Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 52 nº 3 - Maio / Jun.  of 2019

CARTAS AO EDITOR
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Page(s) 199 to 200



Doença de Creutzfeldt-Jakob variante Heidenhain

Autho(rs): Bernardo Carvalho Muniz1; Lana Sayuri Makita2; Bruno Niemeyer de Freitas Ribeiro3; Edson Marchiori4

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Texto em Português English Text

Sr. Editor,

Paciente masculino, 78 anos, apresentou nos últimos dois meses quadro progressivo de desorientação espacial e alteração na percepção de cores, sem alterações comportamentais significativas ou convulsões. Exame oftalmológico sem alterações. Sorologias negativas para HIV e sífilis. Ressonância magnética (RM) de crânio mostrou hiperintensidade em FLAIR acometendo a cortical, mais evidente nos lobos parietais e occipitais, associada a restrição à difusão (Figura 1). Não havia sinais de comprometimento da substância branca e dos núcleos da base, ou realce pelo meio de contraste. Foi sugerido o diagnóstico de doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) variante Heidenhain, sendo tal hipótese corroborada por eletroencefalograma, que revelou ondas agudas trifásicas, periódicas, com predomínio nas áreas posteriores.


Figura 1. A: RM, FLAIR, plano axial mostrando hiperintensidade no córtex parieto-occipital bilateral (seta), mais evidente à direita, poupando a substância branca subcortical. B: RM, difusão, plano axial, mesmo nível de A, mostrando restrição à difusão no córtex parieto-occipital (seta). C: RM, difusão, plano axial, no nível dos núcleos da base e tálamos, os quais se encontram sem alterações de sinal. Observar a restrição à difusão no córtex parieto-occipital bilateral (setas). D: RM, mapa ADC, plano axial, ao nível de A e B, mostrando baixo sinal nas lesões corticais, confirmando a restrição à difusão.



A DCJ, também conhecida como encefalopatia espongiforme transmissível ou doença priônica, é uma doença neurodegenerativa rara e rapidamente progressiva, sem predileção por sexo, que acomete preferencialmente pacientes entre a quinta e a oitava décadas de vida. Pode ser esporádica, que é a forma mais comum (85%); familiar, causada por mutações diversas no gene PRNP; iatrogênica, causada por inoculação de príons por materiais contaminados; e variante, que costuma resultar da transmissão da encefalopatia espongiforme bovina para seres humanos, usualmente pela alimentação(1-3). Os achados clínicos típicos são o rápido declínio das funções cognitivas, seguido de movimentos mioclônicos e mutismo acinético. Entretanto, na variante Heidenhain, a manifestação clássica é a cegueira cortical decorrente de comprometimento do córtex parieto-occipital, podendo estar presente mioclonias e demência progressiva(1,3).

Estudos por RM vêm ganhando crescente importância na avaliação de pacientes com doenças neurológicas(4-7). Na RM, as formas esporádica e familiar da DCJ usualmente se apresentam com hiperintensidades em T2 e FLAIR, com restrição à difusão, acometendo o córtex cerebral e os núcleos da base, em especial o corpo estriado, de forma focal ou difusa, simétrica ou assimétrica, poupando a região perirrolândica e tálamos(3). Sinais clássicos como o do "pulvinar" e do "taco de hockey" são típicos da forma variante e são caracterizados, respectivamente, por hiperintensidades em T2/FLAIR nos tálamos posteriores e nos tálamos posteromediais(8,9).

Na DCJ variante Heidenhain, o acometimento do córtex parieto-occipital, incluindo a área visual primária, é mandatório, caracterizando-se na RM por hiperintensidades corticais em T2/FLAIR associadas a restrição à difusão, tipicamente com preservação da substância branca subcortical e dos núcleos da base. Interessante mencionar que a restrição à difusão pode preceder as manifestações clínicas da DCJ(3).

Na DCJ variante Heidenhain, o eletroencefalograma tipicamente demonstra ondas agudas trifásicas, periódicas, com predomínio nas áreas posteriores(10). A análise do líquor pode revelar aumento da proteína 14-3-3(3). A análise histopatológica é o padrão ouro, demonstrando perda neuronal acentuada, alterações espongiformes, astrogliose intensa e imunorreatividade à proteína priônica anormal, PrP(Sc)(11). O prognóstico é sombrio e a morte geralmente ocorre em até um ano(2,9).

Os principais diagnósticos diferenciais são: demência frontotemporal, status epiléptico, encefalopatia hipóxico-isquêmica, hipoglicemia severa, encefalopatia autoimune imunomediada, atrofia cortical posterior, hiperamonemia(3).

Apesar de rara, a DCJ variante Heidenhain deve ser lembrada no diagnóstico diferencial dos distúrbios visioespaciais, principalmente quando na RM há hiperintensidade em T2 e FLAIR associada a restrição à difusão, acometendo a cortical dos lobos occipitais.


REFERÊNCIAS

1. Baiardi S, Capellari S, Ladogana A, et al. Revisiting the Heidenhain variant of Creutzfeldt-Jakob disease: evidence for prion type variability influencing clinical course and laboratory findings. J Alzheimers Dis. 2016;50:465-76.

2. Reis F, Palma ALG, Schwingel R, et al. Creutzfeldt-Jakob dementia. Radiol Bras. 2015;48:267-8.

3. Fragoso DC, Gonçalves Filho ALM, Pacheco FT, et al. Imaging of Creutzfeldt-Jakob disease: imaging patterns and their differential diagnosis. Radiographics. 2017;37:234-57.

4. Abreu PP, Muniz BC, Ventura N, et al. Intraventricular ganglioglioma with dissemination of cerebrospinal fluid. Radiol Bras. 2018;51:272-3.

5. Niemeyer B, Muniz BC, Marchiori E. Langerhans cell histiocytosis with isolated meningeal involvement: findings on magnetic resonance imaging. Radiol Bras. 2018;51:343-4.

6. Niemeyer B, Muniz BC, Ventura N, et al. Papillary tumor of the pineal region accompanied by Parinaud's syndrome: magnetic resonance imaging findings. Radiol Bras. 2018;51:202-4.

7. Niemeyer B, Muniz BC, Gasparetto EL, et al. Congenital Zika syndrome and neuroimaging findings: what do we know so far? Radiol Bras. 2017;50:314-22.

8. Collie DA, Summers DM, Sellar RJ, et al. Diagnosing variant Creutzfeldt-Jakob disease with the pulvinar sign: MR imaging findings in 86 neuropathologically confirmed cases. AJNR Am J Neuroradiol. 2003;24:1560-9.

9. Macfarlane RG, Wroe SJ, Collinge J, et al. Neuroimaging findings in human prion disease. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2007;78:664-70.

10. Güveli BT, Oktar AÇ, Çabalar M, et al. EEG and cranial MRI findings in Heidenhain variant of Creutzfeldt-Jakob disease. J Neurol Sci. [Turk]. 2014;31:218-23.

11. Kher M, Rao MY, Acharya PT, et al. Heidenhain variant of Creutzfeldt-Jakob disease: an autopsy study from India. Ann Indian Acad Neurol. 2009;12:48-51.










1. Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer - Departamento de Radiologia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; https://orcid.org/0000-0003-1483-2759
2. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-5002-8314
4. Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer - Departamento de Radiologia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-1936-3026
5. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil; https://orcid.org/0000-0001-8797-7380

Correspondência:
Dr. Bernardo Carvalho Muniz
Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer - Departamento de Radiologia
Rua do Resende, 156, Centro
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 20231-092
E-mail: bernardocmuniz@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 18/September/2017
Aceito, após revisão, em 16/November/2017
 
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