Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 50 nº 3 - Maio / Jun.  of 2017

RELATO DE CASO
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Page(s) 197 to 198



Gravidez ectópica em cicatriz de cesariana: invasão da parede vesical detectada pela ressonância magnética

Autho(rs): Nelson Marcio Gomes Caserta1; Angela Maria Bacha2; Oswaldo R. Grassiotto2

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Texto em Português English Text

Descritores: Gravidez ectópica; Cesariana; Bexiga urinária; Hematúria; Ressonância magnética.

Keywords: Pregnancy, ectopic; Cesarean section; Urinary bladder; Hematuria; Magnetic resonance imaging.

Resumo:
Gestação em cicatriz de cesariana é a forma mais rara de gravidez ectópica, mas com aumento devido ao maior número de cesarianas. O diagnóstico tardio pode provocar hemorragia grave, com risco de morte, mas se precoce pode reduzir as complicações. Relatamos um caso com invasão da parede da bexiga, provocando hematúria, e que foi demonstrada pela ressonância magnética.

Abstract:
Although cesarean scar ectopic pregnancy continues to be the rarest form of ectopic pregnancy, its incidence is increasing because of the worldwide increase in the number of cesarean deliveries. If the diagnosis is delayed, there is a high risk of severe hemorrhage and death, whereas early diagnosis can minimize the complications associated with the condition. Here, we report a case in which invasion of the bladder wall was identified by magnetic resonance imaging.

INTRODUÇÃO

Gestação ocorrendo na cicatriz de cesariana é uma forma rara de gravidez ectópica e é considerada condição potencialmente fatal(1,2). A invasão do miométrio pode provocar hemorragia uterina maciça(3). Nós relatamos um caso de gravidez ectópica em cicatriz de cesariana que invadiu a parede da bexiga e foi confirmada pela ressonância magnética (RM).


RELATO DO CASO

Paciente de 37 anos (grávida 5, para 4) foi encaminhada para nosso hospital com história de três semanas de hematúria macroscópica e sangramento vaginal indolor. A idade gestacional era imprecisa e foi estimada como de dez ou mais semanas, baseada na avaliação clínica.

A paciente estava hemodinamicamente estável e tinha antecedentes de quatro cesarianas sem complicações. Ultrassonografia (US) transabdominal mostrou massa heterogênea anembrionária no segmento uterino inferior, com hipervascularização e aparente extensão para a parede da bexiga. A dosagem sérica de hCG era de 38,8 mUI/mL (os valores esperados para uma gestação normal de dez semanas são de 25.700 a 288.000 mUI/mL). O exame de RM revelou massa heterogênea hiperintensa no miométrio do segmento anterior inferior do útero (Figura 1). Em um ponto esta massa invadia a parede da bexiga e se abria por um orifício na mucosa vesical, o que era identificado na RM (Figura 2). A cistoscopia confirmou o orifício da fístula e uma biópsia deste local demonstrou cistite crônica. Histerectomia com ressecção da lesão na parede da bexiga foi realizada. O exame anatomopatológico confirmou o diagnóstico de gravidez ectópica em cicatriz de cesariana, com invasão da parede da bexiga. A paciente apresentou evolução pós-operatória sem intercorrências.


Figura 1. A: Imagem axial de RM ponderada em T2 mostra massa heterogênea no istmo uterino à direita (setas). B: Após a administração do gadolínio, observa-se grande impregnação heterogênea da massa (setas).


Figura 2. A: Imagem coronal de RM ponderada em T2 demonstra ausência de miométrio normal (setas) rompido pela massa gestacional. B: Imagem sagital de RM ponderada em T2 na linha média mostra a cavidade endometrial vazia e o local de abertura (seta) da invasão da bexiga pela gravidez ectópica da cicatriz de cesariana.



DISCUSSÃO

A implantação de gestação na cicatriz de uma cesariana prévia constitui condição potencial de risco de vida e é considerada a forma mais rara de gravidez ectópica(4). Sabe-se que cesariana representa um dos fatores de risco para gravidez ectópica e doenças placentárias nas gestações subsequentes(5). Embora muitas hipóteses tenham sido propostas para esta rara condição, a explicação mais razoável seria que o trofoblasto penetraria no miométrio através de um trajeto microscópico(6).

O diagnóstico precoce com US pode oferecer opções capazes de evitar a ruptura uterina e hemorragia e, portanto, preservar o útero(4). Curetagem é contraindicada, em razão de o tecido trofoblástico estar fora da cavidade uterina(4). Opções de tratamento não cirúrgico incluem metotrexate sistêmico e local, cloreto de potássio e glicose hiperosmolar, com relatos de sucesso(4,5,7). Entretanto, o procedimento cirúrgico primário por laparotomia e histerotomia, tão logo seja confirmado o diagnóstico, deve ser a melhor opção de tratamento(4).

A história clínica e a US transvaginal são muito úteis para diferenciar gravidez na cicatriz de cesariana, de aborto incompleto ou de gestação istmocervical. O nosso caso apresentou hematúria macroscópica, o que não é esperado como sintoma desta entidade. Aproximadamente 40% das pacientes com gravidez em cicatriz de cesariana apresentam somente sangramento vaginal indolor(1).

Alguns autores têm usado a RM como uma modalidade diagnóstica adicional. Há relato recente indicando que a RM com contraste pode ser usada como a modalidade de imagem inicial para diagnosticar gravidez ectópica em cicatriz de cesariana, em casos selecionados, permitindo um diagnóstico mais preciso antes do tratamento específico(8). Como a RM tem excelente resolução tecidual, ela pode localizar a implantação na cicatriz da cesariana, verificar a espessura da parede uterina anterior e propiciar uma visão precisa do espaço vesicouterino. Apesar de a invasão da parede vesical ser referida como possibilidade, não temos conhecimento de outros relatos na literatura com esta complicação diagnosticada pela RM. No nosso caso, a penetração da gravidez na parede da bexiga como causa da hematúria foi claramente demonstrada pela RM.


REFERÊNCIAS

1. Rotas MA, Haberman S, Levgur M. Cesarean scar ectopic pregnancies: etiology, diagnosis, and management. Obstet Gynecol. 2006;107:1373–81.

2. Kung FT, Huang TL, Chen CW, et al. Image in reproductive medicine. Cesarean scar ectopic pregnancy. Fertil Steril. 2006;85:1508–9.

3. Reyftmann L, Vernhet H, Boulot P. Management of massive uterine bleeding in a cesarean scar pregnancy. Int J Gynaecol Obstet. 2005;89:154–5.

4. Fylstra DL. Ectopic pregnancy within a cesarean scar: a review. Obstet Gynecol Surv. 2002;57:537–43.

5. Maymon R, Halperin R, Mendlovic S, et al. Ectopic pregnancies in a Caesarean scar: review of the medical approach to an iatrogenic complication. Hum Reprod Update. 2004;10:515–23.

6. Lee CL, Wang CJ, Chao A, et al. Laparoscopic management of an ectopic pregnancy in a previous Caesarean section scar. Hum Reprod. 1999;14:1234–6.

7. Shufaro Y, Nadjari M. Implantation of a gestational sac in a cesarean section scar. Fertil Steril. 2001;75:1217.

8. Huang Q, Zhang M, Zhai RY. The use of contrast-enhanced magnetic resonance imaging to diagnose cesarean scar pregnancies. Int J Gynaecol Obstet. 2014;127:144–6.










1. Livre-docente, Professor do Departamento de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil
2. Doutores, Professores do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Nelson M. G. Caserta
Departamento de Radiologia - FCM-Unicamp
Rua Vital Brasil, 251, Cidade Universitária Zeferino Vaz
Campinas, SP, Brasil, 13083-888
E-mail: ncaserta@fcm.unicamp.br

Recebido para publicação em 4/7/2014.
Aceito, após revisão, em 3/9/2014.

Trabalho realizado no Hospital de Clínicas e no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil.
 
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