Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 51 nº 3 - Maio / Jun.  of 2018

ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 187 to 192



Avaliação do abdome fetal por ressonância magnética. Parte 2: malformações da parede abdominal e tumores

Autho(rs): Ana Paula Pinho Matos1; Luciana de Barros Duarte2; Pedro Teixeira Castro3; Pedro Daltro4; Heron Werner Júnior4; Edward Araujo Júnior5

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Texto em Português English Text

Descritores: Feto; Anormalidades congênitas/diagnóstico por imagem; Abdome/diagnóstico por imagem; Ressonância magnética.

Keywords: Fetus; Congenital abnormalities/diagnostic imaging; Abdomen/diagnostic imaging; Magnetic resonance imaging.

Resumo:
Apesar de a ultrassonografia (US) ser o método padrão ouro na avaliação das malformações fetais, a ressonância magnética (RM) tem ganhado grande destaque nos últimos anos. Em algumas situações nas quais a US apresenta baixa sensibilidade, como obesidade materna, cicatrizes abdominais e oligo-hidrâmnio, a RM mostra-se um método seguro e com boa acurácia. Em relação ás malformações da parede abdominal fetal, a RM mostra-se usual na avaliação prognóstica da atresia intestinal da gastrosquise ou complicações da onfalocele, permitindo melhor manejo perinatal e aconselhamento dos pais. Da mesma forma, a RM possibilita a avaliação de invasão local de tumores abdominais fetais, apresentando valor prognóstico pós-natal. Neste artigo, abordamos os principais achados na RM das malformações da parede abdominal fetal e tumores.

Abstract:
Although ultrasound is still the gold standard for the assessment of fetal malformations, magnetic resonance imaging (MRI) has gained great prominence in recent years. In situations in which ultrasound has low sensitivity, such as maternal obesity, abdominal scarring, and oligohydramnios, MRI has proven to be a safe and accurate method. Regarding fetal abdominal wall defects, MRI appears to be widely used in the prognostic assessment of gastroschisis with intestinal atresia or of complications of omphalocele, allowing better perinatal management and parental counseling. In addition, MRI allows the assessment of local invasion of fetal abdominal tumors, with significant prognostic value for the postnatal period. In this article, we review the main MRI findings in the evaluation of fetal abdominal wall defects and tumors.

INTRODUÇÃO

A importância dos métodos de imagem no diagnóstico das malformações congênitas(1–3), e em especial na medicina fetal(4–7), tem sido objeto de vários estudos recentes publicados por autores nacionais. A ultrassonografia (US) permanece como o método de escolha para a avaliação das malformações fetais, em razão da sua boa aceitação, baixo preço e ausência de riscos para o binômio materno-fetal. Entretanto, em determinadas condições como obesidade materna, excesso de movimentos fetais, cicatrizes abdominais e diminuição do volume de líquido amniótico, apresenta sensibilidade reduzida. A ressonância magnética (RM) tem sido aplicada em obstetrícia nas situações em que a US apresenta limitações de sensibilidade, mostrando vantagens na avaliação de algumas malformações, como nas desordens de maturação cortical(8). Em relação ás malformações da parede abdominal fetal, a RM mostra- se usual na avaliação prognóstica da atresia intestinal da gastrosquise ou complicações da onfalocele, permitindo melhor manejo perinatal e aconselhamento dos pais(9). Do mesmo modo, a RM é um método mais acurado que a US na caracterização da extensão intrapélvica e abdominal dos tumores sacrococcígeos(10), além de fornecer maiores informações sobre a compressão de órgãos adjacentes.

Neste artigo, apresentamos os achados na RM das principais malformações da parede abdominal fetal.


MALFORMAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL E TUMORES

Onfalocele


Onfalocele é um defeito da parede anterior abdominal, com encapsulamento pelo peritônio parietal e herniação do conteúdo abdominal, consequente a falha da migração intestinal á cavidade abdominal(11). Ocorre em 1/4000 nascidos vivos(12) e está associada a outras malformações em 72% dos casos. Está relacionada, também, a cromossomopatias, sendo as trissomias 18 e 13 presentes em 30% a 40% dos casos, as quais determinam pior prognóstico. As malformações associadas mais frequentes são as cardíacas, geniturinárias, gastrintestinais, musculoesqueléticas, defeitos do tubo neural e da cabeça e pescoço(13).

O diagnóstico de onfalocele pela US tem sucesso de 66% a 93% no rastreamento pré-natal. O exame pela RM adiciona detalhes anatômicos na avaliação da onfalocele. Mostra a imagem do saco herniário, defeito central da parede abdominal com vísceras abdominais herniadas cercadas por cápsula fina, formada pela geleia de Wharton, que separa o conteúdo abdominal do líquido amniótico. O volume e seu conteúdo (fígado, estômago, baço, cólon) são variáveis. A RM demonstra defeito central abdominal, com herniação visceral com fina cápsula encerrando seu conteúdo e separando-o do líquido amniótico (Figura 1). O fígado pode ser observado como grande massa sólida hipointensa em T2.


Figura 1. Onfalocele em feto com 22 semanas. A: Corte axial em T2 mostrando saco herniário com herniação do fígado. B: Corte axial em T1 mostrando herniação hepática. C: Corte sagital em T2 mostrando defeito de parede abdominal, com saco herniário e fígado em seu conteúdo.



A mortalidade é de 80% quando associada a outras malformações e atinge 100% nos casos associados a cromossomopatias. A mortalidade perinatal em casos isolados e sem cromossomopatias cai para 19%, revelando a grande importância de uma cuidadosa avaliação morfológica fetal para o aconselhamento materno. A presença ou não do fígado no saco herniário não altera o prognóstico(14).

Gastrosquise

Gastrosquise é a herniação do conteúdo abdominal através de um defeito na parede abdominal paraumbilical á direita. É uma anomalia mais rara que a onfalocele, com incidência de 1/10000 a 6/10000 nascidos vivos(15). Diferentemente da onfalocele, na gastrosquise não há saco herniário e o conteúdo abdominal fica em contato direto com o líquido amniótico. A associação com outras malformações varia de 19% a 31% dos casos, sendo as mais frequentes as intestinais, como a atresia ou a estenose. Apresenta complicações semelhantes ás anomalias intestinais, como obstrução intestinal, perfuração, peritonite, enterocolite necrosante, síndrome do cólon curto e fístulas.

A prevalência da gastrosquise vem aumentando nos últimos anos, porém, o desenvolvimento das técnicas de nutrição parenteral reduziu a mortalidade de 60% na década de 1960 para 3% a 10% nos últimos anos, sendo o principal fator prognóstico a integridade do intestino(16).

A correta avaliação da integridade intestinal é fundamental para a análise do prognóstico neonatal. O estudo por RM mostra alças intestinais herniadas pela parede intestinal flutuando livremente no líquido amniótico. O defeito na parede abdominal se apresenta á direita da inserção do cordão umbilical. Dilatação e espessamento das alças podem indicar anormalidades como atresias e necrose (Figura 2). Os diagnósticos diferenciais são rotura da onfalocele, herniação do cordão umbilical e anomalia de body stalk. A presença de estruturas sólidas flutuando livremente indica rotura de onfalocele. O prognóstico da gastrosquise está relacionado ás condições do intestino ao nascimento e á presença de outras malformações associadas. Dilatação maior que 17 mm e espessamento das alças maior que 3 mm, além do poli-hidrâmnio, podem estar relacionados a alta morbidade.


Figura 2. Gastrosquise. A,B: Imagens em T2, cortes sagital e axial, de feto com 27 semanas apresentando defeito de fechamento da parede abdominal e herniação intestinal (setas). C,D: Imagens em T2, cortes sagital e axial, de feto com 35 semanas e gastrosquise. Herniação intestinal com grande dilatação das alças intestinais, simulando um saco herniário (setas).


Pentalogia de Cantrell

Descrita inicialmente em 1958, a pentalogia de Cantrell é a combinação de malformações na parede abdominal, esterno, diafragma, pericárdio e coração. Malformação rara, com poucas centenas de casos descritos, é mais frequente em fetos do sexo masculino. As malformações características da síndrome são: defeito da parede abdominal, na linha média, supraumbilical; defeito na parte caudal do esterno; malformação da parte anterior do diafragma; malformação do pericárdio diafragmático; e cardiopatia congênita.

A malformação mais frequente na parede abdominal é a onfalocele. Uma fenda na parte inferior do esterno, com herniação do coração, caracteriza a malformação do esterno. Em 91% dos casos há defeito do diafragma anterior. A contiguidade entre as cavidades pericárdica e peritonial não é rara. Das malformações cardíacas, as grandes e complexas cardiopatias congênitas são a regra. As malformações associadas mais frequentes são as que envolvem órgãos torácicos e abdominais. As malformações craniofaciais e de membros inferiores são também frequentes nesses casos (28%). A RM mostra onfalocele, coração ectópico, derrames pleural e pericárdico. Os defeitos do diafragma podem ser de difícil avaliação pela RM(17) (Figura 3).


Figura 3. Pentalogia de Cantrell em feto de 27 semanas. Notar protrusão do fígado (asterisco), coração (seta) e alças pelo defeito anterior das paredes abdominal e torácica.



Síndrome de body stalk

A síndrome de body stalk consiste em um grupo variável de malformações dos membros inferiores e cintura pélvica, associadas a defeitos no abdome e tórax(12). Com incidência de 1/14000 nascidos vivos, tem como fatores etiopatogênicos a banda amniótica e a interrupção da vascularização no desenvolvimento embrionário. As malformações mais descritas são: abdominosquise, geralmente á esquerda e de grande volume, defeitos da parede torácica, rotação anormal dos membros inferiores, pé torto congênito, braquidactilia, polidactilia, sindactilia, ausência de membros inferiores e escoliose (Figura 4). Essa síndrome está associada a malformações de face e cranianas, como exenfalia, encefalocele e defeitos faciais. Mielomeningocele pode estar presente, com hidrocefalia e síndrome de Arnold-Chiari. Há grande incidência de malformações cardíacas e diafragmáticas. O cordão umbilical é curto ou ausente, com o tórax e abdome fetal aderidos á placenta e herniação visceral. A banda amniótica está presente em 40% dos casos.


Figura 4. Síndrome de body stalk. Imagens em T2 demonstrando as herniações hepática e intestinal, hipoplasia pulmonar e escoliose.



A RM mostra a placenta sem evidência de cordão umbilical. As anomalias abdominais, torácicas, dos membros inferiores, craniofaciais e dos órgãos internos têm apresentação variada. Às vezes, os órgãos herniados estão embolados, formando uma massa complexa. A banda amniótica pode ser identificada como estrutura linear.


TERATOMA SACROCOCCÍGEO

Teratomas sacrococcígeos são tumores de origem embrionária decorrentes do desenvolvimento e proliferação de células pluripotentes. O diagnóstico é habitualmente feito em exames de pré-natal de rotina. A mortalidade neonatal pode se aproximar de 50% em casos de hidropisia fetal e prematuridade.

A RM auxilia na avaliação da extensão do teratoma, do comprometimento dos órgãos adjacentes e do efeito compressivo da lesão (Figura 5). Durante o pré-natal, a RM avalia, ainda, o crescimento volumétrico do teratoma, que, juntamente com a avaliação dopplerfluxométrica, classifica a doença em alto ou baixo risco. Em razão da alta morbidade e mortalidade, o tratamento cirúrgico durante o período fetal vem se destacando como método promissor(18).


Figura 5. Teratoma sacrococcígeo. A: Teratoma sacrococcígeo tipo III em feto com 24 semanas, com tumor invadindo pelve e abdome (seta). Corte sagital em T2. B: Teratoma sacrococcígeo tipo II em feto com 30 semanas (seta). Corte sagital em T2.



REFERÊNCIAS

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2. Sala MAS, Ligabô ANSG, Arruda MCC, et al. Intestinal malrotation associated with duodenal obstruction secondary to Ladd''s bands. Radiol Bras. 2016;49:271–2.

3. Niemeyer B, Muniz BC, Gasparetto EL, et al. Congenital Zika syndrome and neuroimaging findings: what do we know so far? Radiol Bras. 2017;50:314–22.

4. Werner Jr H, Santos JL, Belmonte S, et al. Applicability of three-dimensional imaging techniques in fetal medicine. Radiol Bras. 2016;49:281–7.

5. Araujo Júnior E. Three-dimensional ultrasound in fetal medicine after 25 years in clinical practice: many advances and some questions. Radiol Bras. 2016;49(5):v–vi.

6. Werner H, Daltro P, Fazecas T, et al. Prenatal diagnosis of sirenomelia in the second trimester of pregnancy using two-dimensional ultrasound, three-dimensional ultrasound and magnetic resonance imaging. Radiol Bras. 2017;50:201–2.

7. Bertoni NC, Pereira DC, Araujo Júnior E, et al. Thrombocytopenia-absent radius syndrome: prenatal diagnosis of a rare syndrome. Radiol Bras. 2016;49:128–9.

8. Rubod C, Robert Y, Tillouche N, et al. Role of fetal ultrasound and magnetic resonance imaging in the prenatal diagnosis of migration disorders. Prenat Diagn. 2005;25:1181–7.

9. Nakagawa M, Hara M, Shibamoto Y. MRI findings in fetuses with an abdominal wall defect: gastroschisis, omphalocele, and cloacal exstrophy. Jpn J Radiol. 2013;31:153–9.

10. Danzer E, Hubbard AM, Hedrick HL, et al. Diagnosis and characterization of fetal sacrococcygeal teratoma with prenatal MRI. AJR Am J Roentgenol. 2006;187:W350–6.

11. Emanuel PG, Garcia GI, Angtuaco TL. Prenatal detection of anterior abdominal wall defects with US. Radiographics. 1995;15:517–30.

12. Fogata ML, Collins HB 2nd, Wagner CW, et al. Prenatal diagnosis of complicated abdominal wall defects. Curr Probl Diagn Radiol. 1999;28:101–28.

13. Calzolari E, Bianchi F, Dolk H, et al. Omphalocele and gastroschisis in Europe: a survey of 3 million births 1980-1990. EUROCAT Working Group. Am J Med Genet. 1995;58:187–94.

14. Heider AL, Strauss RA, Kuller JA. Omphalocele: clinical outcomes in cases with normal kariotypes. Am J Obstet Gynecol. 2004;190: 135–41.

15. Durfee SM, Downard CD, Benson CB, et al. Postnatal outcome of fetuses with the prenatal diagnosis of gastroschisis. J Ultrasound Med. 2002;21:269–74.

16. Bradnock TJ, Marven S, Owen A, et al. Gastroschisis: one year outcomes from national cohort study. BMJ. 2011;343:d6749.

17. Daltro P, Fricke BL, Kline-Fath BM, et al. Prenatal MRI of congenital abdominal and chest wall defects. AJR Am J Roentgenol. 2005;184:1010–6.

18. Coleman A, Kline-Fath B, Keswani S, et al. Prenatal solid tumor volume index: novel prenatal predictor of adverse outcome in sacrococcygeal teratoma. J Surg Res. 2013;184:330–6.










1. Médica do Departamento de Radiologia da Clínica de Diagnóstico Por Imagem (CDPI), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Doutora, Professora Adjunta do Departamento Materno-Infantil da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil
3. Mestre, Médico do Departamento de Radiologia da Clínica de Diagnóstico Por Imagem (CDPI), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
4. Doutores, Médicos do Departamento de Radiologia da Clínica de Diagnóstico Por Imagem (CDPI), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
5. Livre-docente, Professor Adjunto do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil

Trabalho realizado no Departamento de Radiologia da Clínica de Diagnóstico Por Imagem (CDPI), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Endereço para correspondência:
Dr. Edward Araujo Júnior
Rua Belchior de Azevedo, 156, ap. 111, Torre Vitória, Vila Leopoldina
São Paulo, SP, Brasil, 05089-030
E-mail: araujojred@terra.com.br

Recebido para publicação em 3/8/2016.
Aceito, após revisão, em 8/9/2016
 
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