensidade e os defeitos de migração celular durante o primeiro trimestre, secundários ao próprio campo eletromagnético(2). Apesar dessas preocupações teóricas, não há relatos de efeitos adversos em gestantes ou fetos submetidos a este exame(13). Ray et al. demonstraram ausência de aumento estatisticamente significativo no risco de natimortos ou óbito neonatal, anormalidades congênitas, neoplasias e perda visual ou auditiva, em estudo canadense com 1737 gestantes submetidas a RM no primeiro trimestre, sendo realizado seguimento das crianças até os quatro anos de idade(13). O uso da RM em aparelhos de até 1,5 T é considerado seguro, sendo desaconselhada a realização de exames em aparelhos de 3,0 T, em razão do maior potencial de aquecimento tecidual e da ausência de estudos adequados até o momento(2,6). Recomenda-se o uso da RM, em qualquer período gestacional, quando outros métodos que não utilizam a radiação ionizante não esclarecerem a situação clínica, desde que o exame seja relevante para definição diagnóstico-terapêutica da gestante e/ou do feto e que a sua procrastinação até que a paciente não esteja mais grávida seja imprudente(14). Meios de contrastes paramagnéticos Em relação ao gadolínio, não existem até o momento relatos de efeitos adversos mutagênicos em fetos humanos com o uso de doses regularmente utilizadas. Entretanto, não há estudos bem controlados acerca dos efeitos teratogênicos desse meio de contraste em conceptos humanos. Não há, igualmente, casos de fibrose nefrogênica sistêmica desencadeada pelo uso de gadolínio durante a gestação, embora exista um risco potencial para a mãe e para a criança(12). O estudo desenvolvido por Ray et al. não revelou aumento do risco de anomalias congênitas entre fetos de pacientes expostas ao gadolínio e as que não realizaram RM durante a gestação(13). Entretanto, foi registrado aumento estatisticamente significante do risco de morte intrauterina e morte neonatal, bem como de algumas condições reumatológicas, inflamatórias ou infiltrativas, especialmente relacionadas ao uso do gadolínio no primeiro trimestre(13). Ressalta-se que se trata de um único estudo retrospectivo com limitações metodológicas e que não há outros estudos robustos disponíveis na literatura(12). Devido aos efeitos incertos da utilização de meios de contrastes paramagnéticos sobre as crianças que tiveram contato intraútero com esta droga, recomenda-se a utilização com cautela na gestação. Segundo as recomendações do American College of Radiology, o gadolínio deve ser utilizado somente quando os benefícios justificarem os potenciais riscos ao feto, devendo ser administrado na menor dosagem possível para alcançar o diagnóstico(12). PRINCIPAIS APLICAÇÕES DOS EXAMES DE IMAGEM Avaliação da gestante com dor abdominal A decisão sobre o método de imagem a ser utilizado na avaliação abdominal da gestante é complexa, devendo levar em consideração a urgência na confirmação diagnóstica, as principais hipóteses clínicas, os resultados de exames anteriores e o risco-benefício para o binômio mãe-feto relacionado à realização do estudo. As principais entidades clínicas não obstétricas com necessidade de avaliação abdominal por imagem são as que demandam atenção urgente, como as causadoras de abdome agudo (particularmente a apendicite e as doenças das vias biliares) e as obstruções do trato urinário. A seguir descreve-se breve discussão sobre algumas das principais condições clínicas, com recomendações sobre os métodos de imagem de eleição para investigação de cada uma. Ao final de cada discussão encontram-se algoritmos com sugestões de protocolos de avaliação por imagem das principais condições não obstétricas que ocorrem na gestação. Apendicite aguda Apendicite aguda é a causa mais frequente de abdome agudo cirúrgico na gestante, com prevalência estimada em 50–70/1000 pacientes(5,7). Além disso, a apendicite aumenta o risco de trabalho de parto prematuro, associa-se a maiores índices de morbimortalidade fetal e demonstra maior risco de perfuração, se comparada a pacientes não gestantes(7). Somado ao maior potencial gravidade, o diagnóstico clínico é dificultado, visto que várias das alterações clínicas ocasionadas pela doença podem ser normais durante a gestação (náuseas, vômitos, leucocitose)(7). A sensibilidade da US na detecção de apendicite aguda reportada na literatura é variável. Isto se deve, provavelmente, ao fato de este ser um método examinador-dependente. A especificidade, entretanto, é elevada, em torno de 95%(5,7). A US é, portanto, a modalidade de escolha para avaliação inicial, considerando a ausência de radiação fetal e a capacidade de avaliar também o abdome e a pelve à procura de diagnósticos alternativos, ficando a RM e a TC como métodos opcionais. Atenção é necessária para o fato de que nas fases finais da gestação há um deslocamento do apêndice pelo útero gravídico, promovendo migração superior e rotação dessa estrutura, reduzindo a sensibilidade do exame. Ainda assim, a maioria dos autores recomenda a realização da US como primeiro estudo de imagem(5,7). A RM vem demonstrando elevada acurácia em estudos recentes, permitindo que seja considerada a principal ferramenta diagnóstica alternativa(5,7). A TC também apresenta elevada acurácia para a detecção de apendicite aguda, com a vantagem de uma maior disponibilidade, se comparada à RM, e menor dependência do examinador. Entretanto, devido aos riscos de exposição fetal à radiação, deve ser considerada um método secundário, com indicações restritas aos casos que não puderam ser resolvidos com US ou RM(5,7) (Figura 1). Figura 1. Algoritmo para avaliação por imagem de gestantes com suspeita de apendicite. Doenças das vias biliares Apesar do acometimento patológico da vesícula e das vias biliares ser incomum durante a gestação, a colecistite aguda permanece como segunda causa de intervenção cirúrgica não obstétrica em gestantes, ocorrendo em 1 em cada 1.600 a 10.000 gestações. Outras condições importantes nesse contexto são a coledocolitíase obstrutiva e a pancreatite biliar(7,15). A RM apresenta altas sensibilidade (98%) e especificidade (84%) para esclarecimento etiológico das doenças das vias biliares, mas a US permanece como o primeiro exame nos casos de suspeita de acometimento biliar agudo em gestantes, graças a sua ampla disponibilidade e baixo custo(5,7). A RM fica, então, como alternativa para casos de US inconclusiva (Figuras 2 e 3). Figura 2. Algoritmo para avaliação por imagem de gestantes com suspeita de doença das vias biliares. Figura 3. Imagem de colangio-RM e de RM mostrando coledocolitíase, destacando-se os cálculos impactados no colédoco distal (setas), com leve dilatação das vias biliares a montante. Ureterolitíase A obstrução do trato urinário por ureterolitíase é outra potencial causa de dor abdominal na gestação. Complicações potenciais dessa condição incluem pielonefrite e sepse, bem como trabalho de parto prematuro induzido por cálculo renal, com ou sem infecção concomitante(15). Durante a gestação pode haver dilatação fisiológica do sistema coletor (hidroureteronefrose), condicionada por relaxamento ureteral relacionado a alterações hormonais e compressão extrínseca do ureter pelo útero gravídico, mais comum à direita (Figura 4). O principal desafio do diagnóstico por imagem nesses casos é, portanto, diferenciar uma hidronefrose fisiológica de uma obstrutiva, normalmente secundária a ureterolitíase(5,7,15) (Figura 5). Figura 4. Reformatações de TC utilizando meio de contraste nos planos axial, sagital e coronal oblíquos mostrando paciente com hidroureteronefrose fisiológica da gestação. Nota-se leve dilatação pielocalicinal bilateral e compressão extrínseca do ureter esquerdo pelo útero gravídico (setas). Como achado adicional de estudo não direcionado, demonstra-se dilatação de alças intestinais do feto associada a presença de polidrâmnio, inferindo obstrução intestinal. Figura 5. Reformatações de TC sem contraste nos planos sagital e coronal oblíquo mostrando paciente gestante com ureterolitíase. Observa-se cálculo impactado no ureter distal esquerdo (seta preta) e hidroureteronefrose homolateral a montante (setas brancas). Bx, bexiga; Rim E, rim esquerdo. Imagem gentilmente cedida por Dr. Lucas Gomes Pinho. Apesar da baixa sensibilidade apresentada pela US na identificação de cálculos ureterais em gestantes, este é o primeiro exame realizado na suspeita de ureterolitíase obstrutiva, uma vez que é amplamente disponível, possui custo-benefício favorável e permite avaliação da hidroureteronefrose, com a possibilidade de diagnóstico de ureterolitíase sem uso de radiações ionizantes(5,7,15). A RM permanece como primeira alternativa se a US é inconclusiva. Apresenta alta acurácia para detecção de dilatação do sistema coletor urinário e do sítio da obstrução e, apesar de frequentemente não tornar visível o cálculo, demonstra achados indiretos que permitem a diferenciação entre a dilatação fisiológica e a de origem obstrutiva, como o aumento das dimensões renais, a presença de fluido perirrenal e a alteração abrupta do calibre ureteral acima ou abaixo do útero, que podem ser identificados nas dilatações obstrutivas(7,15). Permanecendo a dúvida diagnóstica após a realização de US e RM, considera-se a TC como método diagnóstico definitivo. Uma vez que o embrião ou feto se encontra no campo de aquisição de uma tomografia de abdome e pelve, cuidados especiais devem ser tomados para garantir a segurança do concepto. Os protocolos usuais de TC expõem o feto a uma dose de radiação estimada em 25 mGy (Tabela 1). Protocolos de baixa dose para pesquisa específica de cálculos renais, utilizando baixas correntes de tubo (160 mA, 140 kVp) em um aparelho multislice de pelo menos 16 canais demonstram doses fetais de radiação limitadas a 11,7 mGy, devendo ser preferidos em relação aos protocolos habituais(7) (Figura 6). Figura 6. Algoritmo para avaliação por imagem de gestantes com suspeita de ureterolitíase. Outras condições urológicas devem ser lembradas como diagnósticos diferenciais, por exemplo, a pielonefrite aguda. Nesse contexto, deve-se utilizar sempre que possível a US e a RM como métodos de rastreamento e detalhamento anatômico. Avaliação da gestante com dispneia As principais causas de dispneia durante o período gestacional incluem tromboembolismo pulmonar (TEP), pneumonia adquirida na comunidade, edema pulmonar, asma exacerbada e aspiração de líquido amniótico. Entre essas causas, destaca-se o TEP, que configura importante causa de mortalidade materna e cujo diagnóstico é realizado pela imagem. O aumento da estase venosa e as mudanças nos fatores de coagulação nas gestantes (estado de hipercoagulabilidade) determinam aumento do risco de trombose venosa profunda (TVP) na ordem de cinco vezes. Outros fatores predisponentes incluem obesidade, idade materna avançada, trombofilia, síndrome do anticorpo antifosfolípide, trauma, cirurgias e imobilidade(16). Os principais sintomas clínicos do TEP agudo incluem dispneia, dor torácica pleurítica, tosse, taquipneia, taquicardia, hipoxemia, dor e/ou edema assimétrico de membros inferiores(16). Diante da suspeita de TEP, é necessária confirmação diagnóstica por exames de imagem. O exame de escolha é a US compressiva, isenta de contrastes e de radiação ionizante(5). Caso seja positiva para TVP, o tratamento deve ser instituído, não sendo necessários exames adicionais. Nos casos em que a US compressiva for indisponível, negativa ou não coexistirem sintomas de TVP, a angio-TC das artérias pulmonares ou a cintilografia de ventilação/perfusão (V/Q) são indicadas, uma vez que o diagnóstico definitivo dessa entidade patológica é realizado pela demonstração de alta probabilidade para TEP na cintilografia pulmonar V/Q ou pela visualização direta de trombo arterial na angio-TC(16,17). A escolha entre angio-TC e cintilografia V/Q é desafiadora e os dados da literatura são conflitantes. O diagnóstico e o tratamento não devem ser postergados, priorizando- se o método disponível e considerando-se o julgamento clínico, as preferências individuais da paciente e a presença de comorbidades (em pacientes nefropatas e alérgicas ao contraste iodado, sugere-se realização da cintilografia, e em pacientes pneumopatas, a angio-TC)(17). A cintilografia apresenta como vantagem uma menor exposição materna à radiação, enquanto a angio-TC possibilita a identificação de diagnósticos alternativos(5,17). Recomenda-se atualmente que, caso sejam necessários exames adicionais à US compressiva, deve-se realizar, inicialmente, radiografia de tórax. Se nenhuma alteração for observada na radiografia, realiza-se cintilografia V/Q. Caso contrário, a angio-TC é preferível, sendo útil também nos casos em que a cintilografia é indeterminada e a suspeita clínica permanece elevada (Figura 7) (17–19). Figura 7. Algoritmo para avaliação de gestantes com suspeita de TEP. * Se a angio-TC for considerada tecnicamente inadequada, deve-se realizar US Doppler de membros inferiores ou nova angio-TC. ** Se a cintilografia V/Q for não diagnóstica, deve-se realizar angio-TC. O edema pulmonar, na gestante, pode ser cardiogênico ou não cardiogênico, destacando-se, neste último, os seguintes fatores predisponentes: uso de tocolíticos, pré-eclâmpsia ou eclâmpsia grave e administração iatrogênica de fluidos em grande quantidade. O diagnóstico, usualmente, é realizado por meio de anamnese e exame físico. A radiografia de tórax pode mostrar sinais de congestão venosa pulmonar – consolidações, opacidades centrais em “asa de borboleta”, espessamento septal interlobular (linhas B de Kerley) –, e a TC não é necessária na maioria dos casos(16). A pneumonia adquirida na comunidade constitui causa relativamente comum de falência respiratória em gestantes, nas quais os achados clínicos incluem tosse com expectoração purulenta, febre, dispneia, taquicardia e taquipneia. Algumas pacientes podem apresentar também hipoxemia, dor pleurítica, sintomas gastrointestinais e confusão mental. O diagnóstico é firmado com base em achados radiológicos de acometimento focal ou multifocal do espaço aéreo (consolidações, opacidades com atenuação em vidro fosco), história clínica compatível e comprovação bacteriológica. Em relação aos métodos de imagem, a radiografia de tórax é o exame de escolha, sendo suficiente para confirmação diagnóstica na maioria dos casos. As crises de asma e a embolia de fluido amniótico são condições de diagnóstico essencialmente clínico, prescindindo, habitualmente, do uso de métodos de imagem. Avaliação da gestante politraumatizada Acidentes com veículos automotivos e violência doméstica são as principais causas de trauma na gravidez, muitas vezes com alta energia. Nesses casos, a avaliação das gestantes torna-se desafiadora, já que a presença do feto implica a avaliação de dois pacientes em risco(11,20). Inicialmente, deve-se dar prioridade à sobrevivência materna, com condutas voltadas à estabilidade hemodinâmica da gestante. Exames adicionais que forem necessários não devem ser postergados, já que a ausência do diagnóstico pode implicar o óbito materno e fetal(5). Assim, os benefícios dos exames de imagem superam os riscos potenciais, mesmo quando utilizam radiação ionizante(20). A avaliação inicial de gestantes politraumatizadas inclui radiografia do tórax e da coluna cervical, US obstétrica e US abdominal. A US abdominal é o método de imagem de escolha, em razão da sua segurança na gestação, além de configurar parte integral da avaliação primária dos pacientes politraumatizados de modo geral. Seu principal objetivo é determinar a presença de conteúdo hemático na cavidade abdominal(5,11). Nos casos em que esses exames não forem suficientes para elucidação diagnóstica, estudos adicionais devem ser realizados, de acordo com a suspeita clínica, relacionada ao mecanismo do trauma. Os exames adicionais incluem TC de crânio, tórax, abdome e pelve, se estes forem necessários (Figura 8). A RM também pode ser utilizada, se disponível, com papel de destaque na avaliação de lesões neurológicas. Nenhum exame diagnóstico ou intervencionista deve ser omitido ou protelado quando necessário para definição de condutas médicas, particularmente no contexto de trauma(5,11). Figura 8. Algoritmo para avaliação por imagem de gestantes vítimas de politraumatismo. Avaliação da gestante com queixas neurológicas As principais condições neurológicas observadas na gestação são cefaleia, trombose venosa, pré-eclâmpsia, hemorragia subaracnoide, síndrome da encefalopatia posterior reversível e algumas doenças hipofisárias(21). Os principais métodos de imagem para diagnóstico e acompanhamento dessas condições são a TC e a RM. Conforme já mencionado, a RM é um método isento de radiações ionizantes, sendo preferível na investigação da maioria das afecções neurológicas. Deve-se lembrar, entretanto, que a TC do crânio, por não incluir o feto no campo de obtenção da imagem, expõe o concepto a baixas doses de radiação, sendo considerada relativamente segura na maioria dos casos, desde que respeitados os princípios de radioproteção e que não sejam realizadas múltiplas aquisições consecutivas(21) (Figura 9). Figura 9. Algoritmo para avaliação por imagem de gestantes com queixas neurológicas. Avaliação da gestante com doenças crônicas e oncológicas Em relação às pacientes com doenças crônicas, como pneumopatias intersticiais, doenças cardíacas ou reumatológicas, considera-se que os exames de rotina devem ser protelados para realização após a gestação. Entretanto, caso ocorra agudização de algum quadro relacionado, como piora respiratória não explicada nas pacientes cardiopatas, ou suspeita de infecções oportunistas em pacientes imunossuprimidas, esses exames devem ser realizados, considerando-se o risco-benefício em cada caso. Se o exame for considerado importante para a definição terapêutica, ele não deve ser retardado e a modalidade diagnóstica deve ser escolhida de acordo com a suspeita clínica(2,4). Ressalta-se que, sempre que possível, deve-se dar prioridade a métodos isentos de radiação ionizante (US e RM)(3). No caso das pacientes oncológicas, as mesmas prerrogativas são verdadeiras e a escolha dos exames se baseia na doença de base, no tratamento proposto e na necessidade de estadiamento local e sistêmico (Figuras 10 e 11). Figura 10. Algoritmo para avaliação por imagem de gestantes portadoras de doenças crônicas ou oncológicas. Figura 11. Tomografia computadorizada de paciente com tumor de Zuckerkandl, indicado pelas setas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante a gestação, os exames de imagem preferenciais são a US e a RM. Entretanto, os métodos que utilizam radiação ionizante podem ser utilizados, contribuindo para a definição diagnóstica e a terapêutica, sempre que os benefícios justificarem os potenciais riscos ao feto. Ressaltase que esses riscos são baixos se respeitados os protocolos estabelecidos para limitação de dose e não sejam realizadas múltiplas aquisições(11). Protelar ou não realizar um estudo imaginológico pode ser mais nocivo à gestante e ao próprio feto do que os potenciais malefícios causados pelo próprio exame(2,6). REFERÊNCIAS 1. Lazarus E, DeBenedectis C, North D, et al. Utilization of imaging in pregnant patients: 10-year review of 5270 examinations in 3285 patients—1997-2006. Radiology. 2009;251:517–24. 2. Tirada N, Dreizin D, Khati NJ, et al. Imaging pregnant and lactating patients. Radiographics. 2015;35:1751–65. 3. Tremblay E, Thérasse E, Thomassin-Naggara I, et al. Quality initiatives: guidelines for use of medical imaging during pregnancy and lactation. 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Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Montes Claros, MG, Brasil a. https://orcid.org/0000-0003-2370-9090 b. https://orcid.org/0000-0002-0044-7641 c. https://orcid.org/0000-0001-6582-480X d. https://orcid.org/0000-0001-5907-6534 e. https://orcid.org/0000-0003-2333-8779 f. https://orcid.org/0000-0003-0034-7285 Correspondência: Dra. Ana Paula Campos Rocha Instituto Hermes Pardini Rua Aimorés, 66, Funcionários Belo Horizonte, MG, Brasil, 30140-070 E-mail: anacrocha@gmail.com Recebido para publicação em 17/4/2019 Aceito, após revisão, em 18/7/2019 Publicado em: 12/05/2020 |