ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Eduardo Kaiser Ururahy Nunes Fonseca1,a; Adham do Amaral e Castro2,b; Rafael Seiji Kubo3,c; Frederico Celestino Miranda4,d; Atul Kumar Taneja5,e; Durval do Carmo Barros Santos6,f; Laércio Alberto Rosemberg7,g |
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Descritores: Doenças ósseas; Doenças musculares; Diagnóstico por imagem; Miosite ossificante; Neoplasias ósseas. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Lesões focais são achados fortuitos comuns na prática da radiologia musculoesquelética. Dessa forma, é primordial que o radiologista consiga diferenciar as lesões com potencial maligno ou agressivo, ou seja, que necessitam conduta específica, de outras que não oferecem risco imediato, podendo ser acompanhadas. Este último grupo de lesões foi consagrado por Helms no seu texto clássico como "don''t touch" lesions(1-5) - lesões do tipo "não toque". Essas lesões são definidas como lesões que possuem aspectos de imagem característicos, tornando testes diagnósticos adicionais ou mesmo biópsias desnecessárias, evitando, assim, cirurgias sem adequada indicação. O presente estudo buscou revisar de forma ilustrativa as principais lesões do tipo "não toque", que devem ser de conhecimento geral do radiologista, evitando procedimentos invasivos desnecessários e muitas vezes danosos aos pacientes. LESÕES REAIS OBVIAMENTE BENIGNAS Desmoide cortical É uma lesão benigna composta de tecido fibroso reacional, mais frequente em adolescentes e que tende a regredir. Sua localização típica é o aspecto posteromedial da metáfise distal do fêmur, podendo ser bilateral em até um terço dos casos. Na radiologia convencional aparece como área de irregularidade/erosão da cortical com base esclerótica. Nessa localização típica e em contexto clínico adequado, esses achados são diagnósticos e não é necessário nenhum outro procedimento, estando a biópsia contraindicada, devido a possível fator confusional com neoplasia maligna(1,2,6) (Figura 1). Figura 1. Criança do sexo feminino, quatro anos, com dor espontânea nos joelhos. Nota-se como achado incidental de radiografia do joelho esquerdo (A), assim como nas imagens de RM ponderadas em T2 (B) e T1 (C), lesão típica de desmoide cortical (setas) na metáfise distal do fêmur, com localização cortical posterior. Cistos subcondrais Alterações clássicas da osteoartrite, os cistos subcondrais são também conhecidos como geodos. Sua apresentação típica na radiografia simples é a de lesões radiolucentes, arredondadas e com margens bem delimitadas que podem aparecer escleróticas na tomografia computadorizada (TC). No seu processo de formação, podem apresentar edema ósseo na ressonância magnética (RM) e um pequeno halo de realce após administração de gadolínio. Raramente, pode haver realce central, denotando presença de tecido sinovial no seu interior. Quando grandes, podem simular lesões líticas da epífise. A chave para o diagnóstico diferencial está no contexto de alterações degenerativas que fazem parte do espectro da osteoartrite(2,6) (Figura 2). Figura 2. Homem, 73 anos, com dor nos joelhos. Radiografia em anteroposterior do joelho esquerdo mostra artrose no joelho esquerdo, sendo identificados cistos subcondrais (setas). Costocondrite (síndrome de Tietze) É uma condição inflamatória que cursa com hipertrofia condral da interface costoesternal, com aumento da margem costal, muitas vezes dolorosa. Mais frequentemente acomete um nível único. A RM demonstra espessamento das cartilagens no ponto doloroso apontado pelo paciente. As imagens ponderadas em T2 mostram alto sinal e nelas pode ser visto edema ósseo subcondral. Esta condição pode ainda apresentar realce intenso pelo meio de contraste paramagnético(7) (Figura 3). Figura 3. Mulher, 38 anos, com dor na parede torácica. Na RM observam-se edema e realce do osso periarticular (seta) na primeira articulação costocondral esquerda (tanto no manúbrio como no primeiro arco costal), que se estende para as partes moles adjacentes, entre a articulação esternoclavicular e a segunda junção costocondral ipsilaterais, sugerindo alterações inflamatórias locais (costocondrite). Não há sinais de fraturas/coleções associadas. Ilhotas ósseas As ilhotas ósseas (enostoses) são achados incidentais habituais nos exames de imagem. Podem ser encontradas nas diversas faixas etárias e em diversos sítios do corpo, aparecendo mais frequentemente na pelve, fêmur e esqueleto axial. São focos escleróticos que se estendem até o trabeculado ósseo, o que lhes confere margens de aspecto espiculado. Apresentam marcado hipossinal em todas as sequências de RM, em razão do seu alto conteúdo cálcico. Não devem ser confundidas com lesões escleróticas malignas, mas merecem investigação invasiva se houver crescimento acelerado - aumento de seu diâmetro em pelo menos 50% no intervalo de um ano(1,2,6) (Figura 4). Há também a osteopoiquilose, entidade na qual as ilhotas ocorrem de forma agrupada ao redor de várias articulações, predominando nos ossos longos, ossos do tarso e do carpo, e de caráter hereditário(1,2,6). Figura 4. Mulher, 61 anos, com dor constante há 10 dias, sem trauma, com ilhota óssea (seta) na transição do corpo com a asa do ilíaco direito. Displasia fibrosa São alterações do desenvolvimento ósseo caracterizadas por matriz fibrosa e tecido ósseo localizados mais frequentemente na medular óssea das regiões metafisárias de crianças e adultos jovens. A aparência nos exames de imagem depende da proporção entre a matriz fibrosa e o tecido ósseo, sendo sua descrição típica o chamado aspecto em vidro despolido, que decorre da perda da trabeculação habitual do osso. Devido à perda da arquitetura óssea habitual, trazem risco de fraturas(1,2,6) (Figura 5). Figura 5. Mulher, 28 anos, assintomática. Refere desproporção entre o tamanho ósseo do lado direito (maior em relação ao esquerdo), com achado incidental de displasia fibrosa na TC, notando-se áreas de vidro despolido (seta). Fibroma não ossificante São lesões fibrosas muito comuns que ocorrem predominantemente em faixas etárias jovens, tendendo a involuir com o tempo. São lesões radiolucentes de localização tipicamente excêntrica e com borda esclerótica. Esses fibromas são localizados excentricamente na metáfise, adjacentes à fise, e comumente aparecem multiloculados (Figura 6). O defeito fibroso cortical também é um tipo de lesão óssea benigna, histologicamente idêntica ao fibroma não ossificante, mas geralmente é menor que 3,0 cm, e aparecem como lesões lucentes na cortical óssea e que se tornam escleróticas à medida que progridem para a cicatrização(1,2,6). Figura 6. Adolescente do sexo masculino, 12 anos, com dor há uma semana na região medial do joelho esquerdo. Nega trauma. Refere praticar corrida e futebol. Lesão óssea lobulada (seta), bem delimitada, com margens escleróticas na medular subcortical metadiafisária posteromedial da tíbia proximal, com afilamento cortical, sem roturas. Cisto ósseo simples São alterações ósseas que mais comumente ocorrem até a terceira década de vida, de localização preferencial intramedular, principalmente no fêmur e úmero proximais. São lesões líticas, bem delimitadas por margens escleróticas, de localização central, tipicamente sem reação periosteal, exceto quando associadas a fraturas. Nos casos de fraturas associadas, um achado tipicamente descrito é o sinal do fragmento caído(1,2,6) (Figura 7). Figura 7. Adolescente do sexo masculino, 12 anos, com dor no ombro direito há dois dias. Sem história de trauma. Nota-se lesão lítica sem características agressivas na região metafisária proximal do úmero, apresentando traço transverso de fratura com pequena impactação medial e sinais de consolidação em evolução, além de fragmento ósseo deslocado no interior da lesão. O aspecto radiográfico sugere cisto ósseo simples (destaque tracejado). Cisto ósseo aneurismático São lesões encontradas mais em adultos jovens de até 30 anos de idade. Podem ocorrer também em associação a outras lesões ósseas, quando são denominados secundários. Sua apresentação típica é de lesão excêntrica, insuflativa, de aparência multicística e que pode apresentar reação periosteal adjacente. Na RM observa-se lesão de contornos lobulados com finas septações no seu interior, representando cavidades multicísticas. É comum haver margens com hipossinal e níveis líquido-líquido no interior dos cistos (Figura 8). Apesar de serem incluídos no grupo de lesões císticas benignas, até um terço deles pode ser secundário a outras doenças subjacentes e assim exigir intervenções, como curetagem e enxerto ósseo(1,2,6). Figura 8. Criança do sexo masculino, dois anos, achado de exame após queda há cinco dias. Lesão expansiva osteolítica insuflativa cística multisseptada (destaques tracejados) no terço lateral da clavícula, determinando recorte e afilamento da cortical, com nível líquido-líquido no seu interior. Não há componente de partes moles da lesão ou componente sólido intralesional. Infarto ósseo Os achados precoces na radiologia convencional podem variar desde lesões líticas até focos de esclerose óssea. Com a maturação, há delimitação da lesão, que se torna mais esclerótica e passa a apresentar bordas de padrão serpiginoso ou geográfico, com periferia radiolucente. Na RM, os achados na fase mais aguda incluem lesões circunscritas com edema ósseo, com margens serpiginosas ou geográficas de baixo sinal. O uso de contraste pode revelar realce das margens e centro com baixo sinal, seguindo a fisiopatologia da doença, na qual a região central representa justamente área de infarto em que não há suprimento sanguíneo adequado(2,6) (Figura 9). Figura 9. Adolescente do sexo masculino, 14 anos, história de meningite há seis meses com tratamento. Iniciou dor no quadril à esquerda em seguida. A RM mostra osteonecrose da cabeça femoral esquerda associada a intenso edema que se estende à metáfise proximal, sem colapso articular ou fratura da área de carga. Pequeno foco de infarto ósseo, com padrão geográfico (seta), no trocanter maior do fêmur esquerdo. Cisto de herniação sinovial São focos radiolucentes localizados na porção anterossuperior do colo femoral. Acredita-se que sejam consequência de herniação da sinóvia para defeitos corticais e que podem ter relação com impacto femoroacetabular(1,2,6) (Figura 10). Figura 10. Mulher, 46 anos, com história de hérnia de disco L5-S1, com achado acidental de cisto de herniação sinovial (seta) no colo femoral direito, visualizado na radiografia e na RM. Melorreostose É uma displasia mesenquimal incomum, manifestando-se como regiões de osso esclerótico com aparência de cera de vela derretida(1,2,6) (Figura 11). Figura 11. Mulher, 26 anos, com relato de dor no joelho esquerdo há duas semanas, sem trauma. Feita radiografia de membros inferiores para investigação de assimetria entre os membros, com achado adicional de alteração textural com esclerose óssea linear (setas) no contorno distal e posterior do fêmur direito, típica para melorreostose. Hemangiomas vertebrais São as neoplasias vertebrais benignas mais comuns da coluna vertebral. Ao estudo radiográfico aparecem como trabeculações espessadas com orientação vertical. Ao corte axial da TC, esse padrão de trabeculado espesso assume aspecto "canelado"(1,2,6). Esclerose vertebral discogênica São lesões focais geralmente escleróticas adjacentes ao platô vertebral, com estreitamento do espaço discal subjacente e eventualmente acompanhadas de osteófitos(1,2,6). LESÕES PÓS-TRAUMÁTICAS Miosite ossificante É uma afecção benigna composta por massa de partes moles com focos de ossificação que mais frequentemente ocorre dentro dos grandes grupos musculares das extremidades. Mais comumente acomete adultos jovens e tem relação com trauma. Nas primeiras duas semanas se apresenta como massa de partes moles e edema. A deposição óssea na lesão começa na terceira à quarta semana, delimitando uma borda de osso periférico com uma área lucente central. Até o sexto mês, o osso mais periférico tende a amadurecer, enquanto a zona central apresenta matriz imatura, o chamado fenômeno zonal, que pode ser bem caracterizado na imagem. A partir daí, a lesão tende a involuir(5,8). A RM mostra as diversas fases da lesão. A radiologia convencional e a TC caracterizam bem a formação óssea e o fenômeno de zona. O radiologista tem papel central nessa lesão, uma vez que, na realização de biópsia nas fases precoces, será indistinta de lesão neoplásica sarcomatosa, cabendo, portanto, ao radiologista, o diagnóstico correto(5,8-10) (Figura 12). Figura 12. Mulher, 26 anos, com relato de dor no joelho esquerdo há duas semanas, sem trauma. Feita radiografia de membros inferiores para investigação de assimetria entre os membros, com achado adicional de alteração textural com esclerose óssea linear (setas) no contorno distal e posterior do fêmur direito, típica para melorreostose. VARIANTES DA NORMALIDADE Pseudocisto umeral É uma área radiolucente localizada na tuberosidade maior do úmero, vista na radiologia convencional. É considerado uma variação anatômica da normalidade, porém, pode mimetizar uma lesão lítica(1,2,6) (Figura 13). Figura 13. Mulher, 26 anos, com relato de dor no joelho esquerdo há duas semanas, sem trauma. Feita radiografia de membros inferiores para investigação de assimetria entre os membros, com achado adicional de alteração textural com esclerose óssea linear (setas) no contorno distal e posterior do fêmur direito, típica para melorreostose. CONCLUSÃO É essencial que o radiologista conheça os aspectos diferenciais das lesões que imitam tumores ósseos com potencial maligno agressivo, de modo a evitar procedimentos invasivos desnecessários e a alta carga psicológica para os pacientes. Esperamos que essa pequena revisão ilustrativa tenha informações que ajudem os colegas a serem precisos no diagnóstico dessas condições, nas quais o papel do radiologista é fundamental, evitando inclusive graves erros diagnósticos causados por biópsias desnecessárias e suas consequências catastróficas. REFERÊNCIAS 1. Helms CA. "Don''t touch" lesions. In: Helms CA, editor. Fundamentals of skeletal radiology. 3rd ed. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2005. p. 55-77. 2. Mhuircheartaigh JN, Lin YC, Wu JS. Bone tumor mimickers: a pictorial essay. Indian J Radiol Imaging. 2014;24:225-36. 3. Stevens MA, El-Khoury GY, Kathol MH, et al. Imaging features of avulsion injuries. Radiographics. 1999;19:655-72. 4. Andrade Neto F, Teixeira MJD, Araújo LHC, et al. Knee bone tumors: findings on conventional radiology. Radiol Bras. 2016;49:182-9. 5. Aihara AY. Imaging evaluation of bone tumors. Radiol Bras. 2016; 49(3):vii. 6. Gould CF, Ly JQ, Lattin GE, et al. Bone tumor mimics: avoiding misdiagnosis. Curr Probl Diagn Radiol. 2007;36:124-41. 7. Ontell FK, Moore EH, Shepard JA, et al. The costal cartilages in health and disease. Radiographics. 1997;17:571-7. 8. Kransdorf MJ, Meis JM. From the archives of the AFIP. Extraskeletal osseous and cartilaginous tumors of the extremities. Radiographics. 1993;13:853-84. 9. McCarthy EF, Sundaram M. Heterotopic ossification: a review. Skeletal Radiol. 2005;34:609-19. 10. Kransdorf MJ, Meis JM, Jelinek JS. Myositis ossificans: MR appearance with radiologic-pathologic correlation. AJR Am J Roentgenol. 1991;157:1243-8. 1. Hospital Israelita Albert Einstein - Departamento de Imagem, São Paulo, SP, Brasil; a. https://orcid.org/0000-0002-0233-0041 2. Hospital Israelita Albert Einstein - Departamento de Imagem, São Paulo, SP, Brasil; b. https://orcid.org/0000-0003-0649-3662 3. Hospital Israelita Albert Einstein - Departamento de Imagem, São Paulo, SP, Brasil; c. https://orcid.org/0000-0001-8815-3586 4. Hospital Israelita Albert Einstein - Departamento de Imagem, São Paulo, SP, Brasil; d. https://orcid.org/0000-0001-8822-5295 5. Hospital Israelita Albert Einstein - Departamento de Imagem, São Paulo, SP, Brasil; e. https://orcid.org/0000-0002-4655-2033 6. Hospital Israelita Albert Einstein - Departamento de Imagem, São Paulo, SP, Brasil; f. https://orcid.org/0000-0002-5210-3605 7. Hospital Israelita Albert Einstein - Departamento de Imagem, São Paulo, SP, Brasil; g. https://orcid.org/0000-0003-4395-1159 Correspondência: Dr. Eduardo Kaiser Ururahy Nunes Fonseca Hospital Israelita Albert Einstein - Departamento de Imagem Avenida Albert Einstein, 627, Jardim Leonor São Paulo, SP, Brasil, 05652-901 E-mail: edukaiser.unf@gmail.com Recebido para publicação em 10/12/2016 Aceito, após revisão, em 7/02/2017 |