Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 49 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2016

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 351 to 357



Análise quantitativa por tomografia computadorizada das vias aéreas, usando programa automático, em pacientes com fibrose cística: avaliação da gravidade em correlação com a espirometria

Autho(rs): Marcel Koenigkam Santos1; Danilo Lemos Cruvinel2; Marcelo Bezerra de Menezes3; Sara Reis Teixeira4; Elcio de Oliveira Vianna5; Jorge Elias Júnior6; José Antonio Baddini Martinez5

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Texto em Português English Text

Descritores: Fibrose cística; Tomografia computadorizada; Análise quantitativa.

Keywords: Cystic fibrosis; Tomography, X-ray computed; Airway remodeling/physiology.

Resumo:
OBJETIVO: Realizar a análise quantitativa das vias aéreas utilizando programa automático, em imagens de tomografia computadorizada de pacientes com fibrose cística, correlacionando com a espirometria.
MATERIAIS E MÉTODOS: Foram estudados 34 pacientes com fibrose cística – 20 masculinos e 14 femininos; idade de 18 ± 9 anos –, divididos em dois grupos segundo a espirometria: grupo I (n = 21) – sem obstrução grave ao fluxo aéreo (volume expiratório forçado no primeiro segundo [VEF1] > 50% previsto); grupo II (n = 13) – com obstrução grave (VEF1 ≤ 50% previsto). Foram automaticamente obtidos: diâmetro, área, espessura e atenuação da parede da árvore traqueobrônquica.
RESULTADOS: Na média, foram estudados 52 brônquios por paciente. O número de brônquios analisados foi maior no grupo II. A correlação com a espirometria foi melhor no grupo I, principalmente entre a espessura relativa da parede da terceira a oitava geração brônquica e o VEF1 previsto.
CONCLUSÃO: A análise quantitativa das vias aéreas em imagens de tomografia computadorizada pode ser útil na avaliação da gravidade da doença na fibrose cística. Nos pacientes com obstrução grave ao fluxo aéreo, o número de brônquios estudados pelo método é maior, indicando mais bronquiectasias. Nos pacientes sem obstrução grave, a espessura relativa da parede dos brônquios tem boa correlação com o VEF1 previsto.

Abstract:
OBJECTIVE: To perform a quantitative analysis of the airways using automated software, in computed tomography images of patients with cystic fibrosis, correlating the results with spirometric findings.
MATERIALS AND METHODS: Thirty-four patients with cystic fibrosis were studied—20 males and 14 females; mean age 18 ± 9 years—divided into two groups according to the spirometry findings: group I (n = 21), without severe airflow obstruction (forced expiratory volume in first second [FEV1] > 50% predicted), and group II (n = 13), with severe obstruction (FEV1 ≤ 50% predicted). The following tracheobronchial tree parameters were obtained automatically: bronchial diameter, area, thickness, and wall attenuation.
RESULTS: On average, 52 bronchi per patient were studied. The number of bronchi analyzed was higher in group II. The correlation with spirometry findings, especially between the relative wall thickness of third to eighth bronchial generation and predicted FEV1, was better in group I.
CONCLUSION: Quantitative analysis of the airways by computed tomography can be useful for assessing disease severity in cystic fibrosis patients. In patients with severe airflow obstruction, the number of bronchi studied by the method is higher, indicating more bronchiectasis. In patients without severe obstruction, the relative bronchial wall thickness showed a good correlation with the predicted FEV1.

INTRODUÇÃO

A fibrose cística (FC) é uma doença autossômica recessiva, crônica, que afeta as células epiteliais de múltiplos órgãos, principalmente do trato respiratório e pâncreas exócrino, sendo a principal causa de mortalidade por doença hereditária em populações brancas. Múltiplas mutações genéticas já foram associadas a esta doença, que nos pulmões resultam em deficiência da secreção de cloro e aumento da absorção de sódio pelo epitélio celular das vias aéreas. Os pacientes com FC apresentam secreções de viscosidade aumentada, com comprometimento da depuração mucociliar, obstrução crônica e infecções bacterianas persistentes e recorrentes, fatores estes que acarretam uma doença broncopulmonar de alta morbimortalidade. O processo inflamatório crônico das vias áreas ocasiona deformidade, dilatação e espessamento das paredes brônquicas. As bronquiectasias resultantes, por sua vez, também predispõem a infecções bacterianas crônicas, caracterizando um ciclo vicioso de dano tecidual(1–3). Apesar de ainda não haver cura, melhorias no tratamento de pacientes com FC têm levado a um aumento importante da expectativa de vida, chegando a aproximadamente 40 anos na maioria dos países desenvolvidos(4).

Os exames de imagem têm papel muito importante, não somente no diagnóstico, mas também no seguimento clínico da doença broncopulmonar relacionada à FC, e são utilizados na avaliação da gravidade da doença, caracterização da sua distribuição regional, detecção de complicações infecciosas e não infecciosas, e no controle de tratamento. Atualmente, a tomografia computadorizada de múltiplos detectores (TCMD) com técnica de alta resolução é considerada o melhor método de imagem na caracterização morfológica das alterações brônquicas e pulmonares, sendo capaz de avaliar até mesmo as vias aéreas distais, com melhor acurácia quando comparada à radiografia simples e à ressonância magnética(5,6). A TCMD tem sido sugerida, inclusive, como método válido na caracterização de desfecho em ensaios clínicos e intervenções terapêuticas(7,8).

As principais características da FC no exame de TC são: dilatação e deformidade brônquica (bronquiectasias), espessamento das paredes brônquicas, acúmulo de secreção (impactação mucoide, opacidades de pequenas vias aéreas), atelectasias e alteração da atenuação pulmonar secundária a obstrução brônquica/oligoemia(8). Diferentes sistemas visuais de graduação (escores) em exames de imagem foram descritos para monitorar a doença de maneira mais objetiva, porém têm sido pouco empregados na rotina clínica, principalmente devido à complexidade de sua aplicação(9). As provas de função pulmonar são utilizadas no seguimento clínico dos pacientes com FC, em especial a espirometria. Independentemente do padrão obstrutivo ou restritivo da doença, o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) é considerado a medida mais importante, representando marcador prognóstico e preditor de mortalidade(10). Sabe-se, entretanto, que as provas de função pulmonar são insensíveis às alterações iniciais das vias aéreas e do parênquima pulmonar e não são capazes de mostrar a distribuição regional e compartimental da doença, características que podem ter implicação em terapias específicas(11).

Diante das melhorias terapêuticas e do ganho de sobrevida dos pacientes com FC, resultando em um seguimento seriado prolongado, é necessário encontrar parâmetros que sejam confiáveis e reprodutíveis, ou seja, quantitativos e objetivos, para uma adequada avaliação da gravidade dessa doença e resposta ao tratamento. Estudos recentes demonstraram que a análise quantitativa das vias aéreas em imagens de TCMD, utilizando programas dedicados, foi capaz de identificar as alterações morfológicas relacionadas à FC em boa correlação com os parâmetros funcionais(12,13).

O objetivo deste estudo foi avaliar, de maneira quantitativa, as alterações morfológicas das vias aéreas em exames de TCMD, utilizando um programa de computador com capacidade de análise totalmente automática, em uma população de pacientes com FC em seguimento clínico no nosso hospital, correlacionando com a espirometria.


MATERIAIS E MÉTODOS

Pacientes


Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição. Por tratar-se de estudo retrospectivo baseado em exames já realizados pelos pacientes, com indicação clínica no seguimento/avaliação da FC, foi concedida a dispensa do termo de consentimento livre e esclarecido.

Avaliamos, retrospectivamente, os prontuários eletrônicos e os exames de TCMD de pacientes, crianças e adultos, portadores de FC e em seguimento clínico em nosso hospital de referência. Os exames de espirometria e TC foram solicitados como parte da avaliação clínica de rotina desses pacientes, não havendo descrição de investigação de exacerbação aguda, infecção ou suspeita de outra complicação aguda. Foram incluídos pacientes com sintomas e sinais típicos de FC, histórico familiar e confirmação diagnóstica principalmente por dosagem de cloro no suor. Foram incluídos, de maneira consecutiva, os pacientes que possuíam espirometria e exames de TCMD realizados em nosso serviço nos mesmos aparelhos, dentro do intervalo de quatro semanas. Foram excluídos os pacientes com espirometria ou TC de qualidade técnica ruim, consideradas inadequadas para diagnóstico e análise. Os exames de espirometria foram realizados em aparelho da marca KoKo (PDS Instrumentation, Inc.; Louisville, CO, EUA), e no caso de seis crianças, em espirômetro Vitatrace VT 130 (Pró Médico Ltda.; Rio de Janeiro, RJ, Brasil). A realização das provas e as características dos aparelhos estavam de acordo com as padronizações da American Thoracic Society para a realização de espirometria.

Os pacientes foram divididos em dois grupos, de acordo com a presença ou não de obstrução grave ao fluxo aéreo(14), com base na medida do VEF1 em porcentagem do previsto (VEF1%) obtida em espirometria após uso de broncodilatador: grupo I – pacientes sem comprometimento obstrutivo grave do fluxo aéreo (VEF1% > 50); grupo II – pacientes com obstrução grave ao fluxo aéreo (VEF1% ≤ 50).

TC de tórax

Os exames foram realizados em aparelho de TCMD modelo Brilliance Big Bore de 16 detectores (Philips; Amsterdam, Holanda) e seguindo o mesmo protocolo. Foi aplicada técnica de TC de alta resolução sem administração de meio de contraste iodado, varrendo todo o tórax no sentido caudocranial, com aquisição volumétrica de 1 mm de espessura em inspiração completa. Outros parâmetros típicos da aquisição foram: kVp de 120, mAs referência de 110–130, rotação do gantry de 0,3 a 0,7 s, exposição ideal à radiação menor que 5 mSv. As aquisições volumétricas foram reconstruídas com filtro mole/padrão e filtro duro, com 1 mm de espessura e intervalo de reconstrução de 1 mm.

Obtenção das medidas das vias aéreas

A análise quantitativa das vias aéreas nas imagens de TC foi realizada pelo programa Yacta versão 2.0(15) instalado em um computador no laboratório de processamento de imagens do nosso serviço, ligado à rede de servidores do hospital. Desta maneira, as imagens são enviadas diretamente do tomógrafo para análise pelo programa.

O programa funciona de maneira completamente automática, não necessitando de intervenção de usuário em nenhuma etapa do processo. A análise das imagens tem duração de 4 a 9 minutos, após envio para o processamento. Inicialmente, o programa segmenta (separa anatomicamente) as vias aéreas, os pulmões direito e esquerdo e os lobos pulmonares, com base em algoritmo computadorizado de reconhecimento das estruturas, densidades e limiares anatômicos. Uma linha central é calculada no interior da via aérea, desde a traqueia até os brônquios mais distais, sendo utilizada como referência para as mensurações no plano transverso verdadeiro do brônquio (perpendicular ao eixo da linha). Uma vez identificado o plano transverso do brônquio, diferentes algoritmos podem ser utilizados para reconhecimento das bordas interna e externa e medida de calibre e espessura da parede do brônquio, destacando-se o full-width at half-maximum e o integral-based method. Neste estudo utilizamos o integral-based method, que em estudos prévios mostrou-se mais fidedigno às medidas anatômicas (Figura 1)(13,15).


Figura 1. Para obtenção das medidas das vias aéreas o primeiro passo do programa automático é identificar a luz da traqueia (seta), seguido da segmentação (separação anatômica) da árvore traqueobrônquica. Uma linha central é calculada no interior da via aérea para identificação do plano axial verdadeiro do brônquio, e então as bordas interna (linha pontilhada) e externa (linha contínua) são identificadas para obtenção das medidas.



As medidas das vias aéreas obtidas são: número de brônquios analisados; diâmetro total da via aérea (distância em mm entre as bordas externas do brônquio estudado); área luminal (área entre as bordas internas, em mm2); espessura da parede (distância entre uma borda interna e externa, em mm); espessura relativa da parede brônquica (relação entre espessura da parede e diâmetro total, em %); espessura relativa da parede para os brônquios da terceira a oitava geração (PP3–8); atenuação máxima da parede brônquica (pontos de máxima densidade entre a borda interna e externa, em unidades Hounsfield). Todas essas medidas são obtidas para n brônquios da árvore traqueobrônquica segmentada. O programa calcula uma média para toda a árvore e também permite identificar os valores de acordo com cada geração brônquica.

Análise estatística

Todos os dados foram organizados e analisados em computador pessoal usando programa de planilhas eletrônicas (Microsoft Excel 2011) e de análise estatística (GraphPad-Prism 5,0). O teste de normalidade de Shapiro-Wilk foi utilizado e verificou a normalidade da distribuição das variáveis. Foi empregado o teste t não pareado para comparação entre os dados dos grupos I e II, com nível de significância de 95% (p < 0,05). A correlação das medidas das vias aéreas com os parâmetros da espirometria foi realizada utilizando o coeficiente de correlação de Pearson.

Figura 1. Para obtenção das medidas das vias aéreas o primeiro passo do programa automático é identificar a luz da traqueia (seta), seguido da segmentação (separação anatômica) da árvore traqueobrônquica. Uma linha central é calculada no interior da via aérea para identificação do plano axial verdadeiro do brônquio, e então as bordas interna (linha pontilhada) e externa (linha contínua) são identificadas para obtenção das medidas.


RESULTADOS

Foram avaliados 34 pacientes com FC, sendo 20 do sexo masculino e 14 do sexo feminino, com idade de 18 ± 9 anos, variando de 7 a 43 anos. Vinte e um pacientes foram incluídos no grupo I e 13 pacientes foram incluídos no grupo II. No grupo I, a idade média dos pacientes foi significativamente menor quando comparada à do grupo II (14,3 ± 6 versus 23,9 ± 10,5 anos). A Tabela 1 resume os resultados das espirometrias dos pacientes com FC estudados. Os grupos I e II mostraram diferença significativa nas medidas de função pulmonar, incluindo o VEF1, o VEF1%, a capacidade vital forçada (CVF) em porcentagem do previsto e o índice de Tiffeneau (VEF1/CVF). Apenas os valores da CVF (p = 0,25) não foram diferentes entre os grupos I e II.




O programa Yacta foi capaz de segmentar e analisar os exames de todos os 34 pacientes incluídos no estudo, obtendo as medidas quantitativas das vias aéreas. Na média, foram estudados 52 brônquios por paciente. Considerando todos os pacientes, o diâmetro total médio dos brônquios foi 7,8 mm, a média da espessura da parede brônquica foi 2,2 mm e a espessura relativa da parede brônquica foi 83% (85% para os brônquios entre a 3ª e 8ª geração). A Tabela 2 resume as medidas obtidas por TC das vias aéreas após a análise automática. Quando comparados os grupos I e II, a única variável que mostrou diferença estatística entre os grupos foi o número de brônquios avaliados (p < 0,01), maior no grupo II (Figura 2).




Figura 2. Exemplos de dois pacientes com fibrose cística, sendo um do grupo I (A, VEF1% = 69,6) e outro do grupo II (B, VEF1% = 34,5). As imagens coronais de TC com janela pulmonar mostram maior número de bronquiectasias no paciente do grupo II. As figuras representativas tridimensionais da segmentação brônquica automática ilustram o maior número de brônquios encontrados e analisados no paciente do grupo II (91 brônquios) em comparação com o paciente do grupo I (49 brônquios).



Embora as demais medidas quantitativas das vias aéreas não tenham sido significativamente diferentes entre os grupos, a correlação dessas medidas com a espirometria mostrou diferenças. No grupo I identificamos correlação mais significativa entre o valor de PP3-8 e o VEF1% (R = –0,62; p < 0,01), de maneira que quanto mais espesso o brônquio (3ª a 8ª geração), menor o VEF1% (Figura 3). No grupo II não identificamos nenhum valor de coeficiente de correlação significativo. Observando os valores de coeficiente de correlação entre os grupos, verificamos tendência de melhor correlação das medidas no grupo I. A Tabela 3 mostra os valores do coeficiente de correlação de Pearson para os dois grupos, em relação ao VEF1%.


Figura 3. Gráfico ilustrando a correlação (R = –0,62; p < 0,01) entre a PP3–8 medida por TC e o VEF1%, nos pacientes do grupo I.




DISCUSSÃO

Neste trabalho estudamos uma amostra de 34 pacientes com diagnóstico de FC que possuíam exames de TCMD e espirometria realizados em nosso hospital, utilizando um programa de análise quantitativa totalmente automático para mensuração das vias aéreas nas imagens de TC de alta resolução do tórax. O programa foi capaz de analisar grande número de brônquios em todos os pacientes estudados e identificar as alterações relacionadas à FC. Nos pacientes com obstrução grave ao fluxo aéreo, um maior número de brônquios foi avaliado, traduzindo um maior número de bronquiectasias nestes pacientes. Nos pacientes sem obstrução grave, encontramos boa correlação da espessura relativa de parede dos brônquios entre a 3ª e 8ª geração com o VEF1%.

A evolução tecnológica dos aparelhos de TC, com o desenvolvimento da técnica de multidetectores, tornou possível a aquisição volumétrica e de alta resolução de imagens de todo o tórax em uma única apneia. A qualidade da imagem atualmente obtida permite uma avaliação detalhada da morfologia do parênquima pulmonar e das vias aéreas até o nível subsegmentar(16). Na avaliação das doenças broncopulmonares, muitos estudos demonstraram que a TC é capaz de identificar alterações mais precocemente, sendo mais sensível na detecção de alterações sutis, e permitir a avaliação regional/compartimental da doença, quando comparada a outras ferramentas diagnósticas(17). Na FC, por exemplo, demonstrou-se que a TC é capaz de detectar progressão das alterações broncopulmonares em pacientes sem alteração significativa nos parâmetros das provas de função pulmonar(18).

Em comparação com a análise qualitativa tradicional dos exames de imagem, a avaliação quantitativa é mais objetiva, menos dependente do leitor/avaliador e apresenta melhor reprodutibilidade. Principalmente no estudo da doença pulmonar obstrutiva crônica e na asma, a análise quantitativa dos exames de TC, feita de maneira automática ou semiautomática, tem demonstrado boa acurácia e boa correlação com as provas funcionais(19–22). Na tentativa de padronizar a avaliação por imagem da FC, diferentes sistemas visuais de graduação (escores) foram descritos, para serem utilizados em radiografia simples, TC e ressonância magnética. Estes métodos, entretanto, têm sido pouco empregados na rotina clínica, principalmente em razão da sua complexidade de aplicação e das diferenças entre os principais escores propostos(23). Mais recentemente, alguns estudos descreveram que a análise quantitativa das vias aéreas também é capaz de detectar as alterações da FC(12,13). No presente estudo avaliamos as imagens de TCMD de 34 pacientes com FC. O programa utilizado foi capaz de segmentar e realizar a análise totalmente automática das vias aéreas em todos os casos, avaliando em média 52 brônquios por paciente. Enquanto os primeiros trabalhos de análise quantitativa de vias aéreas descrevem as medidas em um ou poucos brônquios, realizadas manual ou semiautomaticamente(24), a avaliação automática de um grande número de brônquios, como realizada neste trabalho, permite uma análise mais fidedigna e reprodutível da doença da via aérea, considerando a distribuição lobar e segmentar da doença, além das diferentes gerações brônquicas.

O calibre e a espessura da parede diminuem progressivamente ao longo da árvore traqueobrônquica, conforme se avança dos brônquios fontes em sentido aos bronquíolos periféricos, ou seja, quanto maior/mais distante a geração brônquica, menor o calibre e a espessura da via aérea. A espessura normal da parede brônquica varia de 0,2–0,3 mm nos brônquios subsegmentares a 1,0–1,5 mm nos brônquios lobares e segmentares. Em relação ao calibre, descreve-se que enquanto os brônquios segmentares normais medem 5–8 mm, os brônquios subsegmentares e bronquíolos não são maiores que 1 mm(13,25). As dimensões e a espessura das paredes brônquicas estão relacionadas à limitação do fluxo aéreo nas doenças obstrutivas(19). Por exemplo, a espessura da parede brônquica maior ou igual a 1,75 mm em brônquios segmentares de pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica está associada a maior risco de exacerbações agudas(26). A espessura relativa das paredes brônquicas (espessura das paredes/diâmetro total do brônquio) em indivíduos normais é, em média, menor que 50%, variando com a idade e a geração brônquica estudada(13,27). Em nosso estudo, o programa de análise automática das vias aéreas foi capaz de identificar e mensurar objetivamente a dilatação e o espessamento das paredes brônquicas relacionados à FC. Para o grupo total de 34 pacientes com FC, encontramos um diâmetro brônquico médio de 7,8 mm, espessura média de parede de 2,2 mm e espessura relativa de 83%.

Em nossa comparação entre os pacientes com e sem obstrução grave ao fluxo aéreo, a única variável quantitativa da via aérea que mostrou diferença significativa foi o número de brônquios analisados. Wielpütz et al.(13) descreveram um maior número de brônquios estudados nos pacientes com FC quando comparados ao controle. A perda do afilamento fisiológico das vias aéreas está relacionada ao desenvolvimento de bronquiectasias e permite que o programa automático avance mais na segmentação, identificando e mensurando um número maior de brônquios. A relação desta variável (maior número de brônquios automaticamente identificados) com a presença de obstrução grave em pacientes com FC não havia sido previamente descrita na literatura.

Apesar de não terem sido encontradas outras diferenças significativas entre as medidas das vias aéreas dos grupos de pacientes com FC, a correlação destas medidas com a espirometria mostrou diferenças. O principal achado foi que, nos pacientes sem obstrução grave ao fluxo aéreo, identificamos boa correlação da PP3–8 com o VEF1% (R = –0,62), estatisticamente significante e maior quando comparada ao grupo com obstrução grave. Ainda não há consenso na literatura médica em relação a quais seriam as medidas mais adequadas das vias aéreas a serem estudadas nas imagens de TC(28), porém, nosso estudo mostra que a espessura relativa das paredes brônquicas pode ser vantajosa em relação às demais medidas. Enquanto as medidas lineares de calibre, área luminal e espessura variam de acordo com a geração brônquica e as medidas antropométricas dos pacientes (sexo, idade, altura, peso), a espessura relativa é uma medida proporcional e que provavelmente tende a ser mais constante na população, independente das demais variáveis constitucionais. Ao descartar as duas primeiras gerações brônquicas (brônquios fontes e lobares), também concentramos a análise nas pequenas vias aéreas (brônquios subsegmentares), onde ocorrem as alterações iniciais e mais importantes nas doenças obstrutivas pulmonares(29). A menor correlação entre as medidas tomográficas e a espirometria no grupo de pacientes com obstrução grave pode indicar que a presença de outras alterações além das bronquiectasias, como as impactações mucoides, atelectasias e destruição parenquimatosa, contribua para o comprometimento funcional da doença. Estas alterações não são avaliadas pelo programa automático de análise das vias aéreas em imagens de TC.

Este estudo tem limitações. Os exames de espirometria não foram todos realizados no mesmo aparelho e com o mesmo técnico, situação ideal para evitar viés relacionado a realização do exame. Não utilizamos controle espirométrico da inspiração durante a realização dos exames de TC, o que, principalmente para os pacientes mais jovens, poderia certificar a aquisição das imagens em inspiração máxima. O grau de inspiração pode afetar as medidas quantitativas dos pulmões e vias aéreas nas imagens de TC. Apesar do avançado algoritmo aplicado pelo programa automático, a análise de brônquios de segmentos distais ainda possui relativo viés em sua seleção, pois são detectadas preferencialmente as vias aéreas que se encontram dilatadas. Outras limitações da análise computacional para vias aéreas são inerentes à imagem por TC, pois pequenas diferenças em valores de atenuação e alterações luminais discretas podem complicar a identificação correta das bordas do brônquio e diferenciação entre espessamento da parede e obstrução parcial por muco ou estruturas adjacentes. A análise morfológica dos brônquios distais à nona geração brônquica ainda não é possível com as atuais técnicas de TCMD(30). Vale lembrar também que as gerações de vias respiratórias segmentadas com base nas bifurcações automatizadas não são exatamente iguais às gerações anatômicas. Quanto à correlação funcional, não analisamos os valores do fluxo expiratório forçado, medida que pode mostrar alteração obstrutiva inicial da via aérea, assim como não tínhamos disponíveis para todos os pacientes os valores de volumes pulmonares obtidos por pletismografia, medidas estas que também poderiam ser correlacionadas com os parâmetros obtidos por TC. Por último, em nosso estudo não realizamos a indexação das medidas das vias aéreas para a altura e o peso dos pacientes, o que, especialmente na comparação envolvendo adultos e crianças, poderia aumentar a acurácia da análise.


CONCLUSÃO

A análise quantitativa das vias aéreas em imagens de TC pode ser útil na avaliação da gravidade da doença na FC. Nos pacientes com obstrução grave ao fluxo aéreo, o número de brônquios estudados pelo método é maior, indicando mais bronquiectasias. Nos pacientes sem obstrução grave, a espessura relativa da parede dos brônquios entre a 3ª e 8ª geração teve boa correlação com o VEF1%, esta a medida espirométrica mais utilizada no seguimento clínico e considerada de valor prognóstico para a FC.


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1. Doutor, Médico Radiologista, Docente Colaborador do Centro de Ciências das Imagens e Física Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
2. Médico Radiologista, Especializando do Centro de Ciências das Imagens e Física Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
3. Doutor, Médico Pneumologista Assistente do Setor de Pneumologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
4. Doutora, Médica Radiologista Assistente do Centro de Ciências das Imagens e Física Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
5. Doutores, Médicos Pneumologistas, Docentes do Setor de Pneumologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
6. Doutor, Médico Radiologista, Docente do Centro de Ciências das Imagens e Física Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Marcel Koenigkam Santos
Centro de Ciências das Imagens e Física Médica – HCFMRP-USP
Avenida Bandeirantes, 3900, Monte Alegre
Ribeirão Preto, SP, Brasil, 14049-900
E-mail: marcelk46@fmrp.usp.br

Recebido para publicação em 30/7/2015.
Aceito, após revisão, em 4/11/2015.

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil.
 
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