Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 49 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2016

CARTA AO EDITOR
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Page(s) 407 to 408



Kernicterus crônico: achados na ressonância magnética

Autho(rs): Bruno Niemeyer de Freitas Ribeiro1; Gabriela de Almeida Lima1; Nina Ventura1; Emerson Leandro Gasparetto1; Edson Marchiori2

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Sr. Editor,

Criança do sexo masculino, 3 anos de idade, com quadro de encefalopatia bilirrubínica no período neonatal devido a incompatibilidade Rh. Atualmente apresentando atraso do desenvolvimento neuropsicomotor e movimentos involuntários. Acompanhamento pré-natal e parto sem intercorrências. Sorologias para citomegalovírus, toxoplasmose, anti-HIV e VDRL negativas. Hemograma, ceruloplasmina sérica, eletrólitos e função tireoidiana dentro dos parâmetros da normalidade.

Ressonância magnética (RM) do crânio mostrou hipersinal nas sequências FLAIR e T2, bilateral e simétrico, acometendo globos pálidos e núcleos subtalâmicos, sem determinar efeito de massa, não apresentando restrição à difusão e sem evidência de realce pelo gadolínio (Figura 1). Tais achados de imagem, associados à história clinicolaboratorial, confirmaram o diagnóstico de kernicterus crônico.


Figura 1. A: Imagem coronal na sequência T2 mostrando hipersinal nos núcleos subtalâmicos (setas), bilaterais e simétricos, sem efeito de massa. B: Imagem axial na sequência FLAIR exibindo hipersinal nos globos pálidos (setas), bilaterais e simétricos. C: Imagem axial na sequência difusão não demonstrando restrição à difusão. D: Imagem axial na sequência T1 sem evidência de realce pelo gadolínio.



A literatura radiológica brasileira vem, recentemente, ressaltando a importância dos exames de RM no aprimoramento do diagnóstico do sistema nervoso central(1–5). Kernicterus, também conhecido como encefalopatia bilirrubínica, é uma complicação rara de hiperbilirrubinemia na infância, ocorrendo quando são atingidos níveis séricos superiores a 20 mg/dL no neonato a termo ou até mesmo valores menores em prematuros, resultando em depósito de bilirrubina nos globos pálidos, núcleos subtalâmicos, hipocampo, putâmen, tálamo e nervos cranianos (principalmente III, IV e VI)(6). Os sintomas incluem sonolência, hipotonia, opistótono, rigidez e convulsões.

Os fatores implicados na patogênese são hiperbilirrubinemia, capacidade reduzida de ligação da bilirrubina sérica, alterações da permeabilidade da barreira hematoencefálica e neurotoxicidade. As principais causas são as incompatibilidades ABO e Rh, porém sepse e outras anemias hemolíticas, como a deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase, podem provocar tal quadro(7).

O quadro clínico pode regredir completamente com tratamento adequado com fototerapia e transfusões sanguíneas(6); sem tratamento, danos irreversíveis podem ocorrer, gerando uma encefalopatia pós-ictérica, com sintomas relacionados aos núcleos da base, incluindo movimentos involuntários, espasticidade assimétrica, rigidez, ataxia e perda auditiva(8).

Os achados de imagem na RM no kernicterus são caracterizados por hipersinal nas sequências ponderadas em T1 nos globos pálidos, evoluindo cronicamente para uma substituição do hipersinal em T1 por um hipersinal permanente em T2 e FLAIR, tanto nos globos pálidos quanto nos núcleos subtalâmicos, de aspecto bilateral e simétrico(7,9–11), correspondendo às áreas de deposição preferencial da bilirrubina não conjugada, configurando o kernicterus crônico, como no caso apresentado.

O diagnóstico de lesões bilaterais nos núcleos da base na população pediátrica é amplo, podendo ser citadas como principais causas encefalopatia hipóxico-isquêmica, hipoglicemia, encefalites, erros inatos do metabolismo, distúrbios hidroeletrolíticos, intoxicação por monóxido de carbono e afecções desmielinizantes, sendo fundamental a correlação com dados clinicolaboratoriais para definição diagnóstica(7,12,13).

Concluindo, a possibilidade de kernicterus agudo ou crônico deve ser considerada quando achados clinicolaboratoriais e de RM típicos são encontrados, sendo sua apresentação crônica o quadro final e irreversível promovido pela neurotoxicidade da bilirrubina.


REFERÊNCIAS

1. Alfenas R, Niemeyer B, Bahia PRV, et al. Parry-Romberg syndrome: findings in advanced magnetic resonance imaging sequences – case report. Radiol Bras. 2014;47:186–8.

2. Bimbato EM, Carvalho AG, Reis F. Toxic and metabolic encephalopathies: iconographic essay. Radiol Bras. 2015;48:121–5.

3. Castro FD, Reis F, Guerra JGG. Intraventricular mass lesions at magnetic resonance imaging: iconographic essay – part 1. Radiol Bras. 2014;47:176–81.

4. Ono SE, Carvalho Neto A, Gasparetto EL, et al. X-linked adrenoleukodystrophy: correlation between Loes score and diffusion tensor imaging parameters. Radiol Bras. 2014;47:342–9.

5. Barbosa JHO, Santos AC, Salmon CEG. Susceptibility weighted imaging: differentiating between calcification and hemosiderin. Radiol Bras. 2015;48:93–100.

6. Turkel SB, Miller CA, Guttenberg ME, et al. A clinical pathologic reappraisal of kernicterus. Pediatrics. 1982;69:267–72.

7. Parashari UC, Singh R, Yadav R, et al. Changes in the globus pallidus in chronic kernicterus. J Pediatr Neurosci. 2009;4:117–9.

8. Perlstein MA. The late clinical syndrome of posticteric encephalopathy. Pediatr Clin North Am. 1960;7:665–87.

9. Martich-Kriss V, Kollias SS, Ball WS Jr. MR findings in kernicterus. AJNR Am J Neuroradiol. 1995;16(4 Suppl):819–21.

10. Coskun A, Yikilmaz A, Kumandas S, et al. Hyperintense globus pallidus on T1-weighted MR imaging in acute kernicterus: is it common or rare? Eur Radiol. 2005;15:1263–7.

11. Govaert P, Lequin M, Swarte R, et al. Changes in globus pallidus with (pre)term kernicterus. Pediatrics. 2003;112(6 Pt 1):1256–63.

12. Hegde AN, Mohan S, Lath N, et al. Differential diagnosis for bilateral abnormalities of the basal ganglia and thalamus. Radiographics. 2011; 31:5–30.

13. Khanna PC, Iver RS, Chaturvedi A, et al. Imaging bithalamic pathology in the pediatric brain: demystifying a diagnostic conundrum. AJR Am J Roentgenol. 2011;197:1449–59.










1. Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Bruno Niemeyer de Freitas Ribeiro
Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer – Departamento de Radiologia
Rua do Rezende, 156, Centro
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 20231-092
E-mail: bruno.niemeyer@hotmail.com
 
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