ENSAIO ICONOGRÁFICO
|
|
|
|
Autho(rs): Bruno Niemeyer de Freitas Ribeiro1,a; Bernardo Carvalho Muniz2,b; Edson Marchiori3,c |
|
Descritores: Tomografia computadorizada; Seios paranasais; Rinite; Sinusite. |
|
Resumo: INTRODUÇÃO
A cirurgia endoscópica sinusal funcional, introduzida na década de 80, implicou uma mudança drástica no tratamento de pacientes com rinossinusite recorrente/refratária, proporcionando alívio dos sintomas e melhora da qualidade de vida em mais de 75% dos pacientes(1,2). O objetivo é retirar processos patológicos ou variações anatômicas que causam obstrução nas vias de drenagem dos seios paranasais, tendo como principais alvos o complexo ostiomeatal e o recesso frontal, frequentemente incluindo uncinectomia e antrostomia maxilar, podendo também incluir turbinectomia/turbinoplastia, etmoidectomia e sinusotomia frontal(1). O risco de complicações na cirurgia endoscópica sinusal funcional é raro, ocorrendo em apenas 0,36-1,3%, sendo mais frequente em pacientes com histórico prévio desse procedimento e quanto mais extensa é a intervenção cirúrgica(1,3,4). As complicações mais graves são as lesões da artéria etmoidal anterior, do nervo óptico, do ducto do nasolacrimal e a formação de fístula liquórica(1,3,4). Com os avanços observados recentemente nas técnicas de tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética, os estudos de imagem ganharam grande importância na avaliação das doenças que acometem a cabeça e o pescoço(5-10). Apesar do uso rotineiro da TC na avaliação anatômica dos seios paranasais, um recente estudo demonstrou que 75% dos laudos radiológicos acrescentam poucas informações em termos de decisões terapêuticas(1,11). O objetivo deste ensaio é demonstrar, por meio da TC, as principais variações anatômicas dos seios da face, relacionadas ao planejamento cirúrgico. AVALIAÇÃO DO PROCESSO UNCINADO O processo uncinado é uma extensão superior da parede lateral do nariz e importante estrutura anatômica para o recesso frontal, orientando a sua drenagem. Variações da sua inserção são classificadas por Landsberg- Friedman(12) em:
Manipulação inadvertida em inserções dos tipos I ou III pode provocar lesão da lâmina papirácea, com herniação do conteúdo orbitário e hematoma orbitário; já a manipulação inadvertida de inserções na base do crânio (tipos III, IV e V) pode provocar fístulas liquóricas(1). É importante ainda citar quando há hipopneumatização ou atelectasia do seio maxilar, uma vez que pode provocar desvio lateral do processo uncinado e aposição com a parede medial da órbita (Figura 5)(1). ![]() Figura 5. TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando atelectasia do seio maxilar esquerdo, provocando desvio lateral do processo uncinado e aposição com a parede medial da órbita (seta). PROFUNDIDADE DA FOSSA OLFATÓRIA A classificação de Keros utiliza a reformatação coronal na TC para avaliar a profundidade da fossa olfatória em relação ao teto do etmoide, tomando como referência o comprimento da lamela lateral da placa cribriforme (Figura 6). Quanto maior a profundidade, maior a chance de lesão da fossa olfatória durante o procedimento cirúrgico, principalmente quando realizada turbinectomia e etmoidectomia, com consequente risco de fístula liquórica e prejuízo do olfato(1,12,13). ![]() Figura 6. TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando simetria quanto a profundidade e inclinação das fossas olfatórias (setas), que mediam aproximadamente 7,5 mm, configurando Keros tipo III.
É importante ainda relatar a presença de assimetrias na inclinação das fossas olfatórias (Figura 7)(1,12,13). ![]() Figura 7. TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando a assimetria das fossas olfatórias (setas). ARTÉRIA ETMOIDAL ANTERIOR A artéria etmoidal anterior é responsável pela irrigação das células etmoidais anteriores, do seio frontal, do terço anterior do septo nasal e da parede lateral do nariz, penetrando na fossa olfatória através da lamela lateral da lâmina crivosa pelo chamado sulco etmoidal anterior, local de maior fragilidade de toda a base anterior do crânio. Mais bem avaliada no plano coronal na TC, os principais reparos anatômicos para a sua localização são o entalhe medial da órbita (forame etmoidal anterior) e o sulco etmoidal anterior na parede lateral das fossas olfatórias (Figura 8)(1,14). O conhecimento da sua localização evita possíveis hemorragias durante o ato operatório, que ocorre mais frequentemente quando há células etmoidais supraorbitárias, estando a artéria etmoidal anterior mais exposta(1,14). ![]() Figura 8. TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando as artérias etmoidais anteriores (setas). Neste caso, não havia presença de células supraorbitárias. DEISCÊNCIA DA LÂMINA PAPIRÁCEA A lâmina papirácea é uma fina camada óssea do etmoide que forma a parede medial da órbita, sendo mais bem avaliada nos planos coronal e axial na TC. Quando ocorre deiscência, a margem óssea é deslocada medialmente para as células etmoidais, com insinuação de gordura orbitária e, ocasionalmente, até porções do músculo reto medial (Figura 9). Tal alteração pode ser confundida com septação etmoidal durante o ato cirúrgico e aumentar o risco de penetração intraoperatória(1). ![]() Figura 9. TC, janela óssea, corte axial, demonstrando deiscência da lâmina papirácea (seta). CÉLULA ETMOIDAL INFRAORBITÁRIA (CÉLULA DE HALLER) São células etmoidais que se pneumatizam inferiormente ao assoalho orbitário, estendendo-se do labirinto etmoidal para o interior do seio maxilar (Figura 10), podendo causar obstrução com consequente predisposição a sinusopatias(1,12,15). Manipulação inadvertida pode lesar a lâmina papirácea(1). ![]() Figura 10. TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando células de Haller bilaterais (setas), mais evidentes à direita, com insinuação para o interior dos seios maxilares, reduzindo a amplitude dos infundíbulos etmoidais. CÉLULAS FRONTAIS (CÉLULAS DE KUHN) São células etmoidais intimamente relacionadas às células de agger nasi, encontradas em 20-30% dos pacientes, sendo divididas em quatro tipos(1,12,16):
Sinusopatia frontal é mais prevalente em pacientes com células frontais dos tipos III e IV do que naqueles sem células frontais(1). CÉLULA INTERSINUS FRONTAL Pneumatização da lamela óssea (septo) entre os seios frontais (Figura 12), podendo ser equivocadamente confundida, durante o ato cirúrgico, com o seio frontal. Além disso, podem predispor à formação de mucoceles. ![]() Figura 12. TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando célula intersinus frontal (setas). CÉLULAS ESFENOETMOIDAIS (CÉLULAS DE ONODI) Constituem células etmoidais posteriores que migraram para o aspecto superolateral do seio esfenoide, mantendo íntima relação com o nervo óptico e sendo mais bem avaliadas no plano coronal na TC (Figura 13)(1,16). Manipulação inadvertida, principalmente durante etmoidectomia posterior, pode provocar lesão do nervo óptico em correspondência(1,12,16). ![]() Figura 13. TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando célula esfenoetmoidal esquerda (seta). Notar a íntima relação com o nervo óptico esquerdo (cabeça de seta). PNEUMATIZAÇÃO DOS SEIOS ESFENOIDAIS Recessos pterigoides consistem na pneumatização dos recessos laterais dos seios esfenoidais (Figura 14), predispondo a lesões no forame redondo e no canal vidiano caso haja manipulação cirúrgica inadvertida(1). É importante ainda a avaliação da pneumatização dos seios esfenoidais com relação à sela turca e o clivo, por meio de reformatações no plano sagital da TC, com a variante selar (pneumatização estendendo-se inferior e posteriormente à sela turca) aumentando o risco de perfuração e acesso intracraniano inadvertido (Figura 15)(1). ![]() Figura 14. TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando recesso pterigoide esquerdo (seta branca grossa), mantendo íntima relação com o forame redondo (cabeça de seta preta) e o canal vidiano (cabeça de seta branca). Notar a ausência de pneumatização do recesso pterigoide à direita (seta branca fina). ![]() Figura 15. TC, janela óssea, corte sagital. Notar a pneumatização do seio esfenoidal estendendo-se inferior e posterior à sela turca (seta preta), configurando a variante selar. Dorso da sela turca (cabeça de seta branca). É importante, ainda, a pesquisa de deiscência do canal carotídeo, assim como insinuação deste para o interior dos seios esfenoidais(1). A presença de septo intersinus esfenoidal aderido ao canal carotídeo deve ser reportada(1). ALTERAÇÕES DOS CORNETOS NASAIS Pneumatização dos cornetos nasais médios (Figura 16) e aspecto paradoxal (Figura 17) desses cornetos podem estreitar o meato médio e causar desvio lateral do processo uncinado, com consequente redução da amplitude do infundíbulo etmoidal(1). ![]() Figura 16. TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando a pneumatização das porções lamelar e bulbosa dos cornetos nasais médios (setas). ![]() Figura 17. TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando o aspecto paradoxal do corneto nasal médio direito (seta). Observar, ainda, o septo nasal apresentando acentuado esporão ósseo à esquerda (cabeça de seta). CONCLUSÃO A TC é uma ferramenta muito útil para avaliação dos seios da face e suas variações anatômicas, podendo acrescentar informações fundamentais para o diagnóstico e planejamento terapêutico. O radiologista deve estar atento às suas indicações, a fim de poder contribuir para a adequada decisão clínica. REFERÊNCIAS 1. O''Brien WT Sr, Hamelin S, Weitzel EK. The preoperative sinus CT: avoiding a "CLOSE" call with surgical complications. Radiology. 2016;281:10-21. 2. Smith TL, Litvack JR, Hwang PH, et al. Determinants of outcomes of sinus surgery: a multi-institutional prospective cohort study. Otolaryngol Head Neck Surg. 2010;142:55-63. 3. Eviatar E, Pitaro K, Gavriel H, et al. Complications following powered endoscopic sinus surgery: an 11 year study on 1190 patients in a single institute in Israel. Isr Med Assoc J. 2014;16:338-40. 4. Krings JG, Kallogjeri D, Wineland A, et al. Complications of primary and revision functional endoscopic sinus surgery for chronic rhinosinusitis. Laryngoscope. 2014;124:838-45. 5. Wolosker AMB. Contribution of dynamic contrast enhancement and diffusion-weighted magnetic resonance imaging to the diagnosis of malignant cervical lymph nodes. Radiol Bras. 2018;51(3):ix. 6. Cintra MB, Ricz H, Mafee MF, et al. Magnetic resonance imaging: dynamic contrast enhancement and diffusion-weighted imaging to identify malignant cervical lymph nodes. Radiol Bras. 2018;51:71-5. 7. Campos HG, Altemani AM, Altemani J, et al. Poorly differentiated large-cell neuroendocrine carcinoma of the paranasal sinus. Radiol Bras. 2018;51:269-70. 8. Caldana WCI, Kodaira SK, Cavalcanti CFA, et al. Value of ultrasound in the anatomical evaluation of the brachial plexus: correlation with magnetic resonance imaging. Radiol Bras. 2018;51:358-65. 9. Cunha BMR, Martin MF, Indiani JMC, et al. Giant cell tumor of the frontal sinus: a typical finding in an unlikely location. Radiol Bras. 2017;50:414-5. 10. Moreira MCS, Santos AC, Cintra MB. Perineural spread of malignant head and neck tumors: review of the literature and analysis of cases treated at a teaching hospital. Radiol Bras. 2017;50:323-7. 11. Deutschmann MW, Yeung J, Bosch M, et al. Radiologic reporting for paranasal sinus computed tomography: a multi-institutional review of content and consistency. Laryngoscope. 2013;123:1100-5. 12. Miranda CMNR, Maranhão CPM, Arraes FMNR, et al. Anatomical variations of paranasal sinuses at multislice computed tomography: what to look for. Radiol Bras. 2011;44:256-62. 13. Nair S. Importance of ethmoidal roof in endoscopic sinus surgery. Open Access Sci Rep. 2012;1:1-3. 14. Souza SA, Souza MMA, Gregório LC, et al. Avaliação da artéria etmoidal anterior pela tomografia computadorizada no plano coronal. Rev Bras Otorrinolaringol. 2009;75:101-6. 15. Huang BY, Lloyd KM, DelGaudio JM, et al. Failed endoscopic sinus surgery: spectrum of CT findings in the frontal recess. Radiographics. 2009;29:177-95. 16. Gonçalves FG, Jovem CL, Moura LO. Computed tomography of intra- and extramural ethmoid cells: iconographic essay. Radiol Bras. 2011;44:321-6. 1. Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer - Departamento de Radiologia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; a. https://orcid.org/0000-0002-1936-3026 2. Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer - Departamento de Radiologia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; b. https://orcid.org/0000-0003-1483-2759 3. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil; c. https://orcid.org/0000-0001-8797-7380 Correspondência: Dr. Bruno Niemeyer de Freitas Ribeiro Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer - Departamento de Radiologia Rua do Resende, 156, Centro Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 20231-092 E-mail: bruno.niemeyer@hotmail.com Recebido para publicação em 18/5/2017 Aceito, após revisão, em 1/6/2017 |