Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 49 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2016

EDITORIAIS
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Doença de Chagas: uma infecção tropical de interesse para o radiologista

Autho(rs): Edson Marchiori

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Neste número da Radiologia Brasileira está sendo publicado um interessante estudo sobre as alterações radiológicas observadas em pacientes com megaesôfago chagásico, identificadas nas radiografias do tórax e na esofagografia(1). O primeiro ponto a ser ressaltado sobre este trabalho é o fato de ser um estudo feito, nos dias atuais, usando-se radiologia convencional. Embora muitos pensem o contrário, as radiografias convencionais continuam sendo fundamentais na investigação das doenças do tórax. Quando realizadas e interpretadas de modo adequado, dão informações úteis para a caracterização de lesões, eventualmente sendo o único exame complementar de imagem necessário. Entretanto, é um método que apresenta limitações, muitas vezes obrigando ao uso de outros exames, especialmente a tomografia computadorizada(2). Outro aspecto relevante é tratar-se de estudo sobre uma doença com alta incidência e prevalência na América Latina, particularmente no Brasil. Ao contrário de outras infecções tropicais altamente incidentes no nosso meio, como a paracoccidioidomicose, que tem sido assunto de algumas publicações recentes na literatura radiológica brasileira(3–7), a avaliação radiológica da doença de Chagas (DC) tem sido negligenciada pelos pesquisadores nacionais. Mesmo o volume de publicações radiológicas sobre a paracoccidioidomicose tem sido considerado insuficiente, diante da importância da doença. Em editorial recente, Rodrigues(8), referindo-se à deficiência de estudos sobre aspectos de imagem na paracoccidioidomicose, ressaltou que este "vazio" na literatura é grande responsabilidade nossa, dos pesquisadores brasileiros, por ser o Brasil o país em que ela é mais frequente, e que estudos sobre este tipo de doença, típica e endêmica em nosso país, são extremamente importantes, permitindo que se tenha uma melhor compreensão das suas características, possibilitando a realização de diagnósticos mais precisos e tratamentos mais adequados.

A DC, também chamada de tripanossomíase americana, é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, que tem alta prevalência e morbidade significativa na América Latina. Embora a incidência venha diminuindo nas últimas décadas, um número extremamente elevado de pacientes ainda sofre com essa doença. A maioria dos pacientes chagásicos crônicos é de idosos. Isto ocorre porque grande parte dos chagásicos é procedente de áreas onde a erradicação do vetor se deu há pelo menos três ou quatro décadas. Cerca de 30% das pessoas cronicamente infectadas desenvolvem alterações cardíacas, e cerca de 10% desenvolvem alterações digestivas, neurológicas ou mistas, que requerem tratamento específico. A alteração cardíaca mais importante, passível de avaliação por métodos de imagem, é a cardiopatia chagásica crônica, ao passo que no tubo digestivo as principais alterações são as dilatações, como o megaesôfago e o megacólon chagásicos(9).

O comprometimento cardíaco é o principal determinante para o prognóstico da DC. A ressonância magnética cardíaca tem sido o exame de escolha para avaliação do coração de pacientes chagásicos. É um método não invasivo, que não usa radiação ionizante, com imagens de alta resolução, permitindo avaliação da anatomia, da função e caracterização tissular. Novas técnicas estão sendo rotineiramente usadas para avaliação detalhada da função cardíaca na DC, como marcação miocárdica, cine-RM de alta resolução, realce tardio miocárdico para detecção de fibrose miocárdica, perfusão miocárdica, técnicas de detecção de inflamação e edema, e monitoramento de injeções intramiocárdicas de células-tronco para o tratamento da miocardiopatia chagásica(9).

Em relação ao comprometimento do tubo digestivo, acalásia idiopática e acalásia consequente à DC têm manifestações clínicas e radiológicas semelhantes, e o mesmo tratamento. O termo acalásia refere-se à doença motora do esôfago, e megaesôfago, à sua consequência. O megaesôfago é uma das formas clínicas da DC que, embora de natureza benigna, tem caráter crônico e progressivo, determinando repercussões clínicas relevantes. O sintoma mais frequente é a disfagia, seguida pela regurgitação, pirose e dor torácica. A disfagia tem evolução crônica, de vários anos, e é progressiva. Pacientes com megacólon chagásico apresentam constipação grave e prolongada por anos ou décadas. Eles frequentemente fazem uso de óleo mineral para tratamento de constipação crônica. Desta forma, pneumonia lipoídica é uma complicação potencial de DC. Além disso, acalásia é um fator de risco para aspiração, potencializando o desenvolvimento da pneumonia lipoídica(10–12).

Em conclusão, DC deve ser considerada no diagnóstico diferencial de pacientes que apresentam doenças com alteração na motilidade do tubo digestivo, cursando com disfagia ou constipação graves, associadas ou não a comprometimento cardíaco.


REFERÊNCIAS

1. Abud TG, Abud LG, Vilar VS, et al. Radiological findings in megaesophagus secondary to Chagas disease: chest X-ray and esophagogram. Radiol Bras. 2016;49:358–62.

2. Escuissato DL, Marchiori E, Warszawiak D, et al. Radiografia simples do tórax. In: Maciel R, Aidé MA, editores. Prática pneumológica. 2ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan; 2017. p. 54–76.

3. Vermelho MB, Correia AS, Michailowsky TC, et al. Abdominal alterations in disseminated paracoccidioidomycosis: computed tomography findings. Radiol Bras. 2015;48:81–5.

4. Gava P, Melo AS, Marchiori E, et al. Intestinal and appendiceal paracoccidioidomycosis. Radiol Bras. 2015;48:126–7.

5. Lima Júnior FV, Savarese LG, Monsignore LM, et al. Computed tomography findings of paracoccidiodomycosis in musculoskeletal system. Radiol Bras. 2015;48:1–6.

6. Queiroz RM, Gomes MP, Valentin MV. Pulmonary paracoccidioidomycosis showing reversed halo sign with nodular/coarse contour. Radiol Bras. 2016;49:59–60.

7. Zanetti G, Nobre LF, Mançano AD, et al. Qual o seu diagnóstico? (Paracoccidioidomicose). Radiol Bras. 2014;47(1):xi–xiii.

8. Rodrigues MB. Current status of imaging diagnosis of musculoskeletal involvement in tropical diseases. Radiol Bras. 2015;48(2):ix.

9. Rochitte CE, Nacif MS, Oliveira Jr AC, et al. Cardiac magnetic resonance in Chaga's disease. Artif Organs. 2007;31:259–67.

10. Dantas RO. Comparação entre acalásia idiopática e acalásia conseqüente à doença de Chagas: revisão de publicações sobre o tema. Arq Gastroenterol. 2003;40:126–30.

11. Oliveira GC, Lopes LR, Andreollo NA, et al. Surgically treated megaesophagus: epidemiological profile of patients operated in the Clinical Hospital of the State University of Campinas between 1989 and 2005. Rev Soc Bras Med Trop. 2008;41:183–8.

12. Marchiori E, Zanetti G, Nobre LF, et al. Lipoid pneumonia complicating chagasic megaesophagus. High-resolution CT findings. J Thorac Imaging. 2010;25:179–82.










Professor Titular de Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: edmarchiori@gmail.com
 
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