ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Aníbal Araujo Alves Peixoto Filho1; Simone Baltar de Freitas1; Márcio Morikoshi Ciosaki1; Lourenço Nogueira e Oliveira1; Onildo Tavares dos Santos Júnior1 |
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Descritores: Microcefalia; Infecção pelo vírus Zika; Tomografia computadorizada; Ressonância magnética. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Estados brasileiros, em várias partes da Região Nordeste, têm registrado um aumento inusitado de nascidos vivos com microcefalia, um agravo emergencial em saúde pública, que impacta a qualidade de vida das crianças e famílias, tornando-se uma emergência em saúde pública de interesse internacional(1). A infecção pelo vírus Zika em humanos foi identificada pela primeira vez em Uganda e na Tanzânia, em 1952, com relatos de surtos posteriores na África, nas Américas, na Ásia e no Pacífico(2). No entanto, apenas recentemente, em grandes surtos ocorridos na Polinésia Francesa em 2013 e no Brasil em 2015, têm sido relatadas complicações neurológicas, autoimunes e, atualmente, relação com a microcefalia(3,4). A elucidação do fator etiológico deste último surto passa pelo reconhecimento da relação entre a presença do vírus e a ocorrência de microcefalia, a comprovação de que o vírus atravessa a barreira placentária, a identificação do vírus Zika em natimortos e recém-nascidos com microcefalia e/ou outras malformações do sistema nervoso central, entre outros(3). O vírus foi identificado no líquido amniótico de gestantes, após o diagnóstico ultrassonográfico de microcefalia(5), no tecido cerebral de um feto cuja gestação foi interrompida com 32 semanas, na Eslovênia(4), e em um recém-nascido que evoluiu para óbito, no Estado do Ceará(3). Os exames de imagem, segundo recomendação da Organização Mundial da Saúde(6), são necessários para a detecção de anormalidades estruturais do cérebro destas crianças nascidas com microcefalia. EMBRIOLOGIA De modo sucinto, o complexo processo embriológico de formação do encéfalo passa pela neurulação, proliferação neuronal, migração neuronal, organização (operculação, sulcação e giração) e, enfim, a mielinização, que evoluem desde a terceira semana fetal, por toda a gestação, e após o nascimento. Este processo pode ser comprometido nestas fases por eventos de naturezas diversas e, na dependência da gravidade do insulto, pode ocasionar a microcefalia, que pode ser primária (genética) ou secundária. Esta última tem como causas mais comuns distúrbios vasculares, diabetes materno, trauma e infecções(7). ASPECTOS CLÍNICOS As imagens apresentadas neste estudo são de exames realizados em nove crianças admitidas em um hospital de reabilitação, com microcefalia sugestiva de estar relacionada a infecção congênita pelo vírus Zika, segundo critérios estabelecidos pelas autoridades locais(3). Os bebês estudados tinham entre 1 e 7 meses de vida no momento do exame, cujas mães apresentaram doença exantemática referida entre o segundo e o quarto meses de gestação. As sorologias realizadas durante a gestação não caracterizaram outro fator causal infeccioso. Os exames de tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) foram realizados sem sedação, com orientações relacionadas a privação do sono. ACHADOS DE IMAGEM Vários processos infecciosos congênitos, apesar de não terem aspecto patognomônico, compartilham algumas características de imagem, dentre as quais as principais são as calcificações. Outros achados têm sido relatados, como ventriculomegalia, alterações da fossa posterior e malformações do desenvolvimento cortical(3). Ilustramos, a seguir, os principais achados de imagem identificados nestes pacientes. Calcificações parenquimatosas Foram visibilizadas calcificações parenquimatosas em diferentes números e localizações em todos os pacientes incluídos, caracterizadas por focos de hiperatenuação nos exames de TC (Figura 1) ou, nos exames de RM (Figura 2), por hipossinal nas sequências com ponderação gradiente. Algumas delas apresentaram também hiperintensidade nas sequências com ponderação T1 (FSE e FSPGR). Figura 1. TC demonstrando calcificações parenquimatosas em diferentes pacientes, em várias localizações. A: Na substância branca profunda e regiões corticossubcorticais, ao nível da coroa radiada, assumindo aspecto confluente. B: Regiões corticossubcorticais ao nível dos ventrículos laterais. C: Nos tálamos e regiões capsulonucleares. Em A, existe retificação dos ossos frontais, e em B, pequeno cisto subcortical frontal esquerdo. Figura 2. RM. A,B: Sequências gradiente-eco volumétricas mostrando focos de hipossinal em regiões corticossubcorticais, tálamos e capsulonucleares. C: Sequência volumétrica T1 FSPGR, mesmo paciente de B, mostrando focos de hiperintensidade de sinal, confluentes nas regiões corticossubcorticais, em correspondência com os focos de hipossinal na sequência GRE. As calcificações foram vistas frequentemente em localização corticossubcortical, em alguns casos com aspecto confluente (Figura 1A) ou disposição linear. Foram também vistas calcificações na substância branca profunda e periventricular e substância cinzenta profunda (Figura 1C). Alterações morfológicas parenquimatosas e girais Observamos alterações do padrão giral, predominando a simplificação, caracterizada por giros escassos e sulcos rasos, em toda a extensão do parênquima (Figura 3). Foram também caracterizadas alterações do espectro da lissencefalia (Figura 4), com espessamento cortical e maior escassez de giros, ou mesmo ausência, e superfície parenquimatosa praticamente lisa, vista de forma mais difusa ou localizada. Em outros pacientes, foram também identificadas áreas de polimicrogiria, associadas a simplificação giral (Figura 3B). Vários pacientes apresentaram marcada redução volumétrica parenquimatosa, sendo a ventriculomegalia um achado muito frequente, em diversos casos associada a aumento dos espaços subaracnóideos. Figura 3. RM identificando padrão de simplificação giral em diferentes pacientes, nas sequências ponderadas em T2, associando-se ventriculomegalia e proeminência dos espaços subaracnóideos. Em B, identifica-se cisto subcortical na região frontal esquerda, além de polimicrogiria, que é mais bem caracterizada na região temporoparietal esquerda (seta). Figura 4. RM demonstrando padrões de alteração morfológica giral do espectro da lissencefalia, caracterizando-se contornos mais lisos da superfície cortical e certo espessamento, com apresentação mais generalizada em A e assimétrica em B, com paquigiria mais evidente na região frontal direita. Alterações do corpo caloso Em todos os exames incluídos observamos alterações no corpo caloso, caracterizadas por hipogenesia (Figura 5), agenesia (Figura 6) e/ou importante hipoplasia. Consequentemente, em alguns casos, em que há agenesia ou hipogenesia mais pronunciada, predomina morfologia colpocefálica dos ventrículos laterais (Figura 5A). Figura 5. RM mostrando hipogenesia do corpo caloso na sequência axial T2 (A) e sequência sagital 3D FIESTA (B), que demonstra de forma mais evidente o joelho e o tronco do corpo caloso, ambos hipoplásicos. Figura 6. RM identificando agenesia do corpo caloso nas sequências sagital T1 (A) e coronal T2 (B). Em A, é também possível caracterizar desproporção cefalofacial, protuberância óssea occipital (com "cavalgamento ósseo"), pregas cutâneas e projeção caudal das tonsilas cerebelares. Em B, identificam-se posicionamento elevado do terceiro ventrículo, ausência comissural inter-hemisférica, proeminência do espaço liquórico extra-axial e ventriculomegalia. O telencéfalo mostra-se bastante reduzido. Alterações diversas Identificamos alterações da fossa posterior (Figura 7), como hipoplasia do hemisfério cerebelar direito (Figura 7A), além de algumas alterações do espectro Dandy-Walker (Figura 7C). Em um dos pacientes foi caracterizado um cisto subcortical (Figura 3B). Identificamos, na calota craniana, protuberância óssea occipital (Figuras 5B e 6A) e retificação dos ossos frontais (Figura 1A). Figura 7. RM. A,B: Sequência coronal T2 mostrando discreta hipoplasia do hemisfério cerebelar direito (A) e relativa proeminência do cerebelo em relação ao telencéfalo (B), além de importante redução volumétrica da substância branca e ventriculomegalia em ambas as imagens. C: Hipoplasia e rotação do verme do cerebelo, associada a proeminência do conteúdo liquórico da fossa posterior, alterações do espectro de Dandy-Walker. Há também hipoplasia do tronco encefálico, notadamente da ponte. CONCLUSÃO Em razão do significativo aumento do número de nascidos vivos com microcefalia, os exames de neuroimagem tornam-se uma ferramenta imprescindível para investigação morfológica do parênquima cerebral. Ilustramos, neste ensaio, os principais achados de imagem nos primeiros exames realizados em um hospital de reabilitação, de bebês com microcefalia sugestiva de estar relacionada a infecção congênita pelo vírus Zika. REFERÊNCIAS 1. Heymann DL, Hodgson A, Sall AA, et al. Zika virus and microcephaly: why is this situation a PHEIC? Lancet. 2016;387:719–21. 2. World Health Organization. Media centre. Zika virus. [Internet]. 2016. [updated 2016 June 2; cited 2016 Jul 15]. Available from: http://www. who.int/mediacentre/factsheets/zika/en/. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso central (SNC). Emergência de saúde pública de importância internacional – ESPII. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. [updated 2016 Mar 10; cited 2016 Jul 15]. Available from: http://combateaedes.saude.gov.br/images/sala-de-situacao/Microcefalia-Protocolo-de-vigilancia-e-resposta-10mar2016-18h.pdf. 4. Mlakar J, Korva M, Tul N, et al. Zika virus associated with microcephaly. N Engl J Med. 2016;374:951–8. 5. Oliveira Melo AS, Malinger G, Ximenes R, et al. Zika virus intrauterine infection causes fetal brain abnormality and microcephaly: tip of the iceberg? Ultrasound Obstet Gynecol. 2016;47:6–7. 6. Organização Mundial da Saúde. Avaliação de bebés com microcefalia no contexto do vírus Zika: orientações provisórias. [Internet]. [updated 2016 Mar 4; cited 2018 Feb 15]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/204475/8/WHO_ZIKV_MOC_16.3_por.pdf?ua=1). 7. Osborn AG. Encéfalo de Osborn: imagem, patologia e anatomia. Porto Alegre, RS: Artmed; 2014. Médicos Especialistas em Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, Salvador, BA, Brasil Trabalho realizado na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, Salvador, BA, Brasil. Endereço para correspondência: Dr. Aníbal Araujo Alves Peixoto Filho Associação das Pioneiras Sociais – Setor de Radiologia Avenida Tancredo Neves, 2782, Caminho das Árvores Salvador, BA, Brasil, 41820-900 E-mail: anibalpeixotof@gmail.com Recebido para publicação em 29/7/2016 Aceito, após revisão, em 21/8/2016. |