Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 52 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2019

ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 54 to 59



Distúrbios da audição – achados na tomografia computadorizada e ressonância magnética: ensaio iconográfico

Autho(rs): Tiago Medina Salata1,a; Bruno Niemeyer de Freitas Ribeiro2,b; Bernardo Carvalho Muniz3,c; Lívia de Oliveira Antunes4,d; Heraldo Belmont Rosas5,e; Edson Marchiori6,f

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Texto em Português English Text

Descritores: Perda auditiva; Neoplasias de cabeça e pescoço; Neuroimagem; Tomografia computadorizada; Ressonância magnética.

Keywords: Hearing loss; Head and neck neoplasms; Neuroimaging; Tomography, X-ray computed; Magnetic resonance imaging.

Resumo:
Distúrbios da audição são comumente unilaterais e mais comuns em mulheres, podendo ser de origem congênita ou adquirida, consequentes a distúrbios neurossensoriais, condutivos ou mistos, com evolução progressiva ou súbita, sendo uma motivação frequente de idas ao consultório médico. Dentro desse contexto, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética assumiram fundamental importância na busca da definição etiológica e para guiar a conduta terapêutica. Neste ensaio iconográfico ilustraremos causas frequentes de déficit auditivo, demonstrando possíveis diagnósticos diferenciais e ressaltando os aspectos de imagem mais relevantes.

Abstract:
Hearing disorders are usually unilateral and are more common in women. They can be congenital or acquired, and hearing loss is categorized as sensorineural, conductive, or mixed. The onset of hearing loss can be progressive or sudden, and it is a common reason for seeking medical attention. In this context, computed tomography and magnetic resonance imaging have assumed critical roles in the search for an etiological diagnosis and in guiding the therapeutic approach. In this pictorial essay, we illustrate the common causes of hearing loss, discussing the possible differential diagnoses and highlighting the most relevant imaging findings.

INTRODUÇÃO

A audição exerce fundamental importância no desenvolvimento global do ser humano, uma vez que é considerada um dos principais sentidos. Qualquer distúrbio que a afete, em graus variados, apresenta efeito adverso no estado funcional, na qualidade de vida, na função cognitiva e no bem estar emocional, comportamental e social.

Durante a investigação diagnóstica, a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) do osso temporal e do encéfalo apresentam papel fundamental em grande parte dos distúrbios da audição, ajudando a definir a conduta terapêutica.

São numerosas as etiologias associadas à perda auditiva, e na avaliação inicial devem ser excluídas causas farmacológicas e psiquiátricas antes de se considerar a avaliação imaginológica.

Neste estudo discutiremos os achados de imagem de acordo com as classes etiológicas, organizadas por causas neoplásicas, infecciosas/inflamatórias, congênitas, traumáticas/pós-cirúrgicas e outras.


CAUSAS NEOPLÁSICAS

Schwannoma


Lesão tumoral mais comum do ângulo pontocerebelar, normalmente apresenta aspecto homogêneo quando pequeno. A presença de insinuação e alargamento do conduto auditivo interno é um aspecto sugestivo, porém, não específico (Figura 1). O principal nervo acometido é o VIII par, manifestando-se principalmente com tinido e perda auditiva.


Figura 1. Schwannoma intracanalicular. RM, sequência T1 pós-contraste, corte coronal, demonstrando lesão ovalada, com intenso realce pelo gadolínio, localizada no conduto auditivo interno e determinando alargamento deste (seta).



Paraganglioma

Tumores do sistema quimiorreceptor, sendo os principais tumores primários do forame jugular. A maioria é benigna, porém, com comportamento agressivo. Na TC manifestam-se com destruição óssea irregular e realce significativo pelo contraste (Figura 2). Na RM apresentam hipointensidade em T1 e hiperintensidade em T2, com intenso realce pós-contraste. As lesões maiores podem apresentar flow-voids de permeio.


Figura 2. Paraganglioma. TC, após administração intravenosa de meio de contraste, corte axial, demonstrando lesão expansiva com epicentro no bulbo da veia jugular, apresentando intenso realce pelo meio de contraste e determinando erosão do osso temporal (seta).



Tumor do saco endolinfático

São tumores raros da região posterior da porção petrosa do temporal, de crescimento lento e com a maioria dos casos ocorrendo esporadicamente. Embora não sejam malignos, são localmente invasivos. Há associação com doença de von Hippel-Lindau em 15% dos casos(1). Na TC, a destruição óssea é geográfica ou em roído de traça e tem um halo de calcificação periférica. Na RM, o sinal é heterogêneo, com focos hiperintensos em T1 no interior da lesão (Figura 3).


Figura 3. Tumor do saco endolinfático. A: TC, janela óssea, corte axial, demonstrando áreas de erosão óssea na mastoide e bloco labiríntico (seta), decorrente de tumor do saco endolinfático. B: RM, sequência T1 sem meio de contraste, do mesmo paciente, demonstrando hiperintensidade em T1, provavelmente relacionada a produtos da degradação de hemoglobina e de colesterol (seta).



CAUSAS INFECCIOSAS/INFLAMATÓRIAS

Colesteatoma


Consistem em proliferação de epitélio estratificado escamoso queratinizado, com características patológicas idênticas ao cisto epidermoide. Podem ser adquiridos ou congênitos, da pars flácida ou tensa. Comumente, são adquiridos os da pars flácida. Na TC aparecem, habitualmente, como lesões com densidade de partes moles no espaço de Prussak, associadas a erosão da cadeia ossicular e parede lateral do ático, podendo ainda estar associadas a fístulas labirínticas (Figura 4A). A sequência funcional em difusão não EPI da RM apresenta alta sensibilidade na detecção de lesões maiores ou iguais a 2 mm, ajudando na distinção entre colesteatomas com tecido inflamatório de granulação (Figura 4B).


Figura 4. Colesteatoma. A: TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando material hipodenso com densidade de partes moles, acometendo a cavidade timpânica à direita e provocando erosão óssea (seta). B: RM, sequência de difusão, corte coronal, mesmo paciente, demonstrando restrição à difusão de permeio à lesão visualizada na TC (seta).



Otomastoidite e osteomielite

Consistem em infecção da cavidade timpânica e mastoide, principalmente por agentes bacterianos. Pacientes imunocomprometidos apresentam fatores de risco para agentes infecciosos incomuns, além de comprometimento mais extenso e rapidamente progressivo. Na TC, a otomastoidite não complicada apresenta-se, comumente, como material hipodenso, sem erosão óssea, e na RM não é esperada restrição à difusão. Quando não tratada adequadamente, pode evoluir para osteomielite ou complicar com acometimento intracraniano, incluindo meningite, abscessos e trombose venosa (Figura 5). Essas complicações reduziram substancialmente depois do largo emprego dos antibióticos.


Figura 5. Otomastoidite complicada com osteomielite. A: TC, janela óssea, corte axial, demonstrando a otomastoidite à direita, associada a sequestro ósseo de permeio (seta). B: RM, sequência T1 pós-contraste, corte axial, mesmo paciente, demonstrando intensa captação pelo meio de contraste (seta).



Labirintite ossificante

Ossificação patológica do interior do lúmen da cápsula ótica, incluindo a cóclea e o vestíbulo, causada por um processo inflamatório ou destrutivo. Pode estar relacionada a infecção (causa mais comum), trauma, tumores, hemorragias, otosclerose, anemia falciforme, entre outras causas(2). Os achados da RM precedem os da TC em alguns meses, sendo caracterizados por perda do sinal de líquido no interior do labirinto membranoso (Figura 6A) e realce pelo gadolínio nas fases mais precoces. Na TC notam-se focos com densidade de osso dentro dos canais labirínticos no ouvido interno (Figura 6B).


Figura 6. Labirintite ossificante. A: TC, janela óssea, corte axial, demonstrando calcificação acometendo a espira basal da cóclea à esquerda (seta). B: TC, janela óssea, corte coronal, com calcificações acometendo ambas as cócleas (setas).



CAUSAS CONGÊNITAS

Aqueduto vestibular alargado


Anormalidade congênita do osso temporal mais comum, associada a perda auditiva neurossensorial. Pode ser uni ou bilateral, tipicamente identificada ao nascimento ou nos primeiros anos de vida. Ocorre isoladamente ou associado a síndromes. Na TC é definido como um aumento do canal ósseo que se estende do vestíbulo até a superfície posterior da porção petrosa do osso temporal, considerado alargado quando o diâmetro for maior ou igual a 1,5 mm no ponto médio, ou maior do que o diâmetro do canal semicircular posterior adjacente (Figura 7)(3,4).


Figura 7. Aquedutos vestibulares alargados. TC, janela óssea, corte axial, demonstrando alargamento do aqueduto vestibular bilateralmente (setas).



Outras malformações das orelhas externa, média e interna

A TC é o método de escolha na avaliação das anomalias das orelhas externa e média, enquanto a RM é melhor na avaliação do labirinto membranoso e dos nervos no interior do conduto auditivo interno. As anomalias da orelha externa comumente estão associadas a alterações da orelha média (Figura 8A), pois ambas têm origem em comum. A associação de malformações das orelhas externa e interna ocorre em 13% a 30% dos casos(5). As malformações cocleares são frequentemente associadas a alterações vestibulares (Figura 8B), sendo, portanto, mais apropriado considerá-las como malformações vestibulococleares(6). Podem estar associadas com anomalias do conduto auditivo interno (Figura 8C)(6).


Figura 8. Malformações congênitas. A: TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando hipoplasia do conduto auditivo externo com estenose das porções membranosa e óssea, bem como orientação vertical do conduto (seta). Destaca-se, ainda, presença de fina placa atrésica. B: RM, sequência CISS 3D, corte axial, mostrando a cóclea apresentando fusão dos giros médio e apical, assim como vestíbulo alargado e fundido com o canal semicircular lateral. Os canais semicirculares superior e posterior estão encurtados e apresentando aumento da espessura (seta). C: TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando hipoplasia dos condutos auditivos internos (setas).



CAUSAS TRAUMÁTICAS/PÓS-CIRÚRGICAS

Fratura


A maioria resulta de traumatismos cranioencefálicos, de alta energia. A classificação tradicional indica a relação entre a linha de fratura e o maior eixo da porção petrosa do temporal, podendo ser longitudinais, transversais ou mistas. As fraturas do tipo longitudinal geralmente ocorrem em traumas temporoparietais, acometendo principalmente a porção extralabiríntica e apresentando como principais complicações a lesão ossicular e o hemotímpano (Figura 9). Já as fraturas transversais geralmente ocorrem em traumas fronto-occipitais e são mais associadas com comprometimento translabiríntico, podendo haver, ainda, lesão do nervo facial(7,8).


Figura 9. Fratura. TC, janela óssea, corte axial, demonstrando traço de fratura longitudinal à direita (cabeça de seta), havendo comprometimento da cadeia ossicular, com subluxação da articulação incudomaleolar (seta).



Deslocamento de prótese pós-estapedectomia

Reconstrução do estribo é frequentemente usada para restaurar a perda auditiva condutiva em pacientes com otosclerose ou anomalias congênitas. O mau funcionamento de uma prótese ossicular pode ocorrer semanas a anos depois da cirurgia. A TC ajuda a identificar causas reparáveis mais comuns de falência de prótese, como subluxação ou luxação, migração da prótese (frequentemente em direção inferior e posterior à janela oval) e deslocamento da articulação incudal (Figura 10)(8).


Figura 10. Deslocamento de prótese. A: TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando insinuação da prótese estapedial através da janela oval (seta). B: TC, janela óssea, corte axial, mostrando pequeno foco de gás no interior do vestíbulo, indicativo de pneumolabirinto (seta).



OUTRAS CAUSAS

Otosclerose


Também conhecida como otospongiose, caracteriza-se por substituição do osso endocondral normal por osso esponjoso vascular na cápsula ótica. Tipicamente, ocorre entre a segunda e quarta décadas de vida, é mais comum em mulheres e comumente bilateral (85%). Existem duas formas – fenestral e retrofenestral/coclear –, sendo a primeira mais relacionada com perda auditiva de condução e a segunda relacionada a perda auditiva neurossensorial ou mista(9). A TC sem contraste é a modalidade de escolha, demonstrando, no tipo fenestral, acometimento da parede lateral da orelha interna, principalmente junto às janelas oval e redonda, sendo a fissula antefenestram a região mais acometida (Figura 11). Na forma retrofenestral/coclear, o acometimento é ao redor da cóclea, estando geralmente associada à forma fenestral.


Figura 11. Otosclerose. A: TC, janela óssea, corte axial, demonstrando foco de desmineralização na região da fissula antefenestram bilateralmente (setas), caracterizando otosclerose fenestral. B: TC, janela óssea, corte axial, demonstrando evidente hipodensidade pericoclear bilateralmente (setas), configurando o “sinal do duplo contorno”, em paciente com otosclerose coclear.



Doença de Paget

Distúrbio focal do remodelamento ósseo, resultando em uma estrutura óssea desorganizada, espessada e com densidade mineral reduzida. Relativamente comum na população idosa, há comprometimento do osso temporal em aproximadamente 65% a 70% dos casos(10). A surdez é o déficit sensorial mais comum, atingindo cerca de 30% a 50% dos pacientes(10). Na TC, apresenta-se com espessamento cortical, trabeculado grosseiro e expansão e irregularidades ósseas (Figura 12). Na RM, o córtex é espessado e estriado na imagem ponderada em T1. Focos de osteólise demonstram sinal hipointenso em T1 e hiperintenso em T2(10).


Figura 12. Doença de Paget. TC, janela óssea, corte coronal, demonstrando intensa desmineralização pericoclear à direita (seta).



CONCLUSÃO

A TC e a RM são ferramentas úteis na avaliação do paciente com perda da audição, podendo acrescentar informações fundamentais para o diagnóstico, possível planejamento terapêutico e seguimento. O radiologista deve estar atento às suas indicações, a fim de poder contribuir para a adequada decisão clínica.


REFERÊNCIAS

1. Leung RS, Biswas SV, Duncan M, et al. Imaging features of von Hippel-Lindau disease. Radiographics. 2008;28:65–79.

2. Kaya S, Paparella MM, Cureoglu S. Pathologic findings of the cochlea in labyrinthitis ossificans associated with the round window membrane. Otolaryngol Head Neck Surg. 2016;155:635–40.

3. Joshi VM, Navlekar SK, Kishore GR, et al. CT and MR imaging of the inner ear and brain in children with congenital sensorineural hearing loss. Radiographics. 2012;32:683–98.

4. Yiin RSZ, Tang PH, Tan TY. Review of congenital inner ear abnormalities on CT temporal bone. Br J Radiol. 2011;84:859–63.

5. Gebrim EMS. Ossos temporais. In: Gebrim EMS, Chammas MC, Gomes RLE. Radiologia e diagnóstico por imagem: cabeça e pescoço. 1ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan; 2010. p. 38.

6. Casselman JW, Offeciers EF, De Foer B, et al. CT and MR imaging of congenital abnormalities of the inner ear and internal auditory canal. Eur J Radiol. 2001;40:94–104.

7. Juliano AF, Ginat DT, Moonis G. Imaging review of the temporal bone: Part II. Traumatic, postoperative, and noninflammatory nonneoplastic conditions. Radiology. 2015;276:655–72.

8. Stone JA, Mukherji SK, Jewett BS, et al. CT evaluation of prosthetic ossicular reconstruction procedures: what the otologist needs to know. Radiographics. 2000;20:593–605.

9. Purohit B, Hermans R, Op de Beeck K. Imaging in otosclerosis: a pictorial review. Insights Imaging. 2014;5:245–52.

10. Shonka DC Jr, Kesser BW. Paget’s disease of the temporal bone. Otol Neurotol. 2006;27:1199–200.










1. Hospital Casa de Portugal / Clínica 3D Diagnose, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; a. https://orcid.org/0000-0003-3768-2386
2. Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; b. https://orcid.org/0000-0002-1936-3026
3. Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; c. https://orcid.org/0000-0003-1483-2759
4. Hospital Casa de Portugal / Clínica 3D Diagnose, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; d. https://orcid.org/0000-0001-8350-8616
5. Hospital Casa de Portugal / Clínica 3D Diagnose, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; e. https://orcid.org/0000-0002-6256-6494
6. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil ; f. https://orcid.org/0000-0001-8797-7380

Correspondência:
Dr. Tiago Medina Salata
Hospital Casa de Portugal / Clínica 3D Diagnose
Rua do Bispo, 72, Rio Comprido
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22262-064
E-mail: tiago_salata@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 24/11/2016
Aceito, após revisão, em 27/1/2017
 
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