ENSAIO ICONOGRÁFICO
|
|
|
|
Autho(rs): Ana Flávia Pina Ferreira1; Sharon Rosemberg2; Daniel Simões Oliveira3; José de Arimatéia Batista Araujo-Filho4; Cesar Higa Nomura5 |
|
Descritores: Anomalias dos vasos coronários/complicações; Anomalias dos vasos coronários/diagnóstico por imagem; Aorta torácica/anormalidades; Aorta torácica/diagnóstico por imagem. |
|
Resumo: INTRODUÇÃO
As anomalias das artérias coronárias são entidades raras (1,3% da população) e potencialmente graves (20% do total, sobretudo quando associadas a infarto agudo do miocárdio, arritmia ou morte súbita(1). Elas podem ser divididas em anomalias de origem, de trajeto e de terminação. Entre as anomalias relacionadas ao risco de morte súbita, destacam-se a artéria coronária única, a atresia ostial, a origem da artéria coronária na artéria pulmonar, as grandes fístulas e o trajeto interarterial na origem coronária. Com o avanço das técnicas de aquisição de imagem, a angiotomografia computadorizada (angio-TC) multislice tornou-se um método bem estabelecido para avaliação das artérias coronárias (classe de recomendação I, nível de evidência B)(2), sendo considerada superior à angiografia convencional quando se trata da definição da origem e do trajeto dos ramos coronarianos anômalos(3). A angio-TC é capaz de fornecer imagens de alta resolução de todo o trajeto coronariano, assim como do envolvimento aterosclerótico potencialmente associado, possibilitando a identificação de alterações potencialmente fatais e auxiliando no planejamento terapêutico(4-6). O presente estudo tem por objetivo descrever a importância da angio-TC na caracterização das artérias coronárias anômalas com origem em seio contralateral/não coronariano que apresentam trajeto interarterial e auxiliar o radiologista no reconhecimento e descrição desse importante achado. ANATOMIA NORMAL (Figura 1) Figura 1. Ilustração mostrando a origem habitual das artérias coronárias (A), a origem anômala com trajeto interarterial da artéria coronária esquerda a partir do seio coronariano direito (B) e a origem anômala da artéria coronária direita a partir do seio coronariano esquerdo (C). AD, átrio direito; AE, átrio esquerdo; TP, tronco da artéria pulmonar; VE, ventrículo esquerdo; D, seio coronariano direito; E, seio coronariano esquerdo; SN, seio não coronariano; ACD, artéria coronária direita; TCE, tronco da artéria coronária esquerda; ADA, artéria coronária descendente anterior; CX, artéria coronária circunflexa. A artéria coronariana direita (ACD) origina-se do seio coronariano anterior direito, discretamente inferior à artéria coronariana esquerda (ACE), com trajeto imediatamente à direita e posterior à artéria pulmonar, e desce pelo sulco atrioventricular direito em direção ao septo interventricular posterior(3). A ACE nasce no seio coronariano posterior esquerdo, tem 5 a 10 mm de extensão e não varia significativamente em diâmetro. Apresenta percurso à esquerda e posterior ao tronco pulmonar e logo após bifurca-se, dando origem aos seus ramos (artérias descendente anterior e circunflexa)(3). TRAJETO INTERARTERIAL DE ARTÉRIAS CORONÁRIAS ANÔMALAS COM ORIGEM EM SEIO CONTRALATERAL/NÃO CORONARIANO (Figura 1) Ambas as artérias coronárias (direita e esquerda) podem ter sua origem no seio contralateral, configurando uma anomalia de origem e trajeto. Estudo realizado em pacientes submetidos a angiografia constatou que a ACD se origina do seio esquerdo de Valsalva como um vaso separado ou como um ramo de uma artéria coronária única em 0,03-0,17% dos pacientes3. Observou-se, ainda, que a ACE pode se originar do seio de Valsalva direito como um vaso separado ou ramo único da coronária em 0,09%-0,11% dos casos e que o trajeto interarterial pode ser visto em mais de 75% dos pacientes com essa anomalia3. Enquanto a ACD originada no seio coronariano esquerdo costuma ser mais prevalente e relacionada a um melhor prognóstico, sabe-se que há elevado risco de morte súbita entre pacientes com ACE de origem anômala a partir do seio direito(7). Nesses casos, a decisão terapêutica é complexa e ainda controversa, envolvendo a importância dos sintomas associados, a detecção de isquemia por métodos funcionais e, mais recentemente, o tipo de trajeto interarterial encontrado. ACD (Figuras 2, 3 e 4) Figura 2. Angio-TC com contraste. Reconstruções oblíquas (A,B) e reconstrução tridimensional (C) demonstram origem anômala da artéria coronária direita, com trajeto entre a aorta e o tronco da artéria pulmonar. A imagem em B mostra, também, o dot sign (seta). CD, artéria coronária direita; Ao, aorta; TP, tronco da artéria pulmonar; TCE, tronco da artéria coronária esquerda. Figura 3. Angio-TC com contraste. Reconstruções oblíquas (A,B) e reconstrução tridimensional (C) demonstram origem anômala da artéria coronária direita a partir do seio coronariano esquerdo, com trajeto entre a aorta e o tronco da pulmonar. CD/ACD, artéria coronária direita; Ao, aorta; TP, tronco da artéria pulmonar; TCE, tronco da artéria coronária esquerda. Figura 4. Angio-TC com contraste axial (A), reconstruções oblíquas (B,C) e reconstrução tridimensional (D) demonstram trajeto anômalo interarterial da artéria coronária direita com origem no seio contralateral (esquerdo) e trajeto entre a aorta e o tronco da pulmonar. CD, artéria coronária direita; Ao, aorta; TP, tronco da artéria pulmonar; DA, artéria coronária descendente anterior. O curso mais comum de uma ACD anômala que nasce no seio de Valsalva é o interarterial (entre a aorta ascendente e o tronco pulmonar), e essa variante está associada a morte súbita em até 30% dos pacientes(3). Nesses casos, acredita-se que a dilatação da aorta durante o exercício físico pode estreitar o óstio anômalo, reduzindo o fluxo sanguíneo na coronária, e constituir o substrato para alterações isquêmicas miocárdicas(7). Nos casos em que a ACD tem origem anômala do seio coronariano esquerdo e curso interarterial, a altura de seu trajeto em relação à valva pulmonar pode ter diferentes implicações prognósticas, com consequente estratificação de risco e tratamento distintos. De acordo com o achado na angio-TC, classifica-se o curso interarterial da ACD em alto ou baixo. Uma via de saída alta predispõe a mais efeitos adversos, como angina e morte súbita, e requer mais atenção dos radiologistas para tal aspecto. Isto se deve ao fato de que, durante a sístole, ambos os vasos adjacentes à coronária (aorta e artéria pulmonar) dilatam, estreitando o canal por onde a artéria coronária anômala passa, fenômeno que se agrava durante o exercício. Já no trajeto abaixo da valva pulmonar, a via de saída do ventrículo direito se contrai durante a sístole, contrabalançando a expansão sistólica da aorta, o que torna o trajeto da coronária entre a via de saída do ventrículo direito e a aorta menos estreitado(8) (Figura 5). Figura 5. Figura ilustrando os subtipos de curso anômalo interarterial da artéria coronária direita a partir do seio coronariano esquerdo. A: Curso interarterial alto. O óstio anômalo (bola preta na diástole) está situado entre a aorta e a artéria pulmonar. Durante a sístole há distensão simultânea da aorta e da artéria pulmonar, ocasionando a compressão do óstio (formato oval na sístole). B: Curso interarterial baixo. O óstio anômalo está situado entre a aorta e abaixo da valva pulmonar. Durante a sístole, a aorta distende, porém, o ventrículo direito contrai, não ocasionando compressão do óstio (bola preta na diástole e na sístole). D, seio coronariano direito; E, seio coronariano esquerdo; NC, seio não coronariano. ACE (Figura 6) Figura 6. Angio-TC com contraste. Plano coronal (A), reconstrução oblíqua (B) e reconstrução tridimensional (C) demonstram origem anômala do tronco coronariano esquerdo, adjacente à origem da artéria coronária direita no seio coronariano direito. O tronco coronariano esquerdo dá origem à artéria circunflexa e à artéria coronária descendente anterior. Nessas imagens, pode-se ver o trajeto do TCE passando por trás do tronco da artéria pulmonar. TCE, tronco coronariano esquerdo; TP, tronco da artéria pulmonar; DA, artéria coronária descendente anterior; CD, artéria coronária direita; Cx, artéria circunflexa; SCD, seio coronariano direito. O trajeto interarterial da ACE pode ser visto em mais de 75% dos pacientes com ACE originando-se no seio direito (como um vaso separado ou como um ramo de coronária única). O elevado risco de morte súbita deve-se ao ângulo agudo do óstio, "estiramento" do segmento intramural e compressão entre as comissuras das cúspides coronárias direita e esquerda(3). A morte súbita pode resultar de uma compressão transitória do curso da ACE anômala, causada pela dilatação da aorta e da artéria pulmonar por um aumento do fluxo sanguíneo que ocorre durante exercício intenso, criando, assim, uma torção ou compressão da coronária entre a aorta e a via de saída do ventrículo direito(1). TRATAMENTO Com base na diferença de prognóstico entre esses tipos de anomalia, o American College of Cardiology e a American Heart Association recomendam tratamento cirúrgico para todos os pacientes com ACE originando-se do seio direito, independentemente de sintomas ou evidência de isquemia(9). No entanto, segundo esses consensos, apenas os pacientes que apresentam ACD oriunda do seio esquerdo com isquemia documentada ou sintomas importantes devem ser submetidos a correção cirúrgica(9). CONCLUSÃO As anomalias de trajeto coronariano podem ser observadas em tomografias de tórax e angio-TCs de aorta ou de artérias pulmonares realizadas por causas distintas e devem fazer parte do conhecimento dos radiologistas em função de seu prognóstico variável e potencialmente fatal. REFERÊNCIAS 1. Patel S. Normal and anomalous anatomy of coronary arteries. Semin Roentgenol. 2008;43:100-12. 2. Sara L, Szarf G, Tachibana A, et al. II Diretriz de Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia e do Colégio Brasileiro de Radiologia. Arq Bras Cardiol. 2014;103(6 Supl. 3):1-86. 3. Kim SY, Seo JB, Do KH, et al. Coronary artery anomalies: classification and ECG-gated multi-detector row CT findings with angiographic correlation. Radiographics. 2006;26:317-34. 4. Pelandré GL, Sanches NMP, Nacif MS, et al. Detection of coronary artery calcification with nontriggered computed tomography of the chest. Radiol Bras. 2018;51:8-12. 5. Neves PO, Andrade J, Monção H. Coronary artery calcium score: current status. Radiol Bras. 2017;50:182-9. 6. Trad HS. Deriving the coronary artery calcium score from computed tomography of the chest. Radiol Bras. 2018;51(1):v-vi. 7. Ashrafpoor G, Danchin N, Houyel L, et. al. Anatomical criteria of malignancy by computed tomography angiography in patients with anomalous coronary arteries with an interarterial course. Eur Radiol. 2015;25:760-6. 8. Lee HJ, Hong YJ, Kim HY, et al. Anomalous origin of the right coronary artery from the left coronary sinus with an interarterial course: subtypes and clinical importance. Radiology. 2012;262;101-8. 9. Warnes CA, Williams RG, Bashore TM, et al. ACC/AHA 2008 guidelines for the management of adults with congenital heart disease: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to Develop Guidelines on the Management of Adults With Congenital Heart Disease). Developed in collaboration with the American Society of Echocardiography, Heart Rhythm Society, International Society for Adult Congenital Heart Disease, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, and Society of Thoracic Surgeons. J Am Coll Cardiol. 2008;52:e143-e263. 1. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-5907-0228 2. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0003-4614-976X 3. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0001-9454-1315 4. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil. Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-8627-3661 5. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil. Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-7131-6614 Correspondência: Dra. Sharon Rosemberg. InCor/HC-FMUSP Avenida Doutor Enéas Carvalho de Aguiar, 44, Pinheiros São Paulo, SP, Brasil, 05403-900 E-mail: rosemberg.sharon@gmail.com Recebido para publicação em 30/October/2017 Aceito, após revisão, em 22/December/2017 |