ARTIGO DE REVISÃO
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Autho(rs): Priscilla Ornellas Neves1; Joalbo Andrade2; Henry Monção1 |
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Descritores: Calcinose/diagnóstico; Cardiomiopatias/diagnóstico; Tomografia computadorizada; Doenças cardiovasculares/epidemiologia; Doença da artéria coronária/epidemiologia. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
A doença cardiovascular é a principal causa de mortalidade no mundo, sendo a doença arterial coronariana (DAC) responsável por metade desses casos(1). Pelo menos 25% dos pacientes com infarto agudo do miocárdio e morte súbita não apresentam sintomas prévios(2). A identificação de indivíduos assintomáticos com maior risco de desenvolver eventos cardiovasculares futuros é fundamental para a implementação de estratégias preventivas. Os “escores de risco global” são bastante úteis, devendo ser utilizados como método de estratificação inicial, embora sejam capazes de predizer apenas 65% a 80% dos eventos cardiovasculares futuros(1,2). O escore de Framingham é um dos mais utilizados(2). A caracterização de calcificações nas artérias coronárias por meio da tomografia computadorizada tem equivalência com a carga aterosclerótica coronariana global e com o risco de eventos cardiovasculares(3). Nesta revisão sobre o escore de cálcio (EC) coronariano serão abordados os seguintes tópicos: protocolos de aquisição e quantificação; estratificação de risco coronariano e relação com os demais escores clínicos; EC em pacientes assintomáticos: indicações, interpretação e prognóstico; EC em pacientes sintomáticos; EC em pacientes diabéticos. PROTOCOLOS DE AQUISIÇÃO E QUANTIFICAÇÃO O EC coronariano foi inicialmente estudado em equipamento de tomografia por emissão de feixe de elétrons, sendo boa parte da literatura científica fundamentada nesta técnica(3). Entretanto, com o desenvolvimento da tomografia computadorizada multidetectores, esta passou a ser a modalidade de escolha para a avaliação do EC, tornando a tomografia por emissão de feixe de elétrons praticamente indisponível nos dias atuais. A determinação do EC coronariano com a tomografia computadorizada se baseia em cortes realizados no plano axial, com espessura de 3 mm, sem sobreposição ou gaps, limitado à área cardíaca, adquiridos em sincronização com o eletrocardiograma de forma prospectiva, em um momento pré-determinado do intervalo R-R, geralmente no meio/fim da diástole(1), sem uso do meio de contraste intravenoso. A dose de radiação efetiva costuma ser baixa, geralmente menor que 1,5 mSv(3), valor que a Society of Cardiovascular Computed Tomography recomenda como sendo a maior dose de radiação efetiva alcançada na aquisição das imagens(1). A calcificação é determinada como uma imagem hiperatenuante, com mais de 130 Unidades Hounsfield (UH) e área ≥ 3 pixels adjacentes (pelo menos 1 mm2)(4). Os sistemas mais utilizados para a quantificação do EC coronariano são: método de Agatston(4); volume de cálcio(5); massa de cálcio(6). Os dois primeiros são os mais utilizados, principalmente o método de Agatston, considerado referência para a maioria dos bancos de dados populacionais e publicações com estratificação de risco, sendo, portanto, o mais empregado na prática clínica. Os escores de volume e massa de cálcio têm demonstrado melhor reprodutibilidade(7). Método de Agatston — Utiliza a soma ponderada das lesões com densidade acima de 130 UH, multiplicando a área do cálcio por um fator relacionado à atenuação máxima da placa: fator 1 — se atenuação máxima < 200 UH; fator 2 — se atenuação máxima entre 200 e 300 UH; fator 3 — se atenuação máxima entre 300 e 400 UH; fator 4 — se atenuação máxima ≥ 400 UH. Desta forma, a espessura de corte e o intervalo devem seguir os protocolos originais para reduzir a variação do ruído e, consequentemente, da atenuação máxima das placas, permitindo reproduzir os escores originais já publicados. Escore de volume — Tem se mostrado um método mais robusto e reprodutível(8). É calculado multiplicando-se o número de voxels com calcificação pelo volume de cada voxel, incluindo todos os voxels com atenuação > 130 UH. Entretanto, este método é particularmente sensível a volume parcial (principalmente em placas com alta atenuação) e sujeito a variabilidade entre diferentes exames, dependendo da posição da placa no corte axial adquirido. Escore de massa relativo — É calculado multiplicando-se a atenuação média da placa calcificada pelo volume da placa em cada imagem, reduzindo a variação causada pelo volume parcial. O escore de massa absoluto utiliza um fator de correção baseado na atenuação da água(8). ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO CORONARIANO E RELAÇÃO COM OS DEMAIS ESCORES CLÍNICOS O EC tem papel relevante na estratificação de risco cardiovascular. Diversos estudos demonstraram que o EC coronariano apresenta associação significativa com a ocorrência de eventos cardiovasculares maiores (morte por todas as causas, morte cardíaca e infarto agudo do miocárdio não fatal) no acompanhamento de médio e longo prazo. Consenso publicado pelo American College of Cardiology Foundation/American Heart Association(9) combinou dados de seis grandes estudos que incluíram 27.622 pacientes assintomáticos e calculou o risco relativo de eventos cardiovasculares maiores em pacientes com EC positivo comparado aos pacientes que apresentavam EC igual a zero, com os seguintes resultados: — EC entre 100 e 400: risco relativo de 4,3 (índice de concordância 95% [IC 95%] de 3,1 a 6,1); — EC entre 401 e 999: risco relativo de 7,2 (IC 95% de 5,2 a 9,9); — EC igual ou acima de 1.000: risco relativo de 10,8 (IC 95% de 4,2 a 27,7). O EC foi estudado em associação com outros sistemas de escores clínicos de risco tradicionais bem estabelecidos, sobretudo o escore de Framingham , mostrando as seguintes vantagens: a) valor adicional independente na predição de todas as causas de mortalidade por doença coronariana em grupos de indivíduos assintomáticos(9); b) reclassificação na categoria de risco por doença arterial coronariana: 60% dos eventos ateroscleróticos coronarianos ocorrem em pacientes de risco baixo ou intermediário, seguindo as categorias de risco do escore de Framingham. Como exemplo, pacientes com risco intermediário pelo escore de Framingham que apresentam EC maior que 300 possuem frequência anual de 2,8% de ter infarto miocárdio ou morte de natureza coronariana, que o colocaria em uma categoria de alto risco (frequência de evento em cerca de 28% em 10 anos)(10). O escore de Framingham é um método de estratificação de risco cardiovascular simples e de baixo custo, que pode ser realizado no consultório médico e estabelece o risco de DAC em 10 anos. Este leva em consideração: faixa etária do paciente, gênero, valores de pressão arterial sistólica, valores da razão entre o colesterol total e a fração HDL, tabagismo e diabetes. O EC tem valor adicional ao escore de Framingham e a outros métodos, com aumento substancial na correta estratificação de risco(1,11-13). É importante destacar que pacientes classificados como de risco intermediário pelo escore de Framingham e com EC elevado apresentam incidência igual ou maior de eventos cardiovasculares quando comparados a pacientes com risco alto pelo escore de Framingham e EC baixo(1). Segundo estatísticas norte-americanas, apenas 1% das mulheres entre 50 e 59 anos e 9% dos homens entre 60 e 69 anos seriam classificados como risco intermediário ou alto, pelos critérios de Framingham. Entretanto, a incidência de eventos nestes grupos é de até 60% e 92%, respectivamente(14). O EC é também um preditor de risco independente de eventos cardiovasculares maiores, com demonstrada superioridade em relação ao escore de Framingham, dosagem da proteína C reativa e medida da espessura médio-intimal carotídea(11,13,15-18). Vários estudos utilizaram a curva receiver operating characteristic (ROC)/estatística-C para comparar os diferentes métodos preditores de eventos cardiovasculares. A curva ROC é um gráfico de sensibilidade (ou taxa de verdadeiro-positivos) versus taxa de falso-positivos e permite comparar dois ou mais testes diagnósticos. A área sob a curva ROC varia de 0,5 a 1, sendo acima de 0,7 considerado desempenho satisfatório. Estudo de Detrano et al.(19), que seguiu 6.722 pacientes por um tempo médio de 3,9 anos e comparou fatores de risco clínicos (idade, gênero, pressão arterial, colesterol sérico, tabagismo, diabetes, história familiar de DAC, proteína C reativa sérica, triglicérides sérico, creatinina sérica, índice de massa corpórea, circunferência abdominal, circunferência do quadril) usados isoladamente e em associação com o EC, encontrou área sob a curva ROC de 0,79 e 0,83, respectivamente. Outros trabalhos(11-13,20) são resumidos na Tabela 1. EC EM PACIENTES ASSINTOMÁTICOS: INDICAÇÕES, INTERPRETAÇÃO E PROGNÓSTICO Indicações do EC A indicação do EC em indivíduos assintomáticos com risco intermediário, de acordo com métodos de estratificação clínicos tradicionais, como o escore de Framingham, é considerada apropriada/recomendada, com bom nível de evidência pela II Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia/Colégio Brasileiro de Radiologia e vários consensos internacionais(18,21-25). Os indivíduos de alto risco não têm indicação para realização do EC, já que medidas preventivas agressivas já estariam indicadas nestes pacientes(1). Dentro do grupo de pacientes classificados como baixo risco, tem-se tentado identificar um subgrupo com risco significativo de evento cardiovascular em longo prazo, para os quais medidas preventivas devam ser adotadas. Evidências recentes demonstraram que história familiar de DAC prematura (em familiar de primeiro grau do sexo masculino < 55 anos ou do sexo feminino < 65 anos) é fator de risco independente e está associado a maior carga aterosclerótica(1). A Tabela 2 resume as recomendações do uso do EC em pacientes assintomáticos, segundo as principais diretrizes. Interpretação do resultado do EC Os valores obtidos do EC podem ser interpretados e classificados de duas formas: 1) utilizando-se os valores absolutos com pontos de corte fixos; 2) valores ajustados para idade, sexo e etnia do paciente (percentis de distribuição na população geral calculados por vários bancos de dados populacionais, sendo o estudo MESA(26) o mais utilizado). O estudo MESA é uma cohort prospectiva desenhada para investigar prevalência, fatores de risco e progressão da doença cardiovascular subclínica, com seguimento de 6.814 pacientes inicialmente assintomáticos, entre 45 e 84 anos, incluindo brancos, negros, hispânicos e chineses residentes em diversos estados dos Estados Unidos(26). O estudo MESA demonstrou que calcificações coronarianas foram mais frequentes em homens. Escore zero foi observado em 62% das mulheres e em 40% dos homens desta população. Quanto à etnia, os brancos foram os que apresentaram a maior prevalência de calcificação coronariana em ambos os sexos. No grupo masculino, os negros foram os que apresentaram menor prevalência de forma geral e, no grupo feminino, as hispânicas. Considerando-se apenas os pacientes mais idosos, os chineses foram os que apresentaram a menor prevalência de calcificação coronariana em ambos os sexos(26). O cálculo do percentil pode ser feito no site http://www.mesa-nhlbi.org/Calcium/input.aspx inserindo-se o EC do paciente (conforme método do escore de Agatston), idade, sexo e etnia. Os pacientes com doença cardiovascular conhecida (infarto agudo do miocárdio, angina, acidente vascular cerebral, fibrilação atrial, uso de nitroglicerina, pacientes já submetidos a angioplastia, revascularização miocárdica, dispositivo de estimulação cardíaca ou qualquer cirurgia cardíaca ou arterial) e com diabetes em tratamento não devem ser incluídos nesta análise, uma vez que não foram incluídos na população do estudo MESA (Figura 1). Figura 1. Ferramenta para cálculo do escore de cálcio em percentis, de acordo com a distribuição por idade, gênero e etnia, conforme o estudo MESA. A classificação mais utilizada para categorização dos ECs utilizando os valores absolutos e os baseados em percentis ajustados para sexo, idade e etnia estão demonstrados na Tabela 3, além de sua interpretação clínica(15,18). Ambas as formas de classificação proporcionam informações prognósticas valiosas e devem estar presentes nos laudos. Exemplos de EC de dois pacientes, com os valores absolutos e os baseados em percentis ajustados para sexo, idade e etnia, segundo o estudo MESA, são vistos nas Figuras 2 e 3. Figura 2. Escore de cálcio coronariano em mulher branca de 51 anos. A: Placa calcificada na artéria descendente anterior. Escore de cálcio coronariano = 36 (Agatston), compatível com calcificação coronariana discreta, indicando risco cardiovascular baixo. B: Se for utilizado o escore de cálcio ajustado para idade, gênero e etnia, conforme o estudo MESA, o escore de cálcio coronariano deve ser considerado acentuado, passando a indicar risco cardiovascular acentuado, pois se encontra acima do percentil 90 para este grupo. Figura 3. Escore de cálcio coronariano em homem branco de 65 anos. A: Placas calcificadas na artéria descendente anterior, além de outras não demonstradas nas demais artérias coronárias. Escore de cálcio coronariano = 285 (Agatston), compatível com calcificação coronariana moderada, indicando risco cardiovascular moderado. B: Se for utilizado o escore de cálcio ajustado para idade, gênero e etnia, conforme o estudo MESA, o escore de cálcio deve ser considerado discreto, indicando risco cardiovascular baixo, pois se encontra abaixo do percentil 75 para este grupo. C: Se este mesmo valor de escore de cálcio (285 Agatston) fosse encontrado em mulher da mesma idade e etnia, seu escore ajustado seria considerado acentuado, indicando risco cardiovascular acentuado, acima do percentil 90. Vários estudos têm demonstrado a utilização dos valores do EC para orientar o manejo clínico dos pacientes assintomáticos. Diretrizes do National Cholesterol Education Program recomendam a intensificação da redução do colesterol LDL em pacientes com múltiplos fatores de risco e EC acima do percentil 75(27). Outros estudos correlacionam os valores do EC e a utilização de estatinas e aspirina na prevenção primária(28,29). A Tabela 4 resume alguns desses trabalhos. Prognóstico do EC igual a zero em pacientes assintomáticos Já foi demonstrado, em vários estudos, que pacientes assintomáticos com EC igual a zero apresentam baixo risco de evento cardiovascular ou mortalidade por todas as causas, em médio e longo prazo(9). Em meta-análise publicada em 2009(30) foram incluídos 13 estudos, totalizando 29.312 pacientes, com seguimento médio de 50 meses, sendo observado evento cardiovascular, em média, de 0,47% dos pacientes com escore 0 e de 4,14% dos pacientes com escore positivo, correspondendo a um risco relativo de 0,15 (IC 95% de 0,11 a 0,21; p < 0,001). Em cohort publicada por Budoff et al. em 2007(16) foram acompanhados 25.253 pacientes por até 12 anos (média de 6,8 anos), demonstrando baixa mortalidade desses indivíduos (0,4%), confirmando o baixo risco de mortalidade em longo prazo associado ao EC zero. Entretanto, ainda não há recomendações de se reduzir as medidas preventivas, como medicações hipolipemiantes, se o paciente estiver classificado como risco intermediário ou alto nos escores tradicionais(9,18). Quando repetir o EC? Estudos têm demonstrado que o aumento do EC pode ter valor na prática clínica para avaliação da progressão das placas ateroscleróticas e do risco cardiovascular futuro(1,31,32). Não há um método bem definido para calcular esta progressão. Quanto maior o EC, maior a variabilidade entre os estudos(32-34). A avaliação de progressão é hiperestimada quando se utilizam valores absolutos em pacientes com EC inicial alto. Se for utilizada a porcentagem de aumento em relação ao exame inicial, os pacientes com escore baixo terão sua progressão hiperestimada. Por exemplo, se um paciente apresenta um EC inicial de 10 e no controle de 15, a progressão seria de 50%, o que corresponderia a uma progressão de 100 para 150 em um paciente com escore mais elevado(32,33). Estudos preliminares demonstraram que um aumento ≥ 15%/ano no volume de cálcio coronariano estaria relacionado a um aumento de 17 vezes no risco de evento cardiovascular(23). Atualmente, o método mais aceito é o proposto por Hokanson et al., que sugere um modelo matemático de regressão, com transformação da raiz quadrada do volume de cálcio coronariano, considerando progressão significativa um aumento ≥ 2,5 mm3(34). Alguns autores sugerem que o volume de cálcio seja relatado no laudo para possíveis comparações futuras. Entretanto, mais estudos prospectivos são necessários e não há dados suficientes para a utilização da progressão do EC na prática clínica nos dias atuais. Além disso, especula-se a utilização do EC para monitoramento de terapêutica medicamentosa, especialmente das estatinas. Estudos preliminares retrospectivos e cohorts prospectivas sugerem uma redução na progressão do EC com o uso de estatinas. Entretanto, estes resultados não foram reproduzidos em experimentos randomizados controlados(1,32). O tratamento com estatinas pode reduzir as placas fibrolipídicas, mas sua ação nas placas calcificadas é questionável. Fisiopatologicamente, este medicamento pode promover microcalcificações nas placas, podendo até aumentar o EC(32). Dessa forma, os consensos disponíveis até o momento não indicam que o EC seja realizado como método de monitoramento de intervenções terapêuticas. Quanto ao seguimento de pacientes com EC igual a zero, estudos têm mostrado que um exame de controle não estaria indicado antes de quatro ou cinco anos(28,29). Min et al. mostraram progressão do EC igual a zero para EC positivo de 0,5% no primeiro ano, 1,2% no segundo ano, 5,7% no terceiro ano, 6,2% no quarto ano e 11,6% no quinto ano, com tempo médio de 4,1 (± 0,9) anos. Pacientes diabéticos, tabagistas e maiores de 40 anos parecem ter um tempo de conversão mais acelerado(35). EC EM PACIENTES SINTOMÁTICOS Meta-análise baseada em artigos publicados entre 1990 e 2008 analisou o EC em pacientes sintomáticos, correlacionando com a ocorrência de evento cardiovascular, a presença de estenose significativa em angiografia, a acurácia diagnóstica do EC para isquemia miocárdica e a detecção de síndrome coronariana aguda no departamento de emergência(30). A seguir serão discutidas estas correlações. EC zero e ocorrência de evento cardiovascular Foram incluídos sete estudos, totalizando 3.924 pacientes, com seguimento médio de 42 meses, sendo observado evento cardiovascular, em média, de 1,8% dos pacientes com escore 0 e de 8,99% dos pacientes com escore positivo, correspondendo a um risco relativo de 0,09 (IC 95% de 0,04 a 0,20; p < 0,001)(30). Apesar de poucos estudos com pacientes sintomáticos, já há evidências demonstrando o menor risco de evento cardiovascular nestes indivíduos com escore zero. Entretanto, mais trabalhos são necessários para demonstrar o real papel do EC nos pacientes sintomáticos, juntamente com outros métodos diagnósticos, como a angiotomografia coronariana e a perfusão miocárdica com estresse. EC zero e estenose significativa em angiografia coronária Foram incluídos 18 estudos, totalizando 10.355 pacientes sintomáticos submetidos a cateterismo por suspeita de DAC ou síndrome coronariana aguda, sendo observada estenose > 50% em 56% dos pacientes, e 98% destes apresentando EC positivo. Estes dados, em conjunto, revelam sensibilidade de 98% do EC positivo como preditor de estenose > 50%, especificidade de 40%, valor preditivo negativo (VPN) de 93% e valor preditivo positivo (VPP) de 68%(30). Com base neste alto VPN, alguns autores sugerem que pacientes com EC zero não necessitariam de mais exames complementares. Entretanto, outros estudos demonstraram que a ausência de calcificação coronariana não é capaz de excluir com segurança a presença de redução luminal significativa. Destacam-se dois estudos: — Subgrupo do estudo CORE64: Gottlieb et al. demonstraram VPN de 68%, concluindo que um EC zero não exclui doença coronariana(36). Deve-se considerar, porém, que nesse estudo os pacientes apresentavam maior probabilidade pré-teste para doença coronariana. — Subgrupo do registro CONFIRM, que incluiu 10.037 pacientes sintomáticos, mostrou estenoses coronárias ≥ 50% e ≥ 70% em 3,5% e 1,4% dos pacientes com EC zero(37). EC zero e isquemia miocárdica em estudos de perfusão miocárdica Foram incluídos oito estudos, totalizando 3.717 pacientes submetidos a perfusão miocárdica com estresse, sendo observada isquemia miocárdica, em média, de 7% dos pacientes com escore zero e de 13% dos pacientes com escore positivo, correspondendo a um odds ratio de 0,086 (IC 95% de 0,024 a 0,0311; p < 0,0001). O VPN foi 93%(30). EC zero e síndrome coronariana aguda no departamento de emergência Foram incluídos três estudos, totalizando 431 pacientes com dor torácica aguda, troponina negativa e eletrocardiograma duvidoso, sendo observada síndrome coronariana aguda em apenas 1,1% dos pacientes com escore zero, revelando sensibilidade de 99%, especificidade de 57%, VPN de 99% e VPP de 24% para EC positivo como preditor de síndrome coronariana aguda. A amostra analisada foi pequena, não permitindo concluir o papel do EC na emergência(30). O consenso da ACCF/AHA(9) sugere que o EC possa ser utilizado como filtro antes da indicação de angiografia coronariana ou internação hospitalar de pacientes com dor torácica, especialmente os com sintomas atípicos. O consenso publicado pelo The National Institute for Health and Clinical Excellence recomenda que o EC seja realizado em pacientes com dor torácica de risco baixo a intermediário. Se EC igual a zero, nenhum outro exame estaria indicado; se EC entre 1 e 400, o consenso recomenda a angiotomografia computadorizada coronariana; e se EC > 400, a angiografia coronariana estaria indicada(38). A determinação isolada do EC é bastante limitada para avaliação de paciente com suspeita de síndrome coronariana aguda. Portanto, a probabilidade pré-teste de evento cardiovascular sempre deve ser valorizada na interpretação do resultado do EC como filtro ou ferramenta para determinar a conduta clínica e indicação de outros métodos diagnósticos, mais ou menos invasivos, em indivíduos sintomáticos. EC EM PACIENTES DIABÉTICOS Pacientes diabéticos apresentam risco de eventos cardiovasculares semelhante ao dos pacientes com doença aterosclerótica clínica prévia(18). Apesar deste maior risco cardiovascular e maior prevalência de isquemia em testes funcionais, até o momento não há evidências de que a pesquisa rotineira de isquemia silenciosa reduza a mortalidade nesse grupo de pacientes. Por outro lado, a presença de qualquer grau de cálcio na artéria coronária em pacientes com diabetes mellitus significa maior risco de mortalidade por todas as causas do que em pacientes não diabéticos(33). Kramer et al. revisaram oito estudos envolvendo 6.521 pacientes e observaram que indivíduos diabéticos com EC coronariano menor que 10 foram 6,8 vezes menos suscetíveis a mortalidade por todas as causas e eventos cardiovasculares, bem como por eventos cardiovasculares isolados. EC coronariano maior que 10 está associado a um risco aumentado de mortalidade e eventos cardiovasculares nestes indivíduos, com alta sensibilidade e baixa especificidade(39). Várias diretrizes internacionais demonstraram que a pesquisa de isquemia silenciosa não se justifica em pacientes diabéticos com EC menor que 100 e é recomendada nos casos de EC maior que 400(18). Dessa forma, o EC possibilita a melhor estratificação do risco cardiovascular no heterogêneo grupo de diabéticos, permitindo a identificação dos indivíduos de maior risco que poderiam se beneficiar do rastreamento de isquemia silenciosa e do tratamento clínico mais agressivo. Por outro lado, a ausência de cálcio coronariano indica baixo risco de morte em curto prazo, sendo a taxa de mortalidade anual semelhante à de indivíduos não diabéticos(18,33). CONCLUSÃO O EC é um marcador de risco independente para eventos cardíacos, morte cardíaca e morte por todas as causas. Além disso, proporciona informações prognósticas adicionais a outros marcadores de risco cardiovascular. Suas indicações já bem estabelecidas incluem estratificação de risco cardiovascular global para pacientes assintomáticos nas seguintes situações: com risco intermediário pelo escore de Framingham (classe I); de baixo risco com história familiar de DAC precoce (classe IIa); e pacientes diabéticos de baixo risco (classe IIa). Em pacientes sintomáticos, a probabilidade pré-teste sempre deve ser valorizada na interpretação do resultado do EC como filtro ou ferramenta para indicar o melhor método no prosseguimento diagnóstico. Assim, a utilização do EC isolado em pacientes sintomáticos é limitada. Nos pacientes diabéticos, o EC auxilia na identificação dos indivíduos de maior risco que poderiam se beneficiar do rastreamento de isquemia silenciosa e do tratamento clínico mais agressivo. REFERÊNCIAS 1. Nasir K, Clouse M. Role of nonenhanced multidetector CT coronary artery calcium testing in asymptomatic and symptomatic individuals. Radiology. 2012;264:637–49. 2. 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