Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 51 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2018

EDITORIAIS
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Page(s) 7 to 8



Ureterolitíase e a busca pelo uso racional dos métodos de diagnóstico por imagem

Autho(rs): Jorge Elias Jr.

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Nos últimos 30 anos houve aumento constante de casos de litíase urinária atendidos nos serviços de emergência americanos, dobrando entre 1990 e 2010 e conferindo posição entre as 10 queixas mais comuns nas salas de urgência(1). Esse aumento corresponde a cinco vezes, comparativamente, ao aumento do número de atendimentos de emergência, de modo geral, o que mostra a importância crescente dessa afecção no ambiente de sala de urgência(1). Embora existam diferenças étnicas, de hábito alimentar e relativas à temperatura ambiental entre os países, parece haver uma tendência de aumento global dos casos de litíase urinária, com tendência a aumento proporcional no sexo feminino, mas ainda com maior incidência em homens, caucasianos e entre 45 e 64 anos de idade(1).

Três importantes fatores de risco para litíase urinária aumentaram na população geral: obesidade, diabetes mellitus e uso de suplementação de cálcio(1). Entre esses fatores, a obesidade tem influência direta na acurácia da ultrassonografia abdominal, já estudada para outras indicações, como suspeita de apendicite(2,3). Sauvain et al.(3) mostraram que a ultrassonografia foi inconclusiva para o diagnóstico de apendicite em 42% dos pacientes com índice de massa corporal (IMC) ≥ 25 kg/m2, comparativamente a 6% em pacientes com IMC < 25 kg/m2, sugerindo que a tomografia computadorizada deveria ser o método de escolha para pacientes com sobrepeso(3). Keller et al.(2) também demonstraram alta taxa (49%) de ultrassonografia não diagnóstica para apendicite em pacientes com sobrepeso(2).

Segundo Nery et al.(4), em artigo publicado no número anterior da Radiologia Brasileira, a ultrassonografia pode retardar o diagnóstico e o tratamento para pacientes com IMC > 27 kg/m2 e suspeita de cálculo ureteral, devido à necessidade de se continuar a avaliação com a tomografia computadorizada com múltiplos detectores (TCMD). Mais ainda, os autores demonstraram que para cada aumento de unidade no IMC houve aumento de 16% na probabilidade de resultados falso- negativos da ultrassonografia. Embora já existissem indícios de que a ultrassonografia apresentasse menor acurácia na avaliação abdominal em pessoas com sobrepeso, o artigo de Nery et al.(4) é o primeiro que traz tais evidências sólidas sobre a avaliação ultrassonográfica na suspeita de cálculo ureteral. Trata-se de informação valiosa na construção de protocolos clínicos de atendimento dessa entidade clínica comum, permitindo maior racionalização de recursos e maior rapidez na instituição do tratamento adequado para esses pacientes.

Obviamente, a escolha do método de imagem inicial de investigação da dor lombar relacionada à litíase urinária deve levar em conta outras variáveis e parâmetros além do IMC, como a idade, o sexo, a disponibilidade dos métodos e a expertise da equipe médica. Uma discussão que está presente nesse cenário é se existe espaço para a ultrassonografia como método exclusivo na pesquisa do cálculo ureteral em pacientes sintomáticos. Ou seja, as informações fornecidas por uma ultrassonografia positiva na detecção do cálculo são suficientes? Nesse caso, as informações fundamentais são a posição do cálculo, seu tamanho e a presença ou não de outros cálculos, em que as duas primeiras informações têm impacto no tratamento imediato, enquanto a terceira é importante para proposição de tratamento preventivo sistêmico, considerando que cerca de 22% dos casos de litíase tratados clinicamente terão novo episódio de passagem de cálculo, comparativamente com mais de 90% dos casos não tratados. Embora a indicação de tratamento clínico conservador utilizando drogas que facilitam a expulsão de cálculos ureterais seja ainda um tema controverso, está relativamente consolidado há mais de 10 anos após a publicação dos primeiros estudos randomizados, sendo utilizado rotineiramente nos casos em que há cálculo > 0,5 cm e não há indicação de intervenção de urgência, como pielonefrite, obstrução de um rim único e dor intratável(5). Especificamente quanto ao tamanho do cálculo, é interessante notar que a ultrassonografia pode superestimar o seu tamanho, especialmente para cálculos com diâmetro ≤ 0,5 cm, embora seja esperado que cálculos desse tamanho apresentem maior probabilidade de serem eliminados espontaneamente, sem necessidade da terapia medicamentosa(5). Também é importante apontar que a ultrassonografia permite refinamento da técnica na avaliação da urolitíase, como a pesquisa do artefato de cintilação(6,7), a pesquisa do jato ureteral pela utilização do Doppler(8,9) e a detecção e caracterização da uretero-hidronefrose(10), informações que podem ter impacto na acurácia diagnóstica e no auxílio na condução de tratamento caso a caso. Assim, de um lado temos a possibilidade de melhor performance da ultrassonografia como um método inócuo e relativamente eficaz comparativamente à TCMD, que apresenta maior acurácia(11), mas que carrega o risco da utilização da radiação ionizante. Embora não existam estudos randomizados comparando a ultrassonografia e a TCMD na avaliação do cálculo ureteral, Smith-Bindman et al.(12) publicaram, em 2014, estudo randomizado, multicêntrico, com 2759 pacientes, mostrando que para nefrolitíase não houve diferenças entre a ultrassonografia realizada por radiologistas, a point-of-care ultrasonography realizada por emergencista e a TCMD, no que diz respeito a diagnósticos de alto risco com complicações, eventos adversos graves, escalas de dor, retornos à sala de urgência ou hospitalização, com menor exposição à radiação nos pacientes que iniciaram a investigação com ultrassonografia(12). Uma preocupação que deve sempre estar presente é a utilização desnecessária da TCMD, de modo geral, mas mais especificamente quando há grande número de exames realizados por paciente, o que pode ocorrer nos casos de dor crônica e vários episódios de passagem de cálculos ureterais(13).

É importante salientar que existe sistema de predição clínica validado (STONE score) que pode identificar pacientes com alta probabilidade de cálculos ureterais não complicados, os quais poderiam se beneficiar da instituição de tratamento sem a realização de TCMD(14). No entanto, a avaliação caso a caso, considerando a rotina clínica diária e a expectativa e percepção dos pacientes sobre a qualidade do cuidado médico (incluindo a solicitação ou não de exame complementar), adicionam variáveis importantes na equação do atendimento à suspeita de litíase urinária. Além disso, a segurança da visualização do cálculo pelo médico solicitante, comparativamente à confiança “cega” no resultado de um exame ultrassonográfico, também exerce impacto no atendimento individualizado em tempos da medicina centrada no paciente. Nesse aspecto, o artigo de Nery et al.(4) traz importante informação da prática clínica real, ou seja, a informação do que ocorre nos pacientes que foram submetidos a TCMD, uma vez que o método foi utilizado como padrão de referência para a determinação da acurácia da ultrassonografia. Portanto, é interessante perceber que 31,2% dos casos tiveram ultrassonografia e TCMD negativas, ou seja, praticamente 1/3 dos casos provavelmente não precisaria ter sido submetido a TCMD após a ultrassonografia. Ou ainda, quando a ultrassonografia é negativa e o IMC é < 27 kg/m2 (e também sem sinais de hidronefrose), os pacientes provavelmente poderiam ser acompanhados clinicamente.

Tais considerações apenas indicam a complexidade desse tema, cujo consenso para o atendimento populacional no que diz respeito à utilização dos métodos de imagem tem espaço para evoluir. Um contraponto importante é o fato de que quando recebemos uma solicitação de ultrassonografia para pesquisa de litíase urinária em ambiente não hospitalar, situação essa muito comum na rotina, passa a ser um caso destacado do atendimento populacional ou de protocolo de atendimento, o qual, na maioria das vezes, independente do IMC do paciente em questão, o exame deve ser realizado seguindo as melhores práticas, com expectativa de que sejamos capazes de resolver o caso. Embora o IMC tenha relação direta com a dificuldade diagnóstica da ultrassonografia abdominal, não é incomum que pacientes com obesidade mórbida tenham janela ultrassonográfica que permita o diagnóstico. Nesse cenário, é importante que a impressão diagnóstica seja dada após exame e não sobre influência de um prejulgamento. Certamente, esse é um dos fatores que explicam a grande variabilidade nos estudos de acurácia da ultrassonografia.

Por fim, cabe lembrar que para a população pediátrica e para as gestantes a ultrassonografia é o principal método na pesquisa da litíase urinária, podendo ser seguida de ressonância magnética(15-17). E, finalmente, nos casos em que está indicada a TCMD, já existem evidências que permitem forte recomendação para o uso de protocolo com redução (de até 85%) da dose de radiação(13,18).


REFERÊNCIAS

1. Fwu CW, Eggers PW, Kimmel PL, et al. Emergency department visits, use of imaging, and drugs for urolithiasis have increased in the United States. Kidney Int. 2013;83:479-86.

2. Keller C, Wang NE, Imler DL, et al. Predictors of nondiagnostic ultrasound for appendicitis. J Emerg Med. 2017;52:318-23.

3. Sauvain MO, Tschirky S, Patak MA, et al. Acute appendicitis in overweight patients: the role of preoperative imaging. Patient Saf Surg. 2016;10:13.

4. Nery DR, Costa YB, Mussi TC, et al. Epidemiological and imaging features that can affect the detection of ureterolithiasis on ultrasound. Radiol Bras. 2018;51:287-92.

5. Dahm P, Hollingsworth JM. Medical expulsive therapy for ureteral stones-stone age medicine. JAMA Intern Med. 2018;178:1058-9.

6. Abdel-Gawad M, Kadasne RD, Elsobky E, et al. A prospective comparative study of color Doppler ultrasound with twinkling and noncontrast computerized tomography for the evaluation of acute renal colic. J Urol. 2016;196:757-62.

7. Mitterberger M, Aigner F, Pallwein L, et al. Sonographic detection of renal and ureteral stones. Value of the twinkling sign. Int Braz J Urol. 2009;35:532-9; discussion 540-1.

8. de Bessa J Jr, Dénes FT, Chammas MC, et al. Diagnostic accuracy of color Doppler sonographic study of the ureteric jets in evaluation of hydronephrosis. J Pediatr Urol. 2008;4:113-7.

9. Heidenreich A, Desgrandschamps F, Terrier F. Modern approach of diagnosis and management of acute flank pain: review of all imaging modalities. Eur Urol. 2002;41:351-62.

10. Daniels B, Gross CP, Molinaro A, et al. STONE PLUS: evaluation of emergency department patients with suspected renal colic, using a clinical prediction tool combined with point-of-care limited ultrasonography. Ann Emerg Med. 2016;67:439-48.

11. de Souza LR, Goldman SM, Faintuch S, et al. Comparison between ultrasound and noncontrast helical computed tomography for identification of acute ureterolithiasis in a teaching hospital setting. Sao Paulo Med J. 2007;125:102-7.

12. Smith-Bindman R, Aubin C, Bailitz J, et al. Ultrasonography versus computed tomography for suspected nephrolithiasis. N Engl J Med. 2014;371:1100-10.

13. Elkoushy MA, Andonian S. Lifetime radiation exposure in patients with recurrent nephrolithiasis. Curr Urol Rep. 2017;18:85.

14. Moore CL, Bomann S, Daniels B, et al. Derivation and validation of a clinical prediction rule for uncomplicated ureteral stone-the STONE score: retrospective and prospective observational cohort studies. BMJ. 2014;348:g2191.

15. Cheng PM, Moin P, Dunn MD, et al. What the radiologist needs to know about urolithiasis: part 1-pathogenesis, types, assessment, and variant anatomy. AJR Am J Roentgenol. 2012;198:W540-7.

16. Ellison JS, Merguerian PA, Fu BC, et al. Follow-up imaging after acute evaluations for pediatric nephrolithiasis: trends from a national database. J Pediatr Urol. 2018. pii: S1477-5131(18)302017-9. [Epub ahead of print].

17. Jha P, Bentley B, Behr S, et al. Imaging of flank pain: readdressing state-of-the-art. Emerg Radiol. 2017;24:81-6.

18. Moore CL, Daniels B, Singh D, et al. Ureteral stones: implementation of a reduced-dose CT protocol in patients in the emergency department with moderate to high likelihood of calculi on the basis of STONE score. Radiology. 2016;280:743-51.










Professor Associado da Divisão de Ciências das Imagens e Física Médica, Chefe do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil. E-mail: jejunior@fmrp.usp.br. https://orcid.org/0000-0002-1158-1045.
 
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