Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 52 nº 3 - Maio / Jun.  of 2019

ENSAIO ICONOGRÁFICO
Print 

Page(s) 187 to 192



Necroses avasculares: achados radiológicos e principais sítios de acometimento - ensaio iconográfico

Autho(rs): Dair Jocely Enge Junior1; Eduardo Kaiser Ururahy Nunes Fonseca2; Adham do Amaral e Castro3; Eduardo Baptista4; Durval do Carmo Barros Santos5; Laercio Alberto Rosemberg6

PDF Português      

PDF English

Texto em Português English Text

Descritores: Osteonecrose/diagnóstico por imagem; Radiografia; Tomografia computadorizada; Ressonância magnética.

Keywords: Osteonecrosis/diagnostic imaging; Radiography; Tomography, X-ray computed; Magnetic resonance imaging.

Resumo:
Necroses avasculares são um grupo de doenças ósseas que possuem como via comum a morte dos constituintes dos ossos por falta de suprimento vascular. Podem ocorrer nas mais diversas partes do esqueleto, recebendo não somente denominações distintas, como também apresentam epidemiologia única em cada uma dessas localizações. Seus achados nos métodos de imagem, no entanto, são similares, independente do seu sítio de acometimento, passando por fases radiológicas já bem descritas. Se não forem detectadas e manejadas de forma adequada, podem trazer grande morbidade aos pacientes, o que torna o papel do radiologista primordial. O presente estudo faz uma revisão sucinta acerca dos principais aspectos radiológicos das diversas formas de apresentação das necroses avasculares, ilustradas com base em uma coletânea de casos da nossa instituição.

Abstract:
The term avascular necrosis describes any one of a number of bone diseases that have a common mechanism: the death of bone components due to lack of blood supply. Avascular necrosis can occur in diverse parts of the skeleton, each location-specific form not only receiving a distinct designation but also presenting unique epidemiologic characteristics. However, the imaging findings are similar in all of the forms, which pass through well-described radiological phases, regardless of the site of involvement. Because avascular necrosis can cause considerable morbidity if not properly detected and managed, the radiologist plays a fundamental role. The present study provides a brief review of the main radiological aspects of the various forms of avascular necrosis, illustrated on the basis of a collection of cases from our institution.

INTRODUÇÃO

A osteonecrose, também conhecida como necrose asséptica ou necrose avascular, é um processo patológico associado a numerosas condições e intervenções terapêuticas. Em pacientes com dano direto à vasculatura óssea (por exemplo, fratura do colo do fêmur) ou lesão direta de elementos ósseos (por exemplo, lesão actínica), a causa é claramente identificável. No entanto, em muitos pacientes, os mecanismos pelos quais essa desordem se desenvolve não são totalmente compreendidos(1-3).

O comprometimento da vascularização que leva à morte de células ósseas parece ser comum às etiologias mais propostas. O processo é mais frequentemente progressivo, resultando em isquemia e destruição óssea progressiva dentro de alguns meses a dois anos na maioria dos pacientes(1-3).

A prevalência exata é desconhecida. A proporção entre homens e mulheres varia de acordo com as comorbidades associadas(2).

Uma variedade de fatores traumáticos e atraumáticos contribuem para a etiologia da osteonecrose. Entre os fatores traumáticos, destacam-se as fraturas do colo femoral; entre os fatores atraumáticos, destacam-se o uso de corticoides, as hemoglobinopatias, a infecção pelo vírus da imunodeficiência adquirida, o alcoolismo, o tabagismo, o idiopático, dentre outros(2).


DISCUSSÃO

Doença de Legg-Calvé-Perthes


É a necrose avascular da epífise da cabeça do fêmur. É mais comum em meninos, caucasianos, com pico entre 5 e 7 anos, e apresenta-se bilateral em 10-20% dos pacientes(4). Sua etiologia é incerta, mas postula-se que a fise da cabeça femoral atue como barreira para o aporte sanguíneo da epífise. Pode originar deformidades e osteoartrite secundária(4). Dentre os fatores de pior prognóstico, destacam-se: idade de apresentação mais elevada, subluxação lateral, acometimento de mais de 50% da cabeça do fêmur, neovascularização, fratura do núcleo de ossificação subcondral, alterações de sinal da metáfise e da placa fisária na ressonância magnética (RM), neovascularização cruzando a epífise(4) (Figuras 1 e 2).


Figura 1. Assimetria das cabeças femorais, sendo menor à esquerda (seta), com irregularidade dos seus contornos e áreas de esclerose subcondral.


Figura 2. RM do mesmo paciente da Figura 1. A: T1 pré-gadolínio mostrando assimetria das cabeças femorais, sendo menor à esquerda, com irregularidade dos seus contornos e áreas de esclerose subcondral (seta). Irregularidade de contornos e redução volumétrica do núcleo de ossificação da cabeça femoral esquerda (epífise). B: T1 pós-gadolínio mostrando área esclerótica hipocontrastante em sua porção central (osteonecrose - seta).



Doença de Kienböck

É a necrose avascular do semilunar. Afeta o punho dominante de adultos jovens de forma insidiosa, associada a microtraumas repetitivos(5). Os sintomas mais comuns são: dor na superfície dorsal do punho, leve edema, rigidez e crepitação(5). Cerca de 75% dos casos têm variante ulnar negativa, a qual pode ser definida como o comprimento da ulna anormalmente mais curto que o do rádio(5). O tratamento conservador é muito eficaz em casos leves. Na evolução da doença ocorrem esclerose e fragmentação do semilunar. O encurtamento radial para corrigir a variação ulnar negativa é a terapia cirúrgica mais comum. A carpectomia proximal é um procedimento de resgate em casos refratários(5) (Figura 3).


Figura 3. RMs ponderadas em T2 e T1 pós-gadolínio, ambas com saturação de gordura, mostrando edema (A) e realce (B) da medular óssea no semilunar, o qual mantém morfologia preservada, sugerindo doença de Kienböck em fase inicial.



Doença de Kümmell

É a necrose avascular do corpo vertebral pós-traumática secundária a isquemia após fratura compressiva, com acúmulo de gás intravertebral. Predomina na coluna dorsal inferior e lombar superior, acometendo mulheres idosas e com osteoporose(6). Manifesta-se com dor e cifose, com progressão para o colapso vertebral (Figura 4). O tratamento pode ser feito com vertebroplastia ou cifoplastia(6).


Figura 4. RMs ponderadas em T2 e T1 pós-gadolínio, ambas com saturação de gordura (A,B), e tomografia (C) demonstrando acúmulo líquido (A) e realce (B) da medular óssea difusa do corpo vertebral de L2. Destaca-se área sem realce pelo contraste na porção central e anterior do corpo vertebral, com acúmulo líquido ao redor, sugerindo osteonecrose e colapso de L2 com focos gasosos de permeio (C) (seta), redução de sua altura e recuo do muro posterior.



Doença de Freiberg

É a osteonecrose da cabeça metatarsal, mais comum no segundo metatarso (68%). Relaciona-se com trauma repetitivo crônico, doenças sistêmicas (diabetes, lúpus eritematoso sistêmico) e fatores mecânicos (síndrome do segundo metatarso, por exemplo)(7). Acomete predominantemente mulheres jovens, com dor e edema na articulação metatarsofalângica do segundo dedo(7). Achados radiológicos: a radiografia pode ser normal nas fases iniciais; posteriormente, evolui com osteopenia no centro da cabeça do metatarso, retificação dos seus contornos, fragmentação e esclerose. Os achados na RM podem ser: edema ósseo medular, linha serpentiforme de baixo sinal junto à cabeça do metatarso, retificação dos seus contornos, esclerose e fragmentação(7) (Figura 5).


Figura 5. RM ponderada em T1 e T2 com saturação de gordura demonstrando fratura-impactação subcondral crônica na face dorsal da cabeça do segundo metatarso (A), com retificação da superfície articular, cistos subcondrais e edema ósseo (B), que se estende até a diáfise distal. Derrame articular com espessamento sinovial nessa articulação metatarsofalângica (artrite).



Doença de Köhler

É a osteonecrose do osso navicular e mais prevalente em meninos na faixa etária de 4 a 6 anos. Pode ser assintomática ou manifestar-se com leve dor no pé(8). Achados radiológicos: geralmente apresenta acometimento bilateral, iniciando na margem lateral do navicular. Em fases mais avançadas, ocorre fragmentação e esclerose, bem como subluxação medial e dorsal do aspecto medial do navicular(8). O tratamento é autolimitado, com resolução completa dos sintomas e restauração da estrutura óssea entre 4 meses e 4 anos na maioria dos pacientes. Caso o paciente persista com dor por tempo além do esperado para a resolução, outras causas devem ser investigadas (coalizão talocalcaneana ou osso navicular acessório)(8) (Figuras 6 e 7).


Figura 6. Esclerose e redução volumétrica do osso navicular direito, compatível com necrose avascular do navicular (seta). Do lado contralateral, osso navicular de aspecto preservado (seta).


Figura 7. RM da mesma paciente da Figura 6. A: T 2 m ostrando r edução volumétrica e esclerose do osso navicular (seta). B: T1 pós-gadolínio mostrando focos de realce pós-contraste de permeio e na periferia, sugerindo hiperemia reativa (seta). O conjunto dos achados acima citados sugerem osteonecrose.



Doença de Ahlbäck

É a osteonecrose espontânea do joelho. Acomete mais frequentemente pacientes do sexo feminino, caucasianas, na sexta e sétima décadas de vida, com gonalgia de início súbito, não associada a trauma local ou cirurgia meniscal(9). É quase sempre unilateral e geralmente afeta o côndilo femoral medial. Frequentemente está associada a rotura meniscal(9). Aspectos radiológicos: área de acentuado edema no côndilo femoral, sem limites definidos e sem realce pelo contraste; área focal subcondral de baixo sinal relacionado a ponto de carga (Figura 8). O prognóstico e tratamento dependem do tamanho e extensão da lesão subcondral. Se detectada precocemente e a lesão subcondral for pequena (menor que 3,5 cm), o manejo clínico é apropriado. Se a lesão for maior (> 50% do côndilo femoral ou se o tamanho da lesão for maior que 5,0 cm), ou não ocorrer melhora com manejo clínico, a cirurgia se torna indicada(9).


Figura 8. RM ponderada em T1 (A) e T2 com saturação de gordura (B) mostrando fratura subcondral na área de carga do côndilo femoral medial, com impactação e retificação/deformidade da superfície articular (A), associada a edema ósseo (B). Delimita-se área geográfica laminar compatível com osteonecrose secundária e intenso edema da medular óssea, assim como formação de cisto subcondral.



Doença de Hass

É a osteonecrose da cabeça umeral, sendo considerado o segundo lugar mais comum de osteonecrose. Acomete a região subcondral, podendo evoluir com irregularidades na superfície articular e consequente processo degenerativo da articulação glenoumeral. Entre os fatores de risco, destacam-se o uso de corticoides e a anemia falciforme(10). As características radiográficas das necroses avasculares costumam estar presentes, entretanto, o sinal clássico do crescente é característico para o diagnóstico no contexto clínico adequado(10) (Figura 9).


Figura 9. RM ponderada em T2 (A) e T1 (B) mostrando cabeça umeral com área hipovascular de aspecto geográfico (osteonecrose - seta), que acomete a região superior da superfície articular glenoumeral, com fratura subcondral, condicionando fragmento osteocondral in situ. Associa-se edema da medular óssea reacional ao redor dessa área necrótica. Radiografia (C) mostrando heterogeneidade da cabeça umeral, com áreas escleróticas na porção superomedial.



Doença de Dias

É a osteonecrose do tálus, que pode estar correlacionada a eventos traumáticos e não traumáticos (corticoides, anemia falciforme, entre outros). A etiologia pós- traumática é confirmada nos casos de fraturas, sobretudo no colo talar. A classificação de Hawkins é usada nas fraturas do colo talar, com a finalidade de avaliar o risco de evolução para osteonecrose. O padrão de vascularização do tálus ocorre do colo para o corpo, sendo mais abundante na face medial. Radiologicamente, pode se manifestar com irregularidades do domus talar, entretanto, o achado de bordas serpiginosas com centro gorduroso é clássico(11) (Figura 10).


Figura 10. RM ponderada em T2 com saturação de gordura (A) e T1 (B) mostrando área de alteração de sinal de aspecto geográfico na porção central do domus talar lateral (seta), compatível com infarto ósseo. Superfície articular do domus talar com contornos e morfologia conservados.



CONCLUSÃO

As necroses avasculares podem ocorrer nas mais diversas partes do esqueleto. Seus achados nos métodos de imagem, no entanto, são similares, independentemente do seu sítio de acometimento, passando por fases radiológicas já bem descritas. Se não detectadas e manejadas de forma adequada, podem trazer grande morbidade aos pacientes, muitas vezes evoluindo para osteoartrose secundária e até necessitando de tratamento cirúrgico.


REFERÊNCIAS

1. Rajpura A, Wright AC, Board TN. Medical management of osteonecrosis of the hip: a review. Hip Int. 2011;21:385-92.

2. Mont MA, Jones LC, Hungerford DS. Nontraumatic osteonecrosis of the femoral head: ten years later. J Bone Joint Surg Am. 2006;88:1117-32.

3. Werneck L, Canella C, Costa F, et al. Usefulness of dynamic contrast-enhanced MRI in the evaluation of osteonecrosis of the proximal fragment in scaphoid fractures. Radiol Bras. 2018:51:334.

4. Perry DC, Skellorn PJ, Bruce CE. The lognormal age of onset distribution in Perthes' disease: an analysis from a large well-defined cohort. Bone Joint J. 2016;98-B:710-4.

5. Parmelee-Peters K, Eathorne SW. The wrist: common injuries and management. Prim Care. 2005;32:35-70.

6. Yu CW, Hsu CY, Shih TT, et al. Vertebral osteonecrosis: MR imaging findings and related changes on adjacent levels. AJNR Am J Neuroradiol. 2007;28:42-7.

7. Talusan PG, Diaz-Collado PJ, Reach JS Jr. Freiberg's infraction: diagnosis and treatment. Foot Ankle Spec. 2014;7:52-6.

8. Rosenberg ZS, Beltran J, Bencardino JT. MR imaging of the ankle and foot. Radiographics. 2000;20 Spec No: S153-79.

9. Cunha DL, Carvalho ACP, Ribeiro EJS, et al. Magnetic resonance imaging of knee osteonecrosis: a study of 19 case. Radiol Bras. 2010;43:77-80.

10. Pappas JN. The musculoskeletal crescent sign. Radiology. 2000;217:213-4.

11. Pearce DH, Mongiardi CN, Fornasier VL, et al. Avascular necrosis of the talus: a pictorial essay. Radiographics. 2005;25:399-410.










1. Departamento de Radiologia do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-2998-3181
2. Departamento de Radiologia do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-0233-0041
3. Departamento de Radiologia do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil. Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0003-0649-3662
4. Departamento de Radiologia do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-7167-194X
5. Departamento de Radiologia do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-5210-3605
6. Departamento de Radiologia do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0003-4395-1159

Correspondência:
Dr. Adham do Amaral e Castro
Hospital Israelita Albert Einstein - Departamento de Imagem
Avenida Albert Einstein, 627, Jardim Leonor
São Paulo, SP, Brasil, 05652-901
E-mail: adham.castro@gmail.com

Recebido para publicação em 31/August/2017
Aceito, após revisão, em 16/November/2017
 
RB RB RB
GN1© Copyright 2024 - All rights reserved to Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
Av. Paulista, 37 - 7° andar - Conj. 71 - CEP 01311-902 - São Paulo - SP - Brazil - Phone: (11) 3372-4544 - Fax: (11) 3372-4554