EDITORIAIS
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Autho(rs): Omir Antunes Paiva1; Luciano M. Prevedello2 |
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A inteligência artificial (IA) trará mudanças profissionais para o radiologista, da mesma forma que tem modificado diversos aspectos da nossa vida. Desde a eletricidade, a internet e mais recentemente a IA, as general purpose technologies possibilitaram o progresso das sociedades e a melhora da qualidade de vida.
Os radiologistas, porém, não serão os únicos, tampouco os primeiros, a terem sua profissão modificada pela IA. Outras áreas da medicina também passam por esta experiência. Recentemente, um grupo de pesquisadores desenvolveu um software para celulares que diferenciava melanomas de lesões não malignas com maior acurácia que os dermatologistas participantes do estudo(1). Embora o papel do dermatologista seja muito mais amplo que a classificação de lesões, esse pode ser o primeiro indício de que a IA também modificará o mercado de trabalho nesse campo. Atualmente, a grande maioria dos exames laboratoriais é analisada automaticamente, e isso parece não incomodar ninguém. A necessidade de uma pessoa treinada para quantificar hemácias já deixou de existir há muito tempo. Do mesmo modo, os avanços em estudos com diagnósticos automáticos de espécimes histopatológicos começam a produzir resultados por vezes superiores à análise humana(2). Os principais fatos que permitiram que tais avanços ocorressem foram a abundância de dados, o desenvolvimento de redes neurais artificiais e o barateamento do hardware: Dados são coletados hoje por diversos instrumentos, e se a IA é a nova eletricidade, o carvão da atualidade são os dados. O desenvolvimento de redes neurais artificiais permitiu solucionar alguns problemas de outras técnicas de machine learning. Nos métodos tradicionais, que são a base de funcionamento de alguns softwares de auxílio diagnóstico — por exemplo, computer-aided diagnosis —, o aumento da quantidade de dados condiciona uma melhora da acurácia até um certo ponto. Com o deep learning, técnica que se utiliza de camadas ocultas de redes neurais artificiais, a acurácia tende a continuar aumentando à medida que novos dados são adicionados. Isso permitiu, por exemplo, que em 2015, pela primeira vez, em uma competição anual de reconhecimento de objetos em imagens cotidianas, o desempenho da máquina superasse o humano(3). O deep learning é uma das técnicas de machine learning, que por sua vez é um dos ramos da IA. O barateamento de hardware, notadamente dos dispositivos de processamento e de armazenamento, também fomentou o avanço na área. Atualmente, pode-se adquirir um laptop com a mesma capacidade de processamento que o supercomputador mais potente do ano de 2000, com a diferença que o laptop custará cerca de 40 mil vezes menos que os 110 milhões de dólares gastos no supercomputador e pesará muito menos que 106 toneladas(4). Os avanços no campo do computer vision têm despertado o interesse de gigantes da tecnologia e diversos setores governamentais para áreas de grande interesse global e muito lucrativas. Carros autônomos e drones com reconhecimento automático de alvos são equipamentos que exigem processamento instantâneo das imagens, não toleram erros e supostamente não devem contar com um humano prontamente apto a modificar o seu funcionamento. Embora essa dispersão possa aparentemente contribuir para um atraso na influência da IA no mercado da radiologia, avanços obtidos nos setores automobilísticos e espacial são comumente catalisadores de avanços em outros setores, podendo, na realidade, acelerar novas descobertas no campo do diagnóstico por imagem. A implementação das técnicas de IA na imagem médica tem seus desafios peculiares. Diagnósticos nem sempre são comprovados, classificações e conceitos nem sempre são unânimes, tampouco eternos(5). As estruturas corporais apresentam grande variação de dimensões e texturas normais, dentre as quais as situações patológicas se mascaram. O conhecimento referente à análise automática de imagens médicas tem se difundido rapidamente. Como exemplo, tem-se o último Data Science Bowl(6), que ofereceu um total de um milhão de dólares em prêmios para equipes que desenvolvessem e disponibilizassem os melhores algoritmos de classificação automática de nódulos em tomografias de tórax. Várias equipes participantes nunca tinham trabalhado com imagens médicas e provavelmente muitas passaram a trabalhar nesta área graças a esta competição. O impacto da IA na rotina do radiologista deve ocorrer de maneira gradativa. Softwares fornecerão dados que não conseguimos extrair das imagens, priorizarão exames de acordo com a gravidade(7), dentre outros recursos, passarão gradativamente a fazer parte da rotina. Em determinadas áreas da radiologia, a IA já está se mostrando capaz de gerar partes do laudo radiológico com descrição preliminar dos achados de imagem e mensuração de algumas lesões. Mas a principal contribuição do radiologista não está em simplesmente fornecer essas informações e sim integrá-las com os dados clínicos do paciente, contribuindo de forma mais holística no diagnóstico e tratamento individualizado do paciente. Esse tipo de integração da informação levará mais tempo para ser replicado pela máquina. De qualquer modo, radiologistas que souberem usar a tecnologia a seu favor terão uma clara vantagem em relação aos que resistirem à ela. Um menor tempo necessário para laudar exames pode implicar um maior tempo para a atenção direta ao paciente, para desempenhar um melhor papel de diagnosticador, junto com dados provenientes de diversas fontes, não apenas baseado na imagem(8). Além disso, a formação geral de um radiologista vai além da interpretação de imagens, incluindo a execução de procedimentos minimamente invasivos, controle de qualidade, gestão, discussões multidisciplinares e o papel de consultor (seleção do método de imagem mais apropriado para responder a uma determinada questão clínica). A radiologia já experimentou extremas mudanças em seu mercado, decorrentes de avanços tecnológicos. Empregos não deixam de existir, mas os papéis são redefinidos. Caso disséssemos para um radiologista, há trinta anos, que os exames radiográficos contrastados cairiam em desuso, provavelmente ele ficaria pessimista em relação ao seu mercado de trabalho. Ao contrário disso, os métodos de imagem que surgiram após as radiografias possibilitaram uma expansão do mercado de trabalho. Os radiologistas que não se adaptaram às mudanças e não aprenderam as novas técnicas, de fato, têm mais dificuldade no mercado de trabalho atual. A nossa especialidade deverá se adaptar às inúmeras modificações que a IA possibilitará, mas sem dúvida haverá avanços que beneficiarão o diagnóstico e cuidado dos pacientes. REFERÊNCIAS 1. Esteva A, Kuprel B, Novoa RA, et al. Dermatologist-level classification of skin cancer with deep neural networks. Nature. 2017;542:115-8. 2. Liu Y, Gadepalli K, Norouzi M, et al. Detecting cancer metastases on gigapixel pathology images. [Internet]. [cited 2017 Aug 3]. Available from: http://arxiv.org/pdf/1703.02442.pdf. 3. He K, Zhang X, Ren S, et al. Delving deep into rectifiers: surpassing human-level performance on imageNet classification. [Internet]. [cited 2017 Aug 3]. Available from: https://arxiv.org/pdf/1502.01852.pdf. 4. Oram A. Peer-to-peer. Harnessing the power of disruptive technologies. Sebastopol, CA: O'Reilly & Associates; 2001. 5. Kohli M, Prevedello LM, Filice RW, et al. Implementing machine learning in radiology practice and research. AJR Am J Roentgenol. 2017;208:754-60. 6. Kaggle. Data Science Bowl 2017. [Internet]. [cited 2017 Aug 3]. Available from: https://www.kaggle.com/c/data-science-bowl-2017. 7. Prevedello LM, Erdal BS, Ryu JL, et al. Automated critical test findings identification and online notification system using artificial intelligence in imaging. Radiology. 2017 Jul 3:162664. (Epub ahead of print]. 8. Jha S, Topol EJ. Adapting to artificial intelligence: radiologists and pathologists as information specialists. JAMA. 2016;316:2353-4. 1. Médico Radiologista, Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: omir@outlook.com 2. Mestre, Médico Neurorradiologista, Chefe da Divisão de Informática em Imagem Médica, The Ohio State University Wexner Medical Center, Columbus, OH, EUA. E-mail: luciano.prevedello@osumc.edu |