Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 52 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2019

EDITORIAL
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Page(s) 5 to 6



Ressonância magnética em mulheres com câncer de mama com diagnóstico recente. Para onde vamos?

Autho(rs): Fabiola Kestelman

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A incidência de câncer de mama no Brasil, país de renda média-alta, vem aumentando na última década, como na maioria dos países de renda baixa e média, refletindo o envelhecimento da população, a mudança de hábitos reprodutivos e de estilo de vida. A incidência da doença no Brasil ainda é consideravelmente menor do que na maioria dos países de renda alta(1). Entretanto, a mortalidade é tão alta no Brasil quanto em muitos países de renda alta e vem aumentando em todos os grupos etários desde 1979, contrastando substancialmente com os decréscimos observados na maioria dos países de renda alta desde o início dos anos 90(2).

O uso da ressonância magnética (RM) nesse contexto ganhou destaque nos últimos anos(3–6), mas tem indicações controversas no que tange à avaliação de lesões adicionais na mama com diagnóstico recente de câncer de mama, assim como na mama contralateral. Como a RM pré-operatória da mama estava se tornando cada vez mais popular entre os cirurgiões, dois grandes estudos foram conduzidos avaliando o papel da RM pré-operatória em mulheres com doença inicial(7,8). O estudo COMICE, realizado no Reino Unido, randomizou 1623 mulheres com doença inicial no pré-operatório com ou sem RM(7). Esse estudo não encontrou diferença entre os dois grupos em seu desfecho primário de taxas de re-excisão para margens positivas ou nenhuma diferença estatisticamente significante em sobrevida livre de doença após três anos de acompanhamento. Um segundo estudo envolvendo 418 pacientes, o estudo MONET, realizado na Holanda, avaliou se RM pré-operatória além de mamografia ou ultrassonografia, ou ambos, reduziu o número de re-excisões cirúrgicas(8). Paradoxalmente, a adição de RM de mama foi associada a uma taxa de re-excisão aumentada para margens positivas após cirurgia conservadora. Os autores concluíram que a RM de mama não deve ser usada no pré-operatório de rotina para mulheres com lesão em estágio inicial.

Os resultados dos estudos COMICE e MONET não mostrando benefício para RM de mama no pré-operatório foram inesperados, porém, várias limitações metodológicas de ambos os estudos devem ser destacadas. Primeiro, a RM foi realizada em um momento em que o exame era uma tecnologia relativamente nova. O nível de especialização dos radiologistas que interpretaram as RMs também variou amplamente de centro para centro. Segundo, os cirurgiões que inscreveram pacientes no estudo COMICE não tinham experiência com a RM pré-operatória da mama. Terceiro, preocupações adicionais foram levantadas sobre as taxas de re-excisão inesperadamente baixas no estudo (aproximadamente 19% em cada grupo). Em quarto lugar, muitos centros não tinham a capacidade de realizar biópsia guiada por RM, condição necessária para investigação de lesões identificadas somente na RM, antes de definir a cirurgia.

Para compilar os dados e avaliar melhor os diversos estudos sobre o tema, uma revisão sistemática com meta-análise foi conduzida por Houssami et al.(9), que incluiu 2160 mulheres de 19 estudos, avaliou a precisão e o impacto cirúrgico da RM de mama no pré-operatório em pacientes com câncer de mama de todas as idades. Nesse estudo, a proporção de pacientes submetidas a uma mudança no tratamento cirúrgico, da cirurgia conservadora para a mastectomia, foi 11,3% (intervalo de confiança de 95%: 6,8% a 18,3%). Focos adicionais de tumor na mama ipsilateral foram encontrados em 11% a 31% dos pacientes, e o achado contralateral foi identificado em 3% a 6%. No entanto, nenhuma diferença no desfecho primário e nenhuma melhora em doença livre de doença foram observadas. Porém, uma crítica pertinente a essa meta-análise é que ela incluiu apenas três estudos randomizados que contribuíram para as estimativas.

Antes que quaisquer conclusões definitivas sobre os benefícios da RM pré-operatória possam ser tiradas, são necessários estudos que controlem grau e agressividade da doença, biologia tumoral e status dos receptores, histologia ou morfologia tumoral (especialmente carcinoma lobular invasivo), densidade mamária, história familiar, invasão linfovascular e doença multifocal ou multicêntrica. Apesar das limitações declaradas da literatura sobre RM pré-operatória, evidências sugerem que o exame pode ter benefício clínico em certos subtipos tumorais. Estudos de RM pré-operatória em mulheres com tumor triplo-negativo sugerem que a ausência de uma RM poderia resultar em desfechos inferiores, como recidiva local e sobrevida livre de doença(10).

No estudo de França et al.(11), publicado neste número da Radiologia Brasileira, o uso da RM pré-operatório foi avaliado em 61 pacientes. A RM determinou mudança de conduta em 23% das pacientes, com impacto positivo em 82,7% desses casos.

Concluindo, a RM da mama é essencial para o planejamento cirúrgico, desde que bem empregada. A mastectomia desnecessária pode ocorrer se diretrizes antigas forem simplesmente copiadas para uma nova situação. Diretrizes que exigem mastectomia para câncer de mama multicêntrico foram estabelecidas antes do advento da RM. O uso das mesmas diretrizes para o manejo de focos de câncer multicêntricos detectados por RM pode ser inadequado, principalmente porque pequenos focos de câncer multicêntricos serão suficientemente tratados por radioterapia. Novas conclusões serão possíveis com estudos randomizados com amostragem significativa e avaliação de subpopulações, o que determinará os subgrupos que mais se beneficiam do método.


REFERÊNCIAS

1. Ferlay J, Soerjomataram I, Dikshit R, et al. Cancer incidence and mortality worldwide: sources, methods and major patterns in GLOBOCAN 2012. Int J Cancer. 2015;136:E359–86.

2. Dos-Santos-Silva I, De Stavola BL, Renna NL Junior, et al. Ethnoracial and social trends in breast cancer staging at diagnosis in Brazil, 2001–14: a case only analysis. Lancet Glob Health. 2019;7:e784–e797.

3. Guatelli CS, Bitencourt AGV, Osório CABT, et al. Can diffusion-weighted imaging add information in the evaluation of breast lesions considered suspicious on magnetic resonance imaging? Radiol Bras. 2017;50:291–8.

4. Almeida JRM, Gomes AB, Barros TP, et al. Diffusion-weighted imaging of suspicious (BI-RADS 4) breast lesions: stratification based on histopathology. Radiol Bras. 2017;50:154–61.

5. França LKL, Bitencourt AGV, Paiva HLS, et al. Role of magnetic resonance imaging in the planning of breast cancer treatment strategies: comparison with conventional imaging techniques. Radiol Bras. 2017;50:76–81.

6. Carneiro GAC, Arantes Pereira FP, Lopes FPPL, et al. Magnetic resonance imaging guided vacuum-assisted breast biopsy: experience and preliminary results of 205 procedures. Radiol Bras. 2018;51:351–7.

7. Turnbull L, Brown S, Harvey I, et al. Comparative effectiveness of MRI in breast cancer (COMICE) trial: a randomised controlled trial. Lancet. 2010;375:563–71.

8. Peters NH, van Esser S, van den Bosch MA, et al. Preoperative MRI and surgical management in patients with nonpalpable breast cancer: the MONRT – randomised controlled trial. Eur J Cancer. 2011;47:879–86.

9. Houssami N, Turner RM, Morrow M. Meta-analysis of pre-operative magnetic resonance imaging (MRI) and surgical treatment for breast cancer. Breast Cancer Res Treat. 2017;165:273–83.

10. Lehman CD, Gatsonis C, Kuhl CK, et al. MRI evaluation of the contralateral breast in women with recently diagnosed breast cancer. N Engl J Med. 2007;356:1295–303.

11. França LKL, Bitencourt AGV, Makdissi FBA, et al. Impact of breast magnetic resonance imaging on the locoregional staging and management of breast cancer. Radiol Bras. 2019;52:211–6.










Radiologista da Clínica Cavallieri e da Clínica São Vicente da Gávea, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: fabkest@gmail.com. https://orcid.org/;0000-0002-8140-2647
 
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