RELATO DE CASO
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Autho(rs): Nelson Marcio Gomes Caserta1; Angela Maria Bacha2; Oswaldo R. Grassiotto2 |
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Descritores: Gravidez ectópica; Cesariana; Bexiga urinária; Hematúria; Ressonância magnética. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Gestação ocorrendo na cicatriz de cesariana é uma forma rara de gravidez ectópica e é considerada condição potencialmente fatal(1,2). A invasão do miométrio pode provocar hemorragia uterina maciça(3). Nós relatamos um caso de gravidez ectópica em cicatriz de cesariana que invadiu a parede da bexiga e foi confirmada pela ressonância magnética (RM). RELATO DO CASO Paciente de 37 anos (grávida 5, para 4) foi encaminhada para nosso hospital com história de três semanas de hematúria macroscópica e sangramento vaginal indolor. A idade gestacional era imprecisa e foi estimada como de dez ou mais semanas, baseada na avaliação clínica. A paciente estava hemodinamicamente estável e tinha antecedentes de quatro cesarianas sem complicações. Ultrassonografia (US) transabdominal mostrou massa heterogênea anembrionária no segmento uterino inferior, com hipervascularização e aparente extensão para a parede da bexiga. A dosagem sérica de hCG era de 38,8 mUI/mL (os valores esperados para uma gestação normal de dez semanas são de 25.700 a 288.000 mUI/mL). O exame de RM revelou massa heterogênea hiperintensa no miométrio do segmento anterior inferior do útero (Figura 1). Em um ponto esta massa invadia a parede da bexiga e se abria por um orifício na mucosa vesical, o que era identificado na RM (Figura 2). A cistoscopia confirmou o orifício da fístula e uma biópsia deste local demonstrou cistite crônica. Histerectomia com ressecção da lesão na parede da bexiga foi realizada. O exame anatomopatológico confirmou o diagnóstico de gravidez ectópica em cicatriz de cesariana, com invasão da parede da bexiga. A paciente apresentou evolução pós-operatória sem intercorrências. Figura 1. A: Imagem axial de RM ponderada em T2 mostra massa heterogênea no istmo uterino à direita (setas). B: Após a administração do gadolínio, observa-se grande impregnação heterogênea da massa (setas). Figura 2. A: Imagem coronal de RM ponderada em T2 demonstra ausência de miométrio normal (setas) rompido pela massa gestacional. B: Imagem sagital de RM ponderada em T2 na linha média mostra a cavidade endometrial vazia e o local de abertura (seta) da invasão da bexiga pela gravidez ectópica da cicatriz de cesariana. DISCUSSÃO A implantação de gestação na cicatriz de uma cesariana prévia constitui condição potencial de risco de vida e é considerada a forma mais rara de gravidez ectópica(4). Sabe-se que cesariana representa um dos fatores de risco para gravidez ectópica e doenças placentárias nas gestações subsequentes(5). Embora muitas hipóteses tenham sido propostas para esta rara condição, a explicação mais razoável seria que o trofoblasto penetraria no miométrio através de um trajeto microscópico(6). O diagnóstico precoce com US pode oferecer opções capazes de evitar a ruptura uterina e hemorragia e, portanto, preservar o útero(4). Curetagem é contraindicada, em razão de o tecido trofoblástico estar fora da cavidade uterina(4). Opções de tratamento não cirúrgico incluem metotrexate sistêmico e local, cloreto de potássio e glicose hiperosmolar, com relatos de sucesso(4,5,7). Entretanto, o procedimento cirúrgico primário por laparotomia e histerotomia, tão logo seja confirmado o diagnóstico, deve ser a melhor opção de tratamento(4). A história clínica e a US transvaginal são muito úteis para diferenciar gravidez na cicatriz de cesariana, de aborto incompleto ou de gestação istmocervical. O nosso caso apresentou hematúria macroscópica, o que não é esperado como sintoma desta entidade. Aproximadamente 40% das pacientes com gravidez em cicatriz de cesariana apresentam somente sangramento vaginal indolor(1). Alguns autores têm usado a RM como uma modalidade diagnóstica adicional. Há relato recente indicando que a RM com contraste pode ser usada como a modalidade de imagem inicial para diagnosticar gravidez ectópica em cicatriz de cesariana, em casos selecionados, permitindo um diagnóstico mais preciso antes do tratamento específico(8). Como a RM tem excelente resolução tecidual, ela pode localizar a implantação na cicatriz da cesariana, verificar a espessura da parede uterina anterior e propiciar uma visão precisa do espaço vesicouterino. Apesar de a invasão da parede vesical ser referida como possibilidade, não temos conhecimento de outros relatos na literatura com esta complicação diagnosticada pela RM. No nosso caso, a penetração da gravidez na parede da bexiga como causa da hematúria foi claramente demonstrada pela RM. REFERÊNCIAS 1. Rotas MA, Haberman S, Levgur M. Cesarean scar ectopic pregnancies: etiology, diagnosis, and management. Obstet Gynecol. 2006;107:1373–81. 2. Kung FT, Huang TL, Chen CW, et al. Image in reproductive medicine. Cesarean scar ectopic pregnancy. Fertil Steril. 2006;85:1508–9. 3. Reyftmann L, Vernhet H, Boulot P. Management of massive uterine bleeding in a cesarean scar pregnancy. Int J Gynaecol Obstet. 2005;89:154–5. 4. Fylstra DL. Ectopic pregnancy within a cesarean scar: a review. Obstet Gynecol Surv. 2002;57:537–43. 5. Maymon R, Halperin R, Mendlovic S, et al. Ectopic pregnancies in a Caesarean scar: review of the medical approach to an iatrogenic complication. Hum Reprod Update. 2004;10:515–23. 6. Lee CL, Wang CJ, Chao A, et al. Laparoscopic management of an ectopic pregnancy in a previous Caesarean section scar. Hum Reprod. 1999;14:1234–6. 7. Shufaro Y, Nadjari M. Implantation of a gestational sac in a cesarean section scar. Fertil Steril. 2001;75:1217. 8. Huang Q, Zhang M, Zhai RY. The use of contrast-enhanced magnetic resonance imaging to diagnose cesarean scar pregnancies. Int J Gynaecol Obstet. 2014;127:144–6. 1. Livre-docente, Professor do Departamento de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil 2. Doutores, Professores do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Nelson M. G. Caserta Departamento de Radiologia - FCM-Unicamp Rua Vital Brasil, 251, Cidade Universitária Zeferino Vaz Campinas, SP, Brasil, 13083-888 E-mail: ncaserta@fcm.unicamp.br Recebido para publicação em 4/7/2014. Aceito, após revisão, em 3/9/2014. Trabalho realizado no Hospital de Clínicas e no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil. |