EDITORIAL
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Autho(rs): Henrique Simão Trad |
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Não restam dúvidas sobre a importância e o impacto socioeconômico das doenças cardiovasculares, em especial da doença arterial coronariana (DAC). O caso já não é o mesmo quando a ciência discute diagnóstico, tratamento e, principalmente, um dos pilares da cardiologia, a estratificação de risco coronariano. É prática clínica consolidada a utilização dos escores de risco global como ferramenta inicial na avaliação dos pacientes, sendo o mais utilizado deles o escore de Framingham. Entretanto, em uma doença de apresentação tão heterogênea, um dos principais questionamentos sobre o assunto é se esses escores devem ser utilizados de forma isolada(1).
Naturalmente que, na busca de métodos não invasivos para avaliação complementar da DAC, fazendo uso, inicialmente, da tomografia computadorizada (TC) por emissão de feixe de elétrons (electron-beam computed tomography) e, posteriormente, com as novas gerações de tomógrafos com múltiplas fileiras de detectores, houve o desenvolvimento do escore de cálcio coronariano (EC). É um exame robusto, simples e não invasivo, tendo como principais ressalvas a disponibilidade reduzida de equipamentos específicos e a utilização de radiação ionizante. Após anos de incessante acúmulo de dados científicos, a ferramenta mostrou-se sólida e é considerada única não só para a estratificação de risco coronariano, com valores incrementais aos métodos clínicos citados, mas também carrega importantes informações prognósticas para diferentes cenários clínicos. Citando a II Diretriz de Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia e do Colégio Brasileiro de Radiologia(2), o EC tem-se mostrado a mais acurada ferramenta de detecção de aterosclerose subclínica, refinando a estratificação de risco em pacientes assintomáticos. Nessa diretriz, o uso do EC em pacientes assintomáticos e com estratificação clínica de risco global cardíaco intermediário, ficou como classe de recomendação I e nível de evidência A. Ou seja, nesse cenário clínico, é indiscutível o uso do EC. O motivo de o EC não fazer parte do rol de cobertura mínima para planos de saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar faz pensar que aqueles que legislam não estão realmente o fazendo com os melhores interesses da saúde da população. Faz-nos pensar também que existem outros “conhecimentos” não científicos direcionando a tomada de decisão. Estudos sobre o sistema cardiovascular vêm, recentemente, se destacando na literatura radiológica brasileira(3–6). Nesta edição da Radiologia Brasileira, de forma inovadora, um novo passo do capítulo do EC adentra o espectro das publicações brasileiras. Pelandré et al.(7) exploram uma tendência atual da extrapolação dos dados do EC a partir de exames de TC do tórax, não sincronizados ao eletrocardiograma. Seguindo uma tendência bibliográfica recente, citada no próprio artigo, busca-se definir se as informações de estimada relevância do EC podem ser extraídas de um exame bem mais comum e de alcance mais abrangente. Faz todo o sentido, mesmo porque a TC de tórax com baixa dose de radiação, para rastreamento de neoplasia pulmonar, está nas guidelines das principais sociedades de pneumologia, cirurgia torácica e oncologia(8). Algumas dúvidas técnicas ainda permanecem, mas a robustez dos dados é incontestável, pois está baseada em achados em que os fundamentos da TC se mostram sólidos: resolução espacial e temporal e, neste caso específico de calcificações, resolução de contraste. Olhando para um futuro mais longínquo, estaria o EC como o conhecemos hoje fadado ao desaparecimento? Seria interessante imaginar que em um mesmo rastreamento, pulmonar oncológico ou cardíaco, ambas as informações estariam disponíveis em apenas um exame? Não acredito que faça sentido a medicina caminhar em uma direção na qual, por facilidade técnica, o papel do médico fique reduzido, ou pior, abdicado. Esse caminho é perigoso e já se mostrou repleto de falhas. A complexidade da pergunta para o método científico é enorme, as populações são extremamente diferentes e os cenários clínicos muito variáveis. Chegar à conclusão de que uma população que veio para uma avaliação de risco coronariano se beneficiou com redução de mortalidade de eventuais neoplasias pulmonares por um rastreamento complementar que ele não tinha fatores, bem, vocês têm uma ideia de onde quero chegar. Melhor imaginar que, na eventualidade de uma análise torácica, com indicação clínica, temos condições de apresentar uma análise coronariana, mesmo qualitativa, ou melhor, quantitativa, prevenindo o paciente de uma nova exposição à radiação, novo tempo de exame e custos, com resultados semelhantes. Isso me parece fazer mais sentido. Algumas coisas são certas frente a este cenário. É inadmissível hoje que o radiologista não reporte a calcificação coronariana em um exame de tomografia de tórax. Parece que já estamos na tendência de ser inaceitável que o laudo não traga uma análise qualitativa dessa carga aterosclerótica. É bom nos prepararmos, porque em um futuro próximo seremos solicitados a apresentar uma análise também quantitativa. Só não precisamos nos preparar para sermos ressarcidos por essa análise. Não, para isso, o caminho é bem mais doloroso que o da comprovação científica. REFERÊNCIAS 1. Azevedo CF, Rochitte CE, Lima JA. Coronary artery calcium score and coronary computed tomographic angiography for cardiovascular risk stratification. Arq Bras Cardiol. 2012;98:559–68. 2. Sara L, Szarf G, Tachibana A, et al. II Diretriz de Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia e do Colégio Brasileiro de Radiologia. Arq Bras Cardiol. 2014;103(6 Supl 3):1–86. 3. Neves PO, Andrade J, Monção H. Coronary artery calcium score: current status. Radiol Bras. 2017;50:182–9. 4. Assunção FB, Oliveira DCL, Souza VF, et al. Cardiac magnetic resonance imaging and computed tomography in ischemic cardiomyopathy: an update. Radiol Bras. 2016;49:26–34. 5. Rochitte CE. Cardiac MRI and CT: the eyes to visualize coronary arterial disease and their effect on the prognosis explained by the Schrödinger''s cat paradox. Radiol Bras. 2016;49(1):vii–viii. 6. Assunção FB, Oliveira DCL, Santos AASMD, et al. Caseous calcification of the mitral annulus: computed tomography features. Radiol Bras. 2016;49:273–4. 7. Pelandré GL, Sanches NMP, Nacif MS, et al. Detection of coronary calcification with nontriggered computed tomography of the chest. Radiol Bras. 2018;51:8–12. 8. Chiles C. Lung cancer screening with low-dose computed tomography. Radiol Clin North Am. 2014;52:27–46. Radiologista da Lotus Radiologia, Pós-graduando da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil. E-mail: hsimtrad@gmail.com |