Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 50 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2017

CARTA AO EDITOR
Print 

Page(s) 136 to 137



Hematoma subcapsular esplênico e hemoperitônio espontâneo em usuário de cocaína

Autho(rs): Bruno Niemeyer de Freitas Ribeiro1; Rafael Santos Correia1; Tiago Medina Salata2; Fernanda Salata Antunes2; Edson Marchiori3

PDF Português      

PDF English

Texto em Português English Text

Sr. Editor,

Paciente masculino, 23 anos, apresentando dor abdominal intensa, súbita e progressiva, de início há 36 horas, predominantemente no hipocôndrio esquerdo, com irradiação para a região infraescapular homolateral. Negava traumas prévios, febre, cefaleia, fadiga, mialgias, artralgias, alterações cutâneas e não relatava comorbidades prévias. Ainda durante a investigação clínica, referiu tabagismo moderado, uso rotineiro de drogas ilícitas (cocaína), inclusive horas antes do início do quadro álgico. Ao exame físico estava orientado, estável hemodinamicamente e afebril. Sorologias para hepatites B e C e dengue negativas, e resultados normais para ANCA, FAN, VDRL, ureia, creatinina, VHS, proteína C-reativa e coagulograma. Eletroforese de hemoglobinas sem alterações.

Exame de tomografia computadorizada (TC) demonstrou volumosa coleção espontaneamente densa, compatível com conteúdo hemático, em íntima relação com o baço, além de hemoperitônio (Figura 1). Arteriografia não revelou alterações e na laparotomia exploratória observou-se hematoma subcapsular esplênico, hemoperitônio, sem evidência de lesão na cavidade.


Figura 1. TC demonstrando hematoma subcapsular e hemoperitônio. A: Corte axial, sem contraste, demonstrando as coleções espontaneamente densas (seta) adjacentes ao baço. B: Corte axial, pós-contraste, demonstrando as coleções espontaneamente densas adjacentes ao baço (seta), sem realce pelo contraste, configurando hematoma subcapsular. C: Corte axial, sem contraste, demonstrando líquido livre espontaneamente denso na pelve (seta), configurando hemoperitônio.



Considerando a ausência de trauma e aderências periesplênicas sugestivas de trauma prévio, o aspecto macroscópico normal do baço na TC e na laparotomia exploradora, associado à exclusão de doenças que comprometem o parênquima esplênico e o uso de cocaína imediatamente anterior, a hipótese de hemorragia esplênica atraumática pós-uso de cocaína foi estabelecida. Durante o acompanhamento clínico, o paciente evoluiu bem, sem intercorrências.

A literatura radiológica brasileira vem, recentemente, ressaltando a importância dos exames de TC e RM no aprimoramento do diagnóstico em alterações abdominais não traumáticas(1–5). As hemorragias esplênicas são situações raramente encontradas sem que haja um traumatismo prévio, podendo apresentar consequências fatais, sendo essencial seu diagnóstico precoce. As principais situações atraumáticas incluem neoplasias, processos inflamatórios/infecciosos, iatrogenias e processos mecânicos(6).

Os sinais clínicos das hemorragias esplênicas atraumáticas são semelhantes aos encontrados nos casos pós-trauma, os quais incluem dor no quadrante superior esquerdo, associada ou não a irradiação para o ombro esquerdo pela irritação infradiafragmática, e em casos mais graves evoluindo com instabilidade hemodinâmica. Considerando que tais manifestações são inespecíficas e não podem ser caracterizadas unicamente pelo exame físico, em pacientes hemodinamicamente estáveis, a avaliação por TC é fundamental na caracterização dos órgãos acometidos(6,7).

Atualmente, o Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína e seus derivados no mundo, ficando apenas atrás dos Estados Unidos(8). O mecanismo suposto para desencadear hemorragias com o uso de cocaína deve-se à estimulação de receptores alfa-adrenérgicos, os quais produzem vasoconstrição com consequente aumento da pressão sanguínea abdominal e redução esplênica de até 20% do seu volume, promovendo fluxo sanguíneo de alta pressão em um parênquima retraído e com baixa concentração de tecido conectivo de suporte, tornando este órgão mais propenso a sangramentos, os quais podem ser desencadeados até mesmo por tosse(6,9).

Dentre os diagnósticos diferenciais nas causas atraumáticas destacam-se dengue, mononucleose infecciosa, poliarterite nodosa, mediólise arterial segmentar, neoplasias, coagulopatia e hemoglobinopatias(6,7,9–12).

Concluindo, apesar de ser incomum a ocorrência de hemorragias esplênicas atraumáticas, devemos considerar a possibilidade de uso de cocaína como evento desencadeador, principalmente em pacientes jovens, previamente hígidos e sem comorbidades que justifiquem tal evento.


REFERÊNCIAS

1. Rocha EL, Pedrassa BC, Bormann RL, et al. Abdominal tuberculosis: a radiological review with emphasis on computed tomography and magnetic resonance imaging findings. Radiol Bras. 2015;48:181–91.

2. Barros RHO, Penachim TJ, Martins DL, et al. Multidetector computed tomography in the preoperative staging of gastric adenocarcinoma. Radiol Bras. 2015;48:74–80.

3. Bormann RL, Rocha EL, Kierzenbaum ML, et al. The role of gadoxetic acid as a paramagnetic contrast medium in the characterization and detection of focal liver lesions: a review. Radiol Bras. 2015;48:43–51.

4. Fernandes DA, Kido RYZ, Barros RHO, et al. Immunoglobulin G4-related disease: autoimmune pancreatitis and extrapancreatic manifestations. Radiol Bras. 2016;49:122–5.

5. Fajardo L, Ramin GA, Penachim TJ, et al. Abdominal manifestations of extranodal lymphoma: pictorial essay. Radiol Bras. 2016;49:397–402.

6. Azar F, Brownson E, Dechert T. Cocaine-associated hemoperitoneum following atraumatic splenic rupture: a case report and literature review. World J Emerg Surg. 2013;8:33.

7. Lin WY, Lin GM, Chang FY. An unusual presentation of scrub typhus with atraumatic hemoperitoneum. Am J Gastroenterol. 2009;104:1067.

8. Laranjeira R, Madruga CS, Pinsky I, et al. II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) – 2012. São Paulo: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas (INPAD), Unifesp; 2014.

9. Carlin F, Walker AB, Pappachan JM. Spontaneous splenic rupture in an intravenous drug abuser. Am J Med. 2014;127:e7–8.

10. Mukhopadhyay M, Chatterjee N, Maity P, et al. Spontaneous splenic rupture: a rare presentation of dengue fever. Indian J Crit Care Med. 2014;18:110–2.

11. Michael M, Widmer U, Wildermuth S, et al. Segmental arterial mediolysis: CTA findings at presentation and follow-up. AJR Am J Roentgenol. 2006;187:1463–9.

12. Redondo MC, Ríos A, Cohen R, et al. Hemorrhagic dengue with spontaneous splenic rupture: case report and review. Clin Infect Dis. 1997; 25:1262–3.










1. Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Hospital Casa de Portugal / Clínica 3D Diagnóstico por Imagem, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência:
Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer – Departamento de Radiologia
Rua do Rezende, 156, Centro
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 20231-092
E-mail: bruno.niemeyer@hotmail.com
 
RB RB RB
GN1© Copyright 2024 - All rights reserved to Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
Av. Paulista, 37 - 7° andar - Conj. 71 - CEP 01311-902 - São Paulo - SP - Brazil - Phone: (11) 3372-4544 - Fax: (11) 3372-4554