CARTAS AO EDITOR
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Autho(rs): Laiz Laura Godoy1; Ulysses S. Torres1; Giuseppe D''Ippolito2 |
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Sr. Editor,
Paciente do sexo feminino, 36 anos, G5A4P1 (parto cesariano de gemelar), com antecedentes de síndrome do anticorpo antifosfolipídio, doença hipertensiva específica da gestação e procedimentos com vídeo-histeroscopia. A partir do 12º dia pós- parto iniciou-se sangramento vaginal volumoso, e com base na hipótese diagnóstica de produtos retidos da concepção (PRCs) – valores séricos de b-HCG próximos a zero –, optou-se por seguimento clínico com avaliações ultrassonográficas seriadas, que invariavelmente indicavam a presença de uma formação ecogênica grosseiramente nodular, medindo até 2,2 cm, situada junto ao endométrio fúndico, com sinal vascular interno ao Doppler colorido (Figura 1A). Em razão da não resolução do quadro após cerca de 60 dias, optou-se por realização de curetagem. Durante o procedimento a paciente evoluiu com volumoso sangramento (500 mL) e hipotensão, não se identificando PRCs. Tomografia computadorizada (Figura 1B) e ressonância magnética (Figuras 1C e 1D) da pelve, subsequentemente, confirmaram a presença da formação nodular junto ao endométrio fúndico, com intenso realce ao meio de contraste e se comunicando a uma rede de vasos miometriais dilatados e tortuosos. Em correlação com os dados clínicos (sangramento de difícil resolução, piora expressiva durante manipulação cirúrgica, ausência de PRCs à curetagem), tais achados de imagem permitiram considerar a possibilidade de má-formação arteriovenosa (MAV) adquirida(1). Devido à falha de resposta ao tratamento conservador, optou-se por realização de histerectomia. O diagnóstico anatomopatológico foi de PRCs em uma área focal de acretismo superficial cursando com subinvolução do leito placentário (SILP). Figura 1. A: Ultrassonografia transvaginal mostrando eco endometrial heterogêneo, com fluxo ao Doppler colorido, sobretudo em formação grosseiramente nodular na região fúndica (seta). B: Tomografia computadorizada com contraste e reconstrução MIP identificando vasos miometriais e periuterinos proeminentes em comunicação com a área nodular hipervascularizada (seta). C,D: Ressonância magnética (sagital T2 e axial T1 pós-contraste, respectivamente) confirmando os achados de dilatação vascular caracterizada pelo flow void na parede posterior uterina (seta em C) e de intensa vascularização do nódulo fúndico (seta em D). A primeira armadilha, em casos como este, reside em se confundir a marcada vascularização dos PRCs com MAVs(2). Deve-se ter em mente que os PRCs ocorrem muito mais frequentemente que as MAVs(3), e portanto, aconselha-se que áreas de hipervascularização focais uterinas sejam simplesmente relatadas como tal, sem necessariamente relacioná-las a MAVs(4). Ademais, a presença de um componente endometrial dessas alterações focais direciona o diagnóstico para PRC, ao passo que um componente inequivocamente intramural permite aumentar a suspeição para MAV(2). A segunda armadilha deste caso reside na associação com SILP, entidade que pode ocorrer tanto na presença de PRC (geralmente determinada por acretismos focais) quanto isoladamente(5,6), que cursa com a formação de vasos proeminentes miometriais/periuterinos, e que do ponto de vista de imagem são indistinguíveis dos achados de MAVs(2). Assim, por se tratar de um diagnóstico raro, fundamentalmente histopatológico(5,7) e pouco discutido na literatura radiológica, é provável que a SILP também responda por uma parcela dos diagnósticos excessivos(4) e não comprovados de MAVs. Mesmo assim, as MAVs são ainda mais raras que a SILP(2,6). Em suma, diante de um caso de sangramento vaginal pós- parto em paciente com valores normais de b-HCG e achado de alteração focal hipervascular uterina, deve-se primeiro afastar seu caráter endometrial (PRC). Quando esta diferenciação não for clara, e especialmente quando se detectarem vasos miometriais dilatados anômalos em suas adjacências, deve-se considerar a possibilidade de SILP associada a PRC como diagnóstico alternativo a MAVs. O diagnóstico de MAV pode ser confirmado por angiografia digital, ou a diferenciação entre os diagnósticos ser obtida por estudo anatomopatológico(1,4). REFERÊNCIAS 1. Annaiah TK, Sreenivasan SK. Uterine arteriovenous malformations: clinical implications. The Obstetrician & Gynaecologist. 2015;17:243–50. 2. Sellmyer MA, Desser TS, Maturen KE, et al. Physiologic, histologic, and imaging features of retained products of conception. Radiographics. 2013;33:781–96. 3. Goyal S, Goyal A, Mahajan S, et al. Acquired uterine arteriovenous malformation developing in retained products of conception: a diagnostic dilemma. J Obstet Gynaecol Res. 2014;40:271–4. 4. Müngen E. Vascular abnormalities of the uterus: have we recently over-diagnosed them? Ultrasound Obstet Gynecol. 2003;21:529–31. 5. Plunk M, Lee JH, Kani K, et al. Imaging of postpartum complications: a multimodality review. AJR Am J Roentgenol. 2013;200:W143–54. 6. Babarinsa IA, Hayman RG, Draycott TJ. Secondary post-partum haemorrhage: challenges in evidence-based causes and management. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2011;159:255–60. 7. Weydert JA, Benda JA. Subinvolution of the placental site as an anatomic cause of postpartum uterine bleeding: a review. Arch Pathol Lab Med. 2006;130:1538–42. 1. Hospital São Luiz, Grupo Fleury, São Paulo, SP, Brasil 2. Hospital São Luiz, Grupo Fleury, e Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil Endereço para correspondência: Dra. Laiz Laura Godoy Fleury Medicina e Saúde Rua Cincinato Braga, 282, Bela Vista São Paulo, SP, Brasil, 01333-010 E-mail: laizgodoy@hotmail.com |