Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 49 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2016

CARTA AO EDITOR
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Page(s) 411 to 412



Síndrome inflamatória da reconstituição imune e criptococose neuropulmonar em paciente HIV-negativo

Autho(rs): Rodolfo Mendes Queiroz; Lara Zupelli Lauar; Marcus Vinicius Nascimento Valentin; Cecília Hissae Miyake; Lucas Giansante Abud

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Sr. Editor,

Homem, 26 anos, queixando-se de tosse e febre há alguns dias. Relatou regime para emagrecimento nos últimos quatro meses, com perda ponderal de 20 kg. Negou comorbidades.

Radiografia torácica caracterizou consolidação pulmonar à esquerda. Hemogramas apresentaram leucocitose e contagem de linfócitos no limite inferior da normalidade. Radiografias subsequentes, na vigência de antibioticoterapia, mostraram aumento da consolidação. Tomografia computadorizada torácica exibiu, no pulmão esquerdo, consolidação com broncograma aéreo e opacidade hilar parcialmente arredondada, ambas contendo áreas hipodensas (Figura 1A), levantando as hipóteses de processo infeccioso ou neoplásico. Devido a surgimento de confusão mental, crises convulsivas e instabilidade postural, realizou-se ressonância magnética (RM) encefálica, que demonstrou múltiplas lesões císticas intraparenquimatosas (Figura 1B), sem realce e com mínimo edema marginal.


Figura 1. A: TC do tórax, corte axial, mostrando no lobo superior do pulmão esquerdo consolidação com broncograma aéreo e opacidade hilar parcialmente arredondada, ambas apresentando áreas hipodensas. B: Primeira RM do crânio, sequência ponderada em T2 turbo spin-eco demonstrando múltiplas formações arredondadas císticas de variadas dimensões esparsas pelo parênquima cerebral e cerebelar, tálamo esquerdo e regiões nucleocapsulares, determinando discreto efeito compressivo e sem sinais de edema significativo perilesional. C: RM do encéfalo, sequência FLAIR, realizada cinco semanas após início da terapia com fluconazol e restauração de alimentação adequada, mostrando intenso edema vasogênico perilesional indicando processo inflamatório reacional, quase ausente no início do tratamento, devido a imunidade deficitária. D: RM do encéfalo, sequência ponderada em FLAIR, realizada em vigência da corticoterapia (cinco semanas após início) e com manutenção do tratamento com fluconazol, mostrando regressão significativa do edema em torno das lesões encefálicas, bem como de suas dimensões.



Estudo anatomopatológico de biópsia da consolidação pulmonar revelou infecção fúngica com características de micose profunda por criptococos. A coloração com mucicarmim mostrou positividade para muco da cápsula fúngica. As sorologias para HIV, HBV e HCV foram negativas. Iniciou-se terapia com fluconazol alternada com anfotericina B. O paciente apresentou estado geral instável durante a internação, sendo submetido a traqueostomia e desenvolvendo candidíase traqueal subsequente. Recebeu alta após melhora clínica, para seguimento ambulatorial, com terapia domiciliar e atenção para dieta adequada.

Cinco semanas após a alta, retornou ao hospital com piora do estado neurológico. RMs do encéfalo nesta segunda internação mostraram surgimento de acentuado e progressivo edema vasogênico perilesional (Figura 1C) e importante realce das lesões pelo agente paramagnético. Em análises de punção liquórica não foram encontrados Cryptococcus nem outro tipo de infecção, indicando resposta efetiva do tratamento. A associação de piora clínica e radiológica, apesar de resposta efetiva ao tratamento, em um paciente com indícios de imunodepressão provavelmente por restrição nutritiva alimentar, sugeriu fortemente a possibilidade de síndrome inflamatória da reconstituição imune (SIRI). Foi então instituída corticoterapia com manutenção da terapia antifúngica, observando-se importante melhora clínica do paciente e regressão das lesões em controle com exames de imagem (Figura 1D).

A criptococose é comum em pacientes imunodeprimidos, causada principalmente pela infecção via inalatória dos fungos Cryptococcus neoformans ou Cryptococcus gattii(1–4). A colonização pulmonar é frequente, muitas vezes assintomática. Os sintomas surgem, notadamente, quando ocorre acometimento meningoencefálico, apresentando alto tropismo por este sítio(1–5). Algumas das apresentações incluem massas e consolidações pulmonares(1,3), formações císticas gelatinosas encefálicas, destacadamente nos tálamos e núcleos da base(2). Um dos diagnósticos diferenciais é neoplasia pulmonar com metástase encefálica(3,4). O diagnóstico é feito pela identificação do fungo, pesquisado no escarro, lavado broncoalveolar, liquor, cortes histológicos e cultura(4). Fluconazol e anfotericina-B são opções terapêuticas(2,4).

A má-nutrição é uma causa conhecida de imunodeficiência, afetando os mecanismos de imunidade adaptativa(5,6). A SIRI é observada em alguns casos de síndrome da imunodeficiência adquirida ou imunodepressão, na qual o sistema imunológico começa a se recuperar, respondendo a uma infecção oportunista adquirida anteriormente, com exuberante resposta inflamatória que, paradoxalmente, causa piora dos sintomas(2,7,8). Descrevemos um caso incomum sugestivo de SIRI relacionada a criptococose em paciente HIV negativo, provavelmente desenvolvendo imunodepressão por restrição alimentar para emagrecimento.


REFERÊNCIAS

1. Fox DL, Müller NL. Pulmonary cryptococcosis in immunocompetent patients: CT findings in 12 patients. AJR Am J Roentgenol. 2005;185: 622–6.

2. Saigal G, Post MJD, Lolayekar S, et al. Unusual presentation of central nervous system cryptococcal infection in an immunocompetent patient. AJNR Am J Neuroradiol. 2005;26:2522–6.

3. McAdams HP, Rosado-de-Christenson ML, Templeton PA, et al. Thoracic mycoses from opportunistic fungi: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 1995;15:271–86.

4. Severo CB, Gazzoni AF, Severo LC. Chapter 3 – Pulmonary cryptococcosis. J Bras Pneumol. 2009;35:1136–44.

5. Fontana MH, Coutinho MF, Camargo ES, et al. Neurocryptococcosis in childhood. Report of three cases in the first decade of life. Arq Neuropsiquiatr. 1987;45:403–11.

6. Chinen J, Shearer WT. Secondary immunodeficiencies, including HIV infection. J Allergy Clin Immunol. 2010;125(2 Suppl 2):S195–203.

7. Murdoch DM, Venter WDF, Van Rie A, et al. Immune reconstitution inflammatory syndrome (IRIS): review of common infectious manifestations and treatment options. AIDS Res Ther. 2007;4:9.

8. Somerviller LK, Henderson AP, Chen SCA, et al. Successful treatment of Cryptococcus neoformans immune reconstitution inflammatory syndrome in an immunocompetent host using thalidomide. Med Mycol Case Rep. 2014;7:12–4.










Documenta – Hospital São Francisco, Ribeirão Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Rodolfo Mendes Queiroz
Documenta – Centro Avançado de Diagnóstico por Imagem
Rua Bernardino de Campos, 980, Centro
Ribeirão Preto, SP, Brasil, 14015-130
E-mail: rod_queiroz@hotmail.com
 
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